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Foto do escritorJosé Miguel Barbosa

Eleições Legislativas: Chega

Raízes


O Chega é um partido político cuja existência foi formalizada em Abril de 2019 pelo Tribunal Constitucional. André Ventura, actual e único presidente do Chega, nessa altura, já possuía reconhecimento público, pelo que marcava presença assídua no espaço de debates futebolísticos da CMTV como benfiquista assumido e apoiante do então presidente das águias, Luís Filipe Vieira. A criação do partido deve-se, essencialmente, à autonomização de facções internas do PSD que estariam em colisão com Rui Rio, à altura, líder do partido. A cronologia remete-nos, por isso, para as eleições autárquicas de 2017, nas quais Ventura encabeçou as listas candidatas do PSD ao município de Loures. A sua entrada no púlpito mediático deu-se durante a campanha eleitoral, assumindo publicamente um discurso discriminatório contra a comunidade cigana, defendendo serem alvo de um tratamento de impunidade e de especial favorecimento no que toca a prestações sociais, como a habitação. Estas suas posições polémicas fizeram correr muita tinta nas redacções da comunicação social e, por sua vez, causaram disputa na orgânica interna social-democrata, o que levou Ventura a sair do PSD em 2018.


No contexto internacional, o partido integra, desde 2020, o grupo político-parlamentar “Identidade & Democracia”. Deste fazem parte partidos da extrema-direita europeia e com uma clara tendência euro-céptica, dos quais é possível destacar a AfD (“Alternativa para a Alemanha”), Rassemblement National (“Reagrupamento Nacional” de França).

Ideologia


O Chega assume-se como um partido anti-sistema, que ataca ferozmente os partidos do arco da governação – PS e PSD – que diz serem responsáveis, em conjunto, pelo estado de “corrupção e podridão” do país e pela “ditadura das elites” dos últimos 50 anos. É estabelecido o objectivo de fundar a “IV República”, alicerçada numa Constituição ideologicamente “neutra”.


Apesar de, no início da sua actividade partidária, haver excluído quaisquer acordos com aquilo que apelida de “partidos do sistema” (PS e PSD), que diz serem iguais, o líder do partido redireccionou a sua estratégia política contra a maioria absoluta do PS na presente campanha eleitoral. Defende, agora, um acordo de governação com a AD, dizendo que só haverá governo em Portugal com o Chega. Será, todavia, de sublinhar a recente acusação dirigida ao PSD de aquilo que diz ser “prostituição política”. A adjectivação é relativa à posição do PSD Açores ao equacionar uma solução governativa ao centro, com o PS (entretanto recusada por estes últimos), após os sociais-democratas açorianos haverem conquistado maioria relativa nas eleições regionais do passado dia 4 de Fevereiro. Porém, o Chega já havia feito uma aliança de governação regional nos Açores na anterior legislatura entre o seu único deputado eleito, um deputado da IL e a coligação partidária da qual o PSD faz parte, a par do CDS-PP e o PPM.


O Chega afirma ser um partido liberal, já que pugna por uma diminuta intervenção do Estado em matéria económica, factor que é apresentado como uma forma de evitar fenómenos de corrupção. É ainda priorizado, por um lado, a reducção de tributação, já que associa a actual carga fiscal a “terrorismo de Estado”, e por outro, a diminuição gastos públicos – afastando-se o partido em grande escala deste último objectivo nas suas mais recentes propostas eleitorais.


O Chega apresenta-se, ainda, como conservador, pela defesa que faz ao papel da família tradicional na sociedade (atente-se à pretensão de substituir a Comissão para a Igualdade de Género pela Secretaria de Estado da Família) e o combate ao que chama de “marxismo cultural” e as “aberrações da ideologia de género”. Nestes dois últimos conceitos abarca o “aborto a pedido” (sic), a cirurgia de mudança de características sexuais no SNS e apoios sociais dirigidos a pessoas em situações de vulnerabilidade entre a comunidade LGBT+.


