Após o chumbo do último orçamento do estado apresentado pelo Governo do PS, o Bloco de Esquerda deu por terminada a geringonça.
Afinal, de onde vem e para onde vai o partido da esquerda liberal portuguesa, que arrisca perder o cobiçado lugar como terceira força política em Portugal?
De onde vem...
Fundado em 1999, o Bloco de Esquerda nasce da união de três partidos políticos: o Partido Socialista Revolucionário (PSR), partido trotskista, a União Democrática Popular (UDP), fundada como frente política comunista, de tendência maoista, e a Política XXI, partido socialista democrático. A união destes partidos teve por base a defesa da renovação da esquerda e a crítica do socialismo real. Assim, nasceu a nova esquerda em Portugal - uma esquerda identitária, que julga que o marxismo-leninismo não corresponde mais aos desafios da sociedade contemporânea e que se assume anti-capitalista, anti-conservadora, feminista, pelos direitos LGBTQ+, anti-racista e ecologista.
Atualmente, o Bloco de Esquerda continua a destacar-se pelo seu apelo às camadas mais jovens, pela defesa de causas setoriais através da presença no movimento social informal, em particular nas suas manifestações de rua. Internamente, o BE opera por tendências, correntes e moções, sendo que estas disputam a liderança na Mesa Nacional, órgão máximo do partido entre Convenções, leia-se Congressos, e a estratégia nacional do partido através das moções apresentadas e votadas na Convenção.
Há duas grandes tendências dentro do partido - a Rede Anticapitalista, que reflete o legado do antigo PSR, onde está Francisco Louçã, Mariana Mortágua e Jorge Costa, e a Esquerda Alternativa, tendência herdeira da UDP, que conta com nomes como Pedro Filipe Soares, Joana Mortágua e Isabel Pires. Desde a fundação, com exceção de 2014, os grupos dirigentes que surgiram da soma destes três partidos, procuram manter a conciliação em listas conjuntas e moções únicas. Assim, na última Convenção, em Maio, a Rede Anticapitalista e a Esquerda Alternativa seguiram juntas para eleições formando uma espécie de bloco central bloquista, a Moção A, disputando a Convenção com as moções C, E, N e Q.
As páginas das moções C a Q enchem-se de críticas à atual direção, que vão desde a excessiva proximidade do Bloco ao PS, à atribuição arbitrária de cargos no partido e à falta de proximidade do Bloco com as suas bases e as populações. De facto, o Bloco de Esquerda tem sido incapaz de vingar no campo das autárquicas, tendo ficado com apenas 12 vereadores nas últimas eleições regionais. Ademais, tem sido igualmente inapto na consolidação de uma estrutura organizativa forte e numerosa.
A Moção E, que corresponde à tendência Convergência e se assume como ecossocialista, é uma das vozes críticas da atual direção que tem lugar na Mesa Nacional. É a este órgão que cabe a votação das listas para as legislativas, sob proposta das assembleias distritais e regionais. Em Santarém, a lista mais votada apontava Ana Sofia Ligeiro, da Convergência, para cabeça de lista. Contudo, a direção tomou a iniciativa de apresentar o nome da atual deputada Fabíola Cardoso para primeiro lugar. Foi aí que a Convergência e a moção N, ao todo, 22 dos bloquistas eleitos para a Mesa Nacional, abandonaram a reunião em protesto contra o que consideram ser mais uma “intolerável e antidemocrática violação dos estatutos”.
O Bloco, que Francisco Louçã afirma ser "o único partido que não censura as contribuições para as moções. O único partido da democracia do século XXI, que reconhece o direito de tendência, o único partido que se preocupa com a transparência", terá agora de responder perante as suas bases, por aquilo que vários aderentes chamaram o funcionamento do partido por “cúpulas” nas moções apresentadas na última Convenção.
Para onde vai...
Nas últimas legislativas em 2019, após quatro anos de geringonça, o Bloco de Esquerda manteve 19 deputados apesar de perder quase 51 mil votos em relação a 2015. Ao considerar esta queda eleitoral, as vozes dividem-se, havendo quem atribua a diminuição do eleitorado do Bloco ao apoio que o partido deu ao Governo Socialista.
Durante as negociações do Orçamento do Estado para 2022, o Bloco de Esquerda apresentou 9 propostas concretas cuja rejeição ditou o seu sentido de voto. Destacam-se a revogação do fator de sustentabilidade e a revogação da caducidade unilateral das convenções coletivas de trabalho.
Apesar do Bloco defender que o executivo de António Costa recusou todas as propostas feitas pelo partido, e que o voto contra assentou numa defesa do seu programa, é ainda incerto se o partido será ou não penalizado nas próximas eleições - as mais recentes sondagens apontariam para uma resposta positiva a esta questão.
A atual crise política nacional e os confrontos internos entre tendências ditarão o futuro do Bloco de Esquerda. Após o resultado desastroso nas presidenciais de 2021, em que a candidata do Bloco, Marisa Matias, perdeu mais de metade dos seus eleitores, é fundamental para o Bloco de Esquerda manter-se como terceira força política em Portugal.
Com a crescente polarização do espectro político um pouco por toda a Europa e a urgência de combater eficazmente as forças reacionárias que silenciosamente se organizam, resta questionar que lugar (e que legado) assumirá a nova esquerda do Bloco e que lugar tomarão os portugueses com ela.
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