“Por um novo regime democrático: Deus, Pátria, Família e Trabalho” – é este o lema com que o partido se apresenta às eleições legislativas de Janeiro.
História do Partido
O partido Chega foi oficialmente fundado em Abril de 2019, depois do afastamento de André Ventura do PSD, partido onde militava. É preciso recuar às eleições autárquicas de 2017 e à candidatura de Ventura à Câmara Municipal de Loures para perceber o surgimento do Chega. Foi durante a campanha do ex-professor universitário que começávamos a ver André Ventura a ganhar reconhecimento público no campo da política, já que até então era mais conhecido por ser comentador de futebol da CMTV. Em causa estão as polémicas declarações que o então militante do PSD fez relativamente à comunidade cigana, onde defendeu que muitos ciganos vivem em “impunidade” e em desrespeito pelas regras do “Estado de Direito”. Acusava ainda o tecido social de ser “demasiado tolerante com algumas minorias” e de existirem grupos que “vivem quase exclusivamente de subsídios do Estado”.
Estas declarações valeram a André o repúdio de várias figuras políticas, incluindo dentro do seu próprio partido, onde muitos afirmavam que a candidatura do jurista era “contra os estatutos do PSD”. Ventura foi eleito vereador em Loures, mas, um ano mais tarde, renunciou do seu cargo, bem como da militância no partido. Acerca da sua saída, Ventura disse ter “discordâncias políticas a nível nacional” com a liderança social-democrata e que já estaria em processo de formação de uma nova força política. Afirmou ainda ter sido “traído” e “apunhalado nas costas” dentro do PSD.
No ano a seguir, em 2019, era formalizada a criação do Chega, aprovada pelo Tribunal Constitucional (TC) em volta de bastante polémica, já que muitos defendem que o partido iria contra os preceitos constitucionais que “proíbem organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista” (nº 4 do artigo 46º da Constituição da República Portuguesa). No seu manifesto fundador, o Chega afirma-se como um “partido nacional, conservador, liberal e personalista”.
Concorreram na sua primeira eleição, para o parlamento europeu, em Maio de 2019 quando ainda estavam em processo de legalização. A coligação que albergava Chega, Partido Cidadania e Democracia Cristã, Partido Popular Monárquico e o movimento Democracia 21 obteve 1,49% dos votos, sem eleger nenhum mandato. No entanto, as atenções eram viradas para as eleições legislativas em Outubro desse ano, onde Ventura dizia ter como objectivo “impedir uma maioria de esquerda”. Tal não se verificou, mas André Ventura era eleito deputado pelo círculo de Lisboa, com o Chega a alcançar 1,3% dos votos a nível nacional. O Chega alcançava representação política na Assembleia da República (AR) com um único mandato, exercido pelo seu líder.
A história de um dos mais recentes partidos portugueses é envolta de controvérsia não apenas vinda de fora, mas também dentro dos próprios órgãos internos e demais militantes. Esta situação alcançou mais notoriedade nos congressos, órgão máximo do partido. Foi possível observar confrontos entre distritais, militantes singulares e insultos mútuos entre os apoiantes do partido.
O Chega tem previsto nos seus estatutos a ordinária realização do Congresso de quatro em quatro anos. Foram, no entanto, realizados quatro congressos (contando com o “congresso fundador”) em pouco mais de dois anos de existência do partido. Só este ano foram realizados dois congressos, um em Maio e outro em Novembro (todavia, este último apenas aconteceu porque o Tribunal Constitucional declarou como anuladas as decisões do anterior congresso por um erro na convocatória).
Até à data, André Ventura já foi eleito 4 vezes presidente do Chega. Este dado deve-se ao facto de ter já apresentado três demissões: em Abril de 2020 por estar “cansado da oposição interna”; em Janeiro de 2021 por falhar o seu objectivo de ficar à frente de Ana Gomes nas eleições presidenciais; em Outubro de 2021 no seguimento da anulação por parte do TC das decisões aprovadas no anterior congresso. Candidatou-se sempre à chefia da direcção do partido após pedir a demissão, e ganhou.
Bandeiras do Partido
Família – valorizar a família enquanto “instituição primordial, nuclear e insubstituível” e criar um Ministério da Família para “assegurar a reconstrução moral, cívica, cultural ou económica da família”, nomeadamente no que toca à “promoção da natalidade, a liberdade da educação ou a proteção do património familiar”.
Defesa da pátria – o Chega considera que os portugueses estão “humilhados no seu território ancestral” por um regime político que viola o direito a proteger a “dignidade da sua identidade nacional”. O partido defende que houve no passado, uma “discriminação negativa” contra minorias, mas que agora foi substituída uma “discriminação positiva” contra a maioria. Segundo o Chega, existe legislação que beneficia um “seletivo de determinadas minorias, prejudicando objetivamente a maioria”, que terá de cessar vigência e estabelecer uma “neutralidade racial e étnica das leis”.
