“Confiança no Futuro” – é assim que o PS se apresenta para as eleições legislativas de Janeiro de 2022. O programa eleitoral está, até à data da redacção do artigo, ainda em construção. É desta forma que este texto se baseia nas últimas declarações de membros do PS (em pré-campanha) e no programa eleitoral das legislativas de 2019.
História do partido
O Partido Socialista nasceu em 1973 por via da decisão em Congresso da Acção Socialista Portuguesa (ASP). A organização clandestina formada em Genebra em 1961 por nomes como Mário Soares, Manuel Tito de Morais e Francisco Ramos da Costa teria uma intervenção à margem da lei do regime fascista de Salazar, com vários dos seus membros exilados no estrangeiro. A ASP serviu assim como uma espécie de prólogo relativamente àquilo que se viria a tornar num dos partidos mais influentes do pós-revolução.
A cidade alemã de Bad Munstereifel acolheria assim os congressistas chegados de vários núcleos portugueses e internacionais da ASP que aprovariam esta transformação estatutária de organização a partido. Entre os 27 presentes na sala, estariam nomes como António Arnault, Mário Soares e Maria Barroso.
Nas eleições para a Assembleia Constituinte, em 1975, o PS conquistou 37.87% dos votos e ficaria com 116 de um total de 250 mandatos, afirmando-se como o partido com a maior expressão eleitoral, 11 pontos percentuais acima do PPD e 25 acima do PCP.
Desde a entrada em vigor da Constituição em 1976, 4 dos 5 Presidentes da República em Portugal tiveram apoio directo ou indirecto do PS. E num universo de 22 governos constitucionais 10 são da responsabilidade do PS, sendo de que de 1983 a 1985 vigorou o que se apelida de “governo de Bloco Central”, que correspondeu a uma aliança política entre PS e PSD que em pouco tempo se ruiu.
Gerin… quê?
Na legislatura de 2015-2019 houve um acordo escrito realizado entre PS, BE, PCP e PEV com o objectivo de derrubar um governo sob a alçada do PSD e CDS. Para este efeito foi apresentada e aprovada uma moção de rejeição do programa do XX Governo Constitucional, que daria continuidade à coligação de direita à frente do Executivo anterior (em vigor nos anos de 2011-2015) encabeçada por Pedro Passos Coelho. O PS governou, assim, em exclusividade e com minoria na Assembleia da República, mas viu todos os Orçamentos de Estado aprovados, com negociações à sua esquerda no hemiciclo.
A partir de 2019, com novas eleições legislativas, o cenário manteve-se semelhante. O PS tem um governo minoritário, ou seja, não atinge pelo menos 116 de um total de 230 deputados na AR. Apesar de haver uma maior expressão eleitoral para os socialistas e de todos os partidos (à excepção do PAN e das 3 novas forças partidárias) reduzirem o número de deputados eleitos, o PS não atingiu a maioria parlamentar.
Os socialistas remetiam-se, assim, a governar “orçamento por orçamento”, ou seja, a viabilidade do executivo na presente legislatura dependia da aprovação de cada um dos 4 OEs. Estes documentos teriam de ser negociados individualmente e sem a garantia passada de um acordo escrito entre partidos no início da legislatura (que havia sido requisito pelo ex-PR, Cavaco Silva, aquando da nomeação de António Costa para o cargo de primeiro-ministro em 2015).
Bandeiras do Partido
Alterações climáticas – mitigar os efeitos nefastos da actividade humana relativamente às alterações climáticas, nomeadamente: numa aposta para uma transição energética que elimine ao máximo a utilização de recursos fósseis; numa mobilidade sustentável com mais transportes públicos e mais acessíveis, bem como a transformação do parque automóvel para veículos de motor eléctrico.
Eliminação das desigualdades – aqui o PS defende que as desigualdades se manifestam em diversas valências sociais, nomeadamente: entre géneros; na coesão territorial; nos rendimentos.
