PARTIDO SOCIAL DEMOCRATA: “CONTRA VENTOS E MARÉS”
O Partido Social Democrata (PSD) ocupa uma posição preponderante naquela que é a cena política nacional e no nosso sistema partidário. É a par com o Partido Socialista (PS) um dos maiores partidos nacionais e um dos dois únicos partidos com vocação maioritária em Portugal. Uma das grandes questões do próximo dia 30 de janeiro passa por perceber como se sairá o PSD depois de sucessivas derrotas eleitorais desde as autárquicas de 2017.
Será que a vitória em Lisboa nas últimas eleições autárquicas servirá de mote para uma vitória nas legislativas? O que se perspetiva para o futuro de um dos grandes partidos fundadores da nossa democracia?
Do PPD de Sá Carneiro ao PSD de Rui Rio
O Partido Popular Democrático (PPD) – designação que se manteve até 1976 – nasceu com a leitura de um comunicado à imprensa na RTP em maio de 1974, sendo que a leitura deste comunicado foi feita por aqueles que são reconhecidos como os três grandes rostos da fundação do partido: Francisco Sá Carneiro, Francisco Pinto Balsemão e Joaquim Magalhães Mota. Os “três mosqueteiros", como os apelidou Marcelo Rebelo de Sousa.
Sá Carneiro sempre teve a intenção de designar o partido como Partido Social Democrata, no entanto, a existência de um Partido Cristão Social Democrata impedia que este objetivo do fundador fosse concretizado.
Francisco Sá Carneiro é amplamente considerado como o grande rosto do PSD e até hoje o líder que é mais recordado pelos militantes sociais-democratas, pela direita e também pelos portugueses em geral que no dia 4 de dezembro de 1980 se depararam com a morte trágica deste que era um primeiro-ministro extremamente popular.
Foi o primeiro homem capaz de federar as direitas portuguesas (Aliança Democrática) numa época em que a memória de uma ditadura de direita ainda se encontrava bem presente no país.
É precisamente como uma forma de rutura com o Estado Novo que surgem as designações dos partidos portugueses mais à direita, estando aqui presente um caso de sinistrismo (expressão de origem italiana que se usa quando as denominações políticas estão enviesadas à esquerda). Sendo por isso difícil classificar o PSD ideologicamente, pois apesar de ser um partido de centro-direita, a designação social democrata não sugere isso. Outros partidos da família da social-democracia europeia (caso do Partido Social Democrata Alemão – SPD) estão claramente à esquerda do PSD, encontrando-se bastante mais próximos do PS.
Foi a radicalização política da época que obrigou a este sinistrismo nas designações partidárias, onde o PSD se afirmava Social Democrata, – segundo Sá Carneiro o partido era o “intérprete credenciado de uma social-democracia à portuguesa” – e onde o CDS se afirmava como centrista e nunca como um partido de direita.
O PSD foi desde logo formado por figuras conotadas com a direita, por isso o partido sentiu a necessidade de demonstrar o seu antifascismo, demarcando-se de forma clara da ditadura do Estado Novo, mas ao mesmo tempo diferenciando-se daqueles que eram os grandes partidos já estabelecidos à época: o Partido Comunista Português (fundado em 1921) e o Partido Socialista (fundado em 1973).
Esta tentativa de se diferenciar dos outros partidos e o comprometimento com a democracia e a liberdade fez-se notar logo na cor e no símbolo do PPD. O laranja, demarcando-se do vermelho do PCP e do PS, e no símbolo onde vemos três setas sobrepostas que procuram replicar o emblema utilizado pelos sociais-democratas alemães na luta contra o nazismo. As três setas sugerem a luta pelos valores tradicionais da social-democracia: liberdade, igualdade (enquanto justiça social) e solidariedade.
Se inicialmente o PPD procurou mesmo integrar-se na família socialista, social democrata e trabalhista, tentando aderir à Internacional Socialista (sem sucesso), rapidamente se estabeleceu na direita política, primeiro juntando-se aos liberais europeus e depois, já com Marcelo Rebelo de Sousa na liderança do partido, abandonou os liberais para se sentar na família da democracia-cristã, no Partido Popular Europeu (PPE).