No que concerne à Justiça, as propostas a que o partido atribui mais relevância relacionam-se com a persecução penal do Estado, concretamente contra crimes de natureza sexual (em especial, contra menores), violência doméstica e criminalidade económico-financeira. As soluções passam pela mudança das consequências jurídicas dos crimes como: a previsão da prisão perpétua no texto constitucional; o aumento das penas de prisão; ou a “castração química” como pena acessória nos crimes sexuais. Este vincado punitivismo criminal que orienta as ideias de Justiça do partido é, em grande medida, incongruente com a tese de Doutoramento de André Ventura, na qual defendia, em 2013, reformas ao modelo de justiça penal adaptando-o à sociedade globalizada. Entre outras afirmações, Ventura mostrava preocupação com o fenómeno do “populismo penal”, concretizado no debate público acerca da “expansão dos poderes policiais”, “estigmatização de minorias” e o “discurso do medo”. Em resposta, o jurista já afirmou não haver contradicção, já que distingue aquilo que diz ser “matéria científica” e “matéria opinativa”.


Eleições 2024


O Chega defendeu a dissolução da AR desde o primeiro momento em que foi publicitado, no famoso parágrafo da PGR, o envolvimento do nome de António Costa num processo-crime, exaltando a ideia da corrupção generalizada em Portugal. Ao contrário do que aconteceu nas anteriores eleições legislativas de 2021, o partido apresenta-se, em 2024, com um extenso programa eleitoral, passando de 9 para mais de 150 páginas de propostas. Neste último documento é ainda possível observar algumas das propostas do Chega chumbadas na AR, caracterizadora de uma enorme tendência da actividade parlamentar do jovem partido. Ora o Chega, durante a corrente legislatura, foi a bancada que mais projectos legislativos apresentou, totalizando os 195. Destes, apenas um único diploma mereceu aprovação da Assembleia da República – o que vem materializar a ideia do Chega como uma força política de indignação, mas de pouco consenso.


Propostas


No que concerne aos rendimentos, o Chega defende um Salário Mínimo Nacional de 1000 euros, até 2026 – prevendo subsídios para empresas cuja aplicação desta medida resultará num acréscimo de, pelo menos, 30% dos custos de operação. É proposta, no abstracto, a revisão da tabela salarial de alguns sectores da função pública, principalmente dos órgãos policiais, guardas prisionais e profissionais de saúde. Já no que concerne aos professores, o partido pretende devolver a integralidade do tempo de serviço congelado. Apesar de tudo, o partido propõe “flexibilizar” a legislação laboral a favor dos empregadores, não esclarecendo, contudo, que regras do Código do Trabalho atentatórias da actividade empresarial pretende revogar ou se atentarão igualmente contra a segurança e estabilidade dos trabalhadores – princípio constitucional que diz querer preservar.


Na fiscalidade destacam-se alívios no IRS, principalmente para os contribuintes que auferem salários mais elevados, passando a haver apenas duas taxas do imposto – de 15% e 30%, das quais os rendimentos até 1000 euros estariam isentos. No que toca aos jovens, sublinha-se a isenção de IRS e contribuições para a Segurança Social até aos 35 anos ou até serem perfeitos os 100.000 euros de rendimento cumulado. Em matéria de IRC, é defendida a descida das derramas e a taxa nominal para 15% nas Regiões Autónomas ou no Interior, e 18% no restante território. Já quanto ao IVA, é pretendida a descida para os 6% na electricidade e gás, 13% nos combustíveis e o regresso da sua isenção no cabaz de productos essenciais, bem como a isenção em gastos de construção com habitação própria permanente. É pretendido, ainda no que toca a este tipo de imóvel, a abolição do IMI, IMT e do imposto de selo, desde que o valor da casa se situe abaixo dos 250.000 euros. Em relação às portagens, o líder do Chega vem agora defender o seu fim absoluto, apesar do programa apenas fazer menção àquelas cobradas no interior do país. 


Na segurança social, é defendida a aposta na fiscalização àquilo que o Chega apelida de “subsídio-dependência”, isto é, o combate à alegada atribuição indevida de prestações sociais. Relativamente aos advogados e solicitadores, é defendido o direito de opção entre a CPAS e a Segurança Social (apesar disto, o Chega nada diz acerca do acesso ao estatuto de trabalhador por conta de outrem a estes profissionais). Nas pensões de velhice, é pretendida a subida do seu valor tendo como referência mínima o valor do SMN.


Em matéria económica, destacam-se a pretensão de captar investimento estrangeiro, benefícios fiscais a empresas que contribuam para o saldo positivo entre exportações e importações e o investimento em infra-estructuras de transporte como: a construcção célere da linha férrea de alta velocidade; o novo aeroporto de Lisboa; a recuperação de linhas férreas encerradas; a electrificação completa da ferrovia nacional. É ainda inscrito programaticamente a necessidade de privatizar empresas públicas, como a TAP.