Futuro digital – é defendida que a inevitabilidade da modernização digital da sociedade já está sobre nós, para isso o PS propõe: educação para as competências digitais; modernização da actividade e função administrativa do Estado; “economia 4.0”, é o nome que o partido dá a um plano de modernização e digitalização do tecido económico, das empresas e dos seus recursos produtivos, bem como no que toca à criação de emprego especializado.
Política demográfica – no que toca a perspectivas acerca da população no seu todo, o PS propõe o aumento da natalidade e o combate ao envelhecimento, combate frente à precariedade na educação e habitação, promoção da imigração regulada e o acolhimento de migrantes em situação de refugiados.
Política orçamental – o PS defende um OE orientado pelas regras europeias relativamente ao défice e de acordo com as directivas e pareceres emanados de Bruxelas. Servem como lemas para o documento das contas do Estado: o crescimento económico; a descida da dívida pública externa; a descida do desemprego; a convergência com a União Europeia em termos de crescimento e défice.
Aplicação dos fundos europeus – o Plano de Recuperação e Resilência (PRR), informalmente apelidado de bazuca europeia, tem sido um dos maiores temas de propaganda eleitoral do PS. O partido foi, inclusive, fortemente criticado, aquando da campanha para as últimas eleições autárquicas, por utilizar o tema de forma populista e demagógica, segundo a oposição partidária. A propaganda socialista mereceu ainda um recado de repúdio por parte da Comissão Nacional de Eleições. De um modo geral, estas são algumas das propostas que os socialistas apresentam para o país no que toca à aplicação do PRR e a recuperação da economia do pós-pandemia:
- criação de um serviço nacional de habitação e aumentar a habitação social disponível;
- investimento na formação profissional;
- requalificação de património cultural e arquitetónico;
- digitalização da Administração Pública;
- consolidação do Serviço Nacional de Saúde (SNS);
- investimento na ferrovia e transportes públicos;
- transição digital no ensino;
- alcançar a neutralidade carbónica.
O PS configura-se como um dos partidos fundadores da do regime democrático português e teve uma grande influência na elaboração do texto constitucional, bem como algumas das suas revisões. Foi ainda com o contributo do PS, em particular de António Arnault, que foi criado o SNS como hoje o conhecemos.
O partido partilha com o PSD (coligado ou não com o CDS), desde a entrada em vigor da Constituição, a exclusividade na chefia de governos, bem como o facto de todos os chefes de Estado até à data serem apoiados por um destes partidos oficial ou oficiosamente.
À esquerda do PS, acusam o partido de “ter posto o socialismo na gaveta” e de governar o país à direita em conluio com o PSD; já a direita tem se afastado cada vez mais do ideário “social-democrata” do pós-25 de Abril e tem vindo a denunciar o “socialismo” do PS, com o renovado apoio de facções mais radicais no lado direito do espectro político e de movimentos neo-liberais.
Autárquicas 2021
O PS desceu em votos relativamente às eleições de 2017 e perdeu a capital para a coligação de Carlos Moedas do PSD. Apesar de ter sido o partido mais votado e com mais mandatos eleitos, a vitória na noite do dia 26 de Setembro soube a amargo aos socialistas. Isto porque além de perderem a maior câmara do país, também câmaras como o Funchal ou Coimbra passaram para as mãos do PSD. No entanto o PS conseguiu conquistar câmaras como Loures à CDU e Vila Real de Santo António ao PSD.
A campanha para as autárquicas de 2021 fica marcada pela forte presença de António Costa e o polémico uso do PRR para questões de propaganda eleitoral autárquica.
Presidenciais 2021
O PS, pela primeira vez, não concedeu nenhum apoio oficial numas eleições presidenciais. Muitos apontam o dedo às declarações de António Costa numa visita em conjunto com o Presidente da República à Autoeuropa em Maio de 2020. O primeiro-ministro sugeriu que no ano a seguir os dois fizessem a mesma visita “no primeiro ano do segundo mandato do Presidente”, o que deu a entender um apoio implícito a uma recandidatura de Marcelo (até aí desconhecida). O Presidente, com mais cautela, considerou, então, “prematuro” falar nessa questão.