Se Sá Carneiro foi o líder mais popular e emblemático do partido, Cavaco Silva foi o líder que obteve, indiscutivelmente, o maior sucesso eleitoral. Cavaco governou durante 10 anos, vencendo 3 eleições, duas delas com maioria absoluta, feito que só voltou a ser repetido em 2005, desta vez pelo PS de José Sócrates.
O Cavaquismo beneficiou de um grande período de crescimento económico, com taxas de crescimento entre os 5 e os 8% entre 1986 e 1990, facto que foi certamente impulsionado pela adesão à CEE.
Ao longo da sua governação, Cavaco foi severamente criticado pela oposição por uma certa invasão laranja do Estado, onde cerca de 66% dos gestores do setor de transportes e comunicações do Estado, em 1990, eram militantes do PSD. É neste período de grande desgaste do partido, fruto de uma década de governação, que surge a célebre frase de António Guterres “no jobs for the boys”, lançada a Fernando Nogueira, líder do PSD que sucedeu a Cavaco Silva, num debate referente às legislativas de 1995.
No pós-cavaquismo o PSD sentiu enormes dificuldades, não conseguindo encontrar um líder com o carisma e apoio popular de Cavaco Silva, regressando ao poder apenas em 2002, depois de 7 anos de governação socialista. Sendo que o governo de António Guterres caí após uma vitória inesperada do PSD nas eleições autárquicas, roubando ao PS as autarquias de Lisboa e do Porto, tendo sido eleito Pedro Santana Lopes para a Câmara Municipal de Lisboa e Rui Rio para a Câmara Municipal do Porto, duas figuras que curiosamente se viriam a encontrar numa disputa eleitoral interna anos mais tarde.
Com a vitória nas legislativas de 2002, o líder do PSD, José Manuel Durão Barroso é convidado a formar governo, sendo que desta vez o PSD governará coligado com o CDS-PP, algo que já não acontecia desde a Aliança Democrática dos anos 80.
Durão Barroso governou durante um período bastante curto, tendo abandonado o cargo de primeiro-ministro para assumir a presidência da Comissão Europeia em 2004. Sendo substituído na liderança do governo por Pedro Santana Lopes.
Santana Lopes governa apenas durante 8 meses (de julho de 2004 a março de 2005), um governo que ficou marcado por grande instabilidade, com diversas remodelações ministeriais e demissões na Administração Pública, levando o então Presidente da República, Jorge Sampaio, a dissolver o Parlamento, o que resulta na demissão de Santana Lopes.
Nas eleições legislativas de 2005 o PSD é derrotado, resultando na primeira e única maioria absoluta do Partido Socialista, então liderado por José Sócrates, ficando assim, mais seis anos afastado do poder.
O PSD regressa ao poder em 2011 com Pedro Passos Coelho que venceu as eleições legislativas após um enorme desgaste do governo de José Sócrates, com o pedido de ajuda externa de maio de 2011.
Passos Coelho foi o primeiro líder do partido a conseguir cumprir o sonho de Sá Carneiro: uma maioria na Assembleia da República (embora que em coligação com o CDS-PP), um governo (liderado por Passos Coelho) e um Presidente da República (Aníbal Cavaco Silva).
O Memorando de Entendimento já previa um alargado programa de privatizações, a desregulação do mercado de trabalho, o congelamento de salários, a recapitalização da banca, etc. No entanto, na apresentação do seu programa, o líder do PSD afirmava que pretendia ir “muito além do memorando”, tencionando parar com obras como a linha de TGV Lisboa-Madrid e alargar o conjunto de empresas a privatizar, caso da RTP, por exemplo.
O conjunto destas medidas, juntamente com o aumento do desemprego e da dívida pública, levou a uma forte contestação social ao governo PSD/CDS-PP.
Estes partidos, após 4 anos de governação, apostam numa coligação, cujo nome era “Portugal à Frente”. Coligação essa que venceu as eleições legislativas de 2015, embora não conseguindo alcançar uma maioria parlamentar.