Política orçamental – o partido assume como regras económico-financeiras as seguintes questões: “começar a pagar a dívida pública”; equilíbrio orçamental – nunca deixar que as despesas ultrapassem as receitas, excepto em “circunstâncias excecionais”; reduzir o peso do Estado na economia – para o alcançar, o Chega propõe “reduzir os impostos [directos]” (IRS e IRC) e reduzir mais que proporcionalmente a despesa pública”; taxa única de IRS – taxa percentual única em todos os escalões, com níveis de rendimentos mais baixos isentos do pagamento de impostos; solução mais económica – para satisfazer as necessidades colectivas, o Chega propõe actuar sempre mediante a opção menos dispendiosa “sem preconceitos dessa solução estar no setor público, privado ou social”.
Justiça- é defendida uma reforma na Justiça que inclua o “princípio do poder dissuasor das leis”, ou seja, o agravamento das penas de forma a demover o infractor da práctica de ilícitos criminais. O agravamento das penas defendido pelo Chega traduz-se ainda para o aumento da moldura penal máxima, de 25 anos para a prisão prepétua. A pena de prisão máxima seria aplicável a “crimes violentos, homicídios, terrorismo e crime organizado, corrupção e crimes sexuais contra menores”. Outra mudança referida é o “princípio da simplificação e desburocratização das leis” com o objectivo de “gerar confiança dos cidadãos na justiça” e conferir “celeridade no seu funcionamento”. As restantes propostas incluem a “prisão preventiva” como medida de coacção aplicada a “suspeitos de crimes de colarinho branco e criminalidade económico-financeira organizada” ou a impossibilidade “arguido indiciado por abuso sexual de menores e reincidente possa aguardar julgamento em liberdade”.
Serviços públicos – como foi referido no âmbito da política orçamental proposta pelo Chega, o partido sugere uma mera análise de “benfício-custo” no que toca a serviços públicos de educação ou saúde, de onde se escolheria a opção mais económica. Para tal é defendido uma reforma profunda no Serviço Nacional de Saúde, que afirmam estar em ruptura. As mudanças passariam por estabelecer uma “generalização do modelo da ADSE”, bem como recorrer a mais contratualizações entre a Administração Pública e os privados e a mais parcerias público-privadas.
Demografia – além dos apoios à família e da natalidade, o Chega tem como grande preocupação aquilo que apelida de “substituição demográfica” e um “chamariz à imigração massiva”, imposta pelos “socialistas” e por aqueles que considera serem os “aliados de extrema-esquerda” e a sua “agenda multiculturalista e globalista”. Assim, rejeita as “fronteiras escancaradas” que hoje o partido diz que temos, bem como a falta de “integração dos imigrantes”. Diz ainda que a queda da natalidade não pode ser respondida por uma substituição demográfica de “não-portugueses”. A solução, para o partido recém-formado, passa por “políticas que impeçam o fluxo migratório inverso”, ou seja, impedir a saída de portugueses do seu país. No que toca à imigração é defendida uma política “criteriosa, assente nas qualificações, nas reais necessidades do mercado de trabalho e na mais-valia que os imigrantes poderão trazer ao país”.
Educação – o Chega quer “libertar os jovens” daquilo que apelida ser a “miséria esquerdista”. Para tal, a Juventude Chega quer a “despolitização dos conteúdos escolares”, nomeadamente referindo-se ao “multiculturalismo” e a chamada “ideologia de género”. Remete, assim, o papel da educação escolar para a cultivação de valores relativos “herança intelectual da secular cultura portuguesa e milenar europeia, da afinidade a tradições e ao património natural e edificado do nosso país”, bem como do respeito pelos “símbolos e monumentos históricos nacionais”.
Todos os 14 pontos apresentados no programa eleitoral do Chega para as eleições legislativas de 2022 começam com as palavras “contra os socialismos”. É assim que assume frontalmente o PS e os partidos à sua esquerda como os inimigos a combater na disputa eleitoral. Durante todo o programa também é possível encontrar referências a uma “direita de direita”, crítica dirigida aos partidos à direita do PS, a quem já apelidou de “travestis de direita”.
O Chega apresenta-se às eleições com um conhecido lema ressuscitado do regime de Oliveira Salazar: “Deus, Pátria e Família”. A estas palavras acrescenta a variante do “Trabalho”, como forma de sintetizar os valores do partido. Esta escolha do “lema da educação” do Estado Novo apresentada no IV Congresso do partido não reflecte, segundo Ventura, uma aproximação do Chega à ideologia do regime salazarista.
Ventura explicou o lema aos congressistas presentes em Viseu: “Deus” porque “não tem medo de falar de Deus” e porque acredita que “não se deve esconder” aquilo em que acreditamos, e defende que, durante 46 anos, as referências a Deus ficaram fora da política por “medos de fantasmas do passado”; “Pátria” porque afirma que os portugueses são “o fruto da espada de D. Afonso Henriques” que “libertou Portugal dos islâmicos que hoje tanta ameaça causam à Europa e à União Europeia”; “Família” por ser a “célula básica da sociedade”; “Trabalho” porque afirma que não quer “continuar a dar a quem nunca fez nada tudo e a quem trabalha tirar tudo e não dar o mínimo de dignidade”.