As declarações de António Costa foram um autêntico elemento de discórdia no partido que se viu fraccionado. Os socialistas dividiram-se: uns apoiavam a candidata militante do PS, Ana Gomes, como foi o caso do ministro Pedro Nuno Santos ou Duarte Cordeiro; outros debruçavam-se de forma mais ou menos subtil sobre a candidatura Marcelo Rebelo de Sousa, como Fernando Medina ou o responsável pela pasta dos negócios estrangeiros, Augusto Santos Silva.
No meio de tanta desarmonia na hora do PS apoiar um futuro PR, houve quem ainda virasse à esquerda e apoiasse publicamente o candidato militante do PCP, João Ferreira, como os deputados Ascenso Simões e Isabel Moreira. No final, Marcelo acabou por ganhar à primeira volta com 60,70% dos votos, e contou com uma enorme diferença de quase 48 pontos percentuais relativamente a Ana Gomes, em segundo lugar.
Chumbo do OE 2022
Ao contrário de todos os outros, o Orçamento de Estado (OE) para o ano de 2022 foi rejeitado com os votos contra dos ex-parceiros parlamentares do PS, BE, PCP e PEV. Apesar da lei assim o permitir, o governo chefiado por António Costa não quis apresentar uma proposta de um novo documento. Opostos a esta decisão estiveram tanto BE, como PCP, que afirmavam que queriam uma nova proposta de OE e afastavam qualquer responsabilidade de uma crise política.
O PS optou, assim, pelo caminho que Marcelo já havia antecipado semanas antes do chumbo: caso não seja o OE aprovado, o parlamento seria dissolvido. A dissolução da AR foi decretada após o chumbo na votação na generalidade do OE para 2022 depois de um não-acordo à esquerda do PS nas negociações do documento.
A reprovação do OE na AR veio com críticas dos partidos à direita do PS, que, de um modo geral, apesar de nunca considerarem sequer negociar a proposta de orçamento, veem uma crise política nesta altura como escusada. As críticas soaram ainda dos agora ex-parceiros de esquerda, que dizem que os socialistas não apresentaram um novo OE por ambicionarem e acreditarem conseguir uma maioria parlamentar absoluta com novas eleições legislativas.
Futuro do Partido
O PS une agora todos os esforços para conseguir um bom resultado nas próximas eleições e, acima de tudo, conseguir ter pelo menos 116 deputados na AR, que lhe traria uma maioria absoluta no parlamento e uma maior estabilidade governativa. O objectivo de não depender de outros partidos para governar na noite das urnas é um feito que até agora foi conquistado apenas uma vez pelos socialistas. Tal acontecimento deu-se em 2005, de onde resultou a nomeação de José Sócrates para primeiro-ministro.
A meta da “metade mais um” no parlamento já definida por António Costa surgiu em resposta a notícias que sugeriam um possível futuro acordo entre António Costa e Rui Rio. A ideia do “bloco central” é afastada pelos dois líderes, mas é um cenário que tanto BE como PCP dizem poder estar próximo.
Nas listas do PS para as legislativas, metade dos cabeças de listas são membros do governo, como é o caso da ministra da Saúde, Marta Temido (por Coimbra), o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues (Viana do Castelo), a ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho (Guarda), o ministro das Infraestruturas e Habitação, Pedro Nuno Santos (Aveiro), ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública, Alexandra Leitão (Santarém) ministra da Coesão Social, Ana Abrunhosa (Castelo Branco), secretário de Estado Adjunto e da saúde, António Lacerda Sales (Leiria), secretário de Estado do Planeamento, Ricardo Pinheiro (Portalegre), e, por fim, o primeiro-ministro, António Costa (Lisboa).
É com a responsabilidade de remediar uma crise política, reerguer a economia do país do pós-pandemia e a aplicação dos fundos europeus previstos no PRR que o PS candidata a estas eleições. Na pré-campanha ouvem-se apelos à estabilidade, continuação do trabalho interrompido e a uma maioria parlamentar socialista.
O autor escreve com o antigo acordo ortográfico.
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