PSD e CDS-PP ainda foram convidados a formar governo, mas não conseguiram sobreviver ao primeiro grande teste – a aprovação do programa do governo. Foi a primeira vez que um governo caiu através de uma moção de rejeição ao programa de governo na história da democracia portuguesa.
Após várias semanas de negociações, PS, PCP, PEV e BE assinaram acordos bilaterais que abriram caminho a uma solução de governo inédita na história do país. Abriam-se as portas do arco da governação aos partidos à esquerda do PS. Começando assim a “geringonça” tal como foi batizada por Vasco Pulido Valente.
O dia 10 de novembro de 2015 marcou para sempre a história da democracia portuguesa e particularmente a história do PSD e da direita no nosso país. O sistema político-partidário português nunca mais voltou a ser o mesmo.
Passos Coelho mantém-se na liderança do PSD até às eleições autárquicas de 2017, não resistindo àqueles que foram os piores resultados de sempre do partido.
Rui Rio foi o líder que se seguiu, vencendo Pedro Santana Lopes nas eleições internas do partido em 2018, tornando-se no 18º presidente do Partido Social Democrata.
Um Rio que (quase) ninguém consegue parar
Quando foi eleito em 2018, Rui Rio representava um certo distanciamento de Passos Coelho e daqueles que foram mais próximos do ex-primeiro-ministro dentro do partido e na governação do país. Rui Rio detinha uma enorme notoriedade no país após 12 anos à frente da Câmara do Porto. Visto como um político sério e competente, Rio tinha tudo para marcar um novo ciclo político.
A história do PSD vem-nos demonstrando que o partido é claramente dependente de um líder carismático e mobilizador, que comprove aos seus militantes capacidade de vencer eleições, voltando a colocar o partido na liderança de um governo.
Rui Rio, talvez por falta de apoio interno de algumas figuras do partido, talvez por sucesso da solução governativa encontrada pelo PS e pela esquerda (sendo visivelmente abalada apenas com o chumbo do Orçamento do Estado para 2022) ou talvez por não se enquadrar na forma de fazer política dos nossos tempos, onde a exposição mediática é extremamente intensa, não tem conseguido sobressair enquanto líder da oposição.
O PSD de Rio perdeu as eleições europeias de 2019, com Paulo Rangel enquanto cabeça de lista, perdeu as legislativas de 2019, surgindo à direita dois novos partidos que vêm tornar o xadrez parlamentar e as possibilidades de formação de governo uma tarefa mais complexa, e ainda perdeu as eleições autárquicas de 2021, apesar de ter ganho mais Câmaras do que em 2017 e de ter vencido a Câmara de Lisboa de forma surpreendente, parecendo assim iniciar uma ideia de fim de ciclo do PS que se poderia alastrar a todo o país.
Apesar deste impulso da vitória em Lisboa, a liderança de Rio foi mais uma vez desafiada, desta vez pelo seu ex-apoiante e cabeça de lista às europeias de 2019, Paulo Rangel.
Rangel surgiu com imensos apoios de figuras reconhecidas do PSD, incluindo vários deputados, presidentes de Câmara (incluindo Carlos Moedas, a escolha de Rio que acabou por vencer a Câmara de Lisboa), ex-membros do governo e líderes de distritais. No entanto, Rui Rio acabou por vencer as eleições internas, depois de ter montado uma estrutura de campanha moderna, capaz de contactar diretamente os militantes do partido, em contraste com uma campanha pouco carismática de Paulo Rangel.
Se há uma palavra que pode definir a liderança de Rio, provavelmente será – Resiliência. Rui Rio tem sobrevivido à “máquina de triturar líderes” que é o PSD, especialmente de líderes que não conseguem atingir o sucesso eleitoral, demonstrando assim essa resiliência, mesmo, contra tudo e contra todos ou - “Contra ventos e marés” - slogan do PSD nas legislativas de 2005.
Rui Rio venceu Pedro Santana Lopes, Luís Montenegro, Miguel Pinto Luz e mais recentemente Paulo Rangel, venceu os encontros de Rangel com Marcelo Rebelo de Sousa, venceu os comentários de Cavaco Silva e os almoços com Carlos Moedas, mas será que no próximo dia 30 de janeiro conseguirá vencer António Costa?
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