Questionado ainda pela adopção do termo salazarista, Ventura retorquiu ao dizer que são os seus adversários que censuram e “têm o 'lápis azul' ou querem fazer qualquer revisionismo histórico sobre os dias de hoje”.
Balanço das Presidenciais
André Ventura candidatou-se a Presidente da República nas eleições do início de 2021 com o apoio do Chega. Afirmou ter como objectivo “ficar à frente da esquerda” nestas acto eleitoral, que incluía Ana Gomes, militante do PS mas sem apoio formal dos socialistas. Diz que se tal meta não foss alcançada, iria demitir-se da liderança do partido. Foi por aproximadamente 1 ponto percentual, ou 45 mil votos que Ventura não obteve esse feito e demitiu-se, apesar de se candidatar novamente à direcção do partido uns meses depois (e ganhar).
No entanto o resultado foi tomado como uma vitória pelo enorme aumento de votos do candidato apoiado pelo Chega relativamente aos resultados do partido nas eleições legislativas (de 67 mil votos a mais de 540 mil).
Balanço das Autárquicas
O Chega estreou-se em eleições autárquicas em 2021 e conquistou 4,16% do total de votos, cerca de 208 mil votos. Elegeram um total de 19 mandatos, mas ficaram aquém do objectivo de se tornar a terceira força política no paradigma autárquico a nível nacional e ultrapassar a CDU. A maioria dos vereadores foram eleitos nos arredores de Lisboa e em Santarém.
André Ventura candidatou-se à assembleia municipal de Moura e ficou em terceiro lugar, com 14,35% dos votos, longe do resultado alcançado nas eleições presidenciais no mesmo concelho (30,85%). Na capital, a reconhecível cara de Nuno Graciano, candidato à câmara municipal, não garantiu ao Chega nenhum vereador. As passadas eleições foram consideradas, pelo próprio partido, como aquém dos objectivos propostos.
Chumbo do OE 2022
André Ventura afirmou, em declarações feitas em Belém após uma audição ao deputado por parte do Presidente da República antes do chumbo do OE 2022, que este era o “pior orçamento desde que o executivo socialista entrou em funções”. Foi ainda mais longe ao dizer que compreendia o voto contra do BE e PCP relativamente ao orçamento que considerou como “catastrófico”, caso se viesse a confirmar. O único ponto elogiado por Ventura na proposta do governo seria "o desagravamento fiscal em sede de IRS que é verificado nalguns dos rendimentos".
O Chega votou contra a proposta do OE 2022, e Ventura acusou António Costa de ser o “único responsável” pela crise política que se fazia antever com as ameaças de Marcelo em dissolver a AR em caso de chumbo. Relativamente à possibilidade de eleições antecipadas, o líder do Chega afirma estar confiante e que “socialismo nunca mais”.
Futuro do Partido
O Chega anseia o que novas eleições poderão trazer ao partido, nomeadamente no que toca a ampliar os seus representantes políticos. Foram traçados como objectivos elegerem de 15 a 25 deputados e tornar do Chega a terceira força política com maior representação parlamentar e, assim, “destronar o Bloco de Esquerda”. O líder do Chega diz que qualquer outro resultado seria uma derrota. Ventura diz ainda querer apelar a um eleitorado alvo, a notar “os abstencionistas e aqueles que durante muitos anos se afastaram da vida política nacional”, bem como os “órfãos do PSD e do CDS”.
Nas listas eleitorais, aparecem nomes como André Ventura (Lisboa), Diogo Pacheco de Amorim (Porto) - que havia substituído o deputado eleito do Chega durante a campanha das autárquicas -, Marta Trindade (Porto) – vice-presidente do partido e João Tilly (Viseu) - conhecido pelos vídeos que partilha nas redes sociais e acusado de difundir informações falsas. Houve um nome nas listas eleitorais que rapidamente saltou à vista, o de Paulo Ralha. Segundo a imprensa, o ex-presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos só se tornou militante do Chega no dia em que foi oficializado o seu nome como cabeça de lista por Coimbra. Trata-se de um ex-militante do PS e ex-candidato às legislativas de 2011 pelas listas do Bloco de Esquerda. Além do passado em famílias políticas opostas à do novo partido, Paulo defende ainda a legalização da morte medicamente assistida, que contrasta grandemente com a posição do Chega sobre o assunto.
As eleições vão ser para o jovem partido uma prova de força em tempos em que as famílias políticas que mais critica estão em desentendimento. No que toca a coligações com os restantes partidos de direita, o Chega tem se mostrado inflexível e diz querer combater “o sistema” do qual estas forças partidárias fazem parte. No entanto, o Chega já deu a mão ao PSD nos Açores e apoiou uma solução governativa do PSD. Entretanto o partido retirou o apoio ao PSD mas o seu único deputado eleito agiu em ordem contrária à direcção partidária e fez passar o orçamento regional proposto pelo PSD. Sozinho ou acompanhado o programa a que o Chega se apresenta às eleições de 30 de Janeiro é claro: “combater os socialismos”.
O autor escreve com o antigo acordo ortográfico.
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