No domínio da habitação, o Chega debruça-se no sector privado, quer para financiar os negócios bancários com receita pública, quer para deste depender na oferta de habitação acessível. Assim, o partido quer que o Estado aja como garantia patrimonial, enquanto fiador, dos jovens na contractação do primeiro crédito à habitação – no entanto, em entrevista à SIC, Ventura confessa não saber o impacto orçamental de tal medida, justificando-se com a imprevisibilidade dos factores associados como a adesão ou a taxa de incumprimento. O partido defende também que seja o Estado a pagar parte das taxas de juro do crédito à habitação com um regime de crédito bonificado de jovens até 35 anos. Para o Chega, é essencial estimular a construcção, sendo propostas: isenções fiscais para projectos built to rent; concessões de 90 anos de terrenos públicos e o recurso a PPP’s na construção de habitação acessível; simplificação do licenciamento de construção (apesar do “Simplex” já em vigor desde o início do ano civil). É também exigida a revogação total do “Programa Mais Habitação” do executivo do PS, em especial a reversão das limitações ao Alojamento Local, o regresso dos “Vistos Gold” e a eliminação da possibilidade do arrendamento coercivo de imóveis devolutos.


Na Saúde, o Chega considera que é preciso restructurar o SNS devido àquilo que defende ser uma “grave crise” que enfrenta. Propõe, para tal, um aumento expressivo da intervenção do sector privado, nomeadamente na referenciação de utentes para serviços privados nas áreas cuja resposta é mais deficitária, o aumento do investimento na ADSE, bem como o recurso a PPP’s. Esta privatização da Saúde tem vindo a ser criticada por partidos à esquerda no hemiciclo, em especial pela particular proximidade do Grupo Mello com o Chega, expressa no histórico de avultadas doações feitas ao partido – ao que André Ventura responde dizendo não discriminar entre pobres e ricos no apoio ao Chega. É ainda apoiada a construção de 3 novos centros hospitalares, cuja natureza da gestão o programa não esclarece. No âmbito legislativo, além da ruptura com a actual Lei de Bases da Saúde, o partido quer ver revertida a legalização da morte medicamente assistida.


Na Educação, o Chega pretende renomear o ministério, passando para “Ensino” a designação da área de tutela. A acção simbólica inscreve-se na necessidade que o partido diz existir de separar a realidade familiar da do estabelecimento de ensino na formação das crianças. Em particular, pelo afastamento das escolas do que o Chega designa como “ideologia de género” e “marxismo cultural”, afirmando estarem presentes nos conteúdos programáticos de Cidadania e Desenvolvimento e nas aulas de educação sexual. É defendido, no âmbito da escolaridade obrigatória, ainda: o regresso dos exames obrigatórios de conclusão de ciclos; a reducção da carga horária lectiva; a gratuitidade dos manuais escolares e a acção social para quem frequente o ensino privado; a recepção positiva da aprendizagem a partir do domicílio. No que toca às Instituições de Ensino Superior é denunciado o seu subfinanciamento, mas sem concretização das medidas a tomar ou sequer referir qualquer posição assumida face ao actual RJIES. O partido quer ainda despolitizar as faculdades, por defender que há infiltração partidária à esquerda do espectro político na sua gestão.


Em 2024, na área da Justiça penal, o Chega aprofunda a tendência do endurecimento da sua tutela, em especial na área da corrupção. As propostas que melhor o traduzem são: o da criação do crime de enriquecimento ilícito (sendo que já houve lugar a duas decisões¹ no sentido da declaração da inconstitucionalidade deste tipo de incriminação pelo Tribunal Constitucional); a institucionalização da delação premiada em criminalidade económico-financeira; e, ainda, o confisco de bens enquanto medida de coacção como solução político-criminal, que poderá configurar um desvirtuamento da função das próprias medidas de coacção no processo penal português, em especial atendendo à longa duracção de processos com especial complexidade.


Já no que toca ao funcionamento judicial, o partido defende uma série de compressão de direitos e garantias processuais, nomeadamente: o escrutínio periódico aos juízes e procuradores do MP em função da substância da sua actuação processual – uma espécie de suspeição permanente dos magistrados que choca com o seu actual estatuto de independência em vigor; a diminuição da possibilidade de recursos no processo penal; a reformação da instrucção em processo penal, limitando o seu acesso.


Na área da segurança, o Chega defende existir uma degradação na sociedade portuguesa – pese embora o INE revele uma estabilidade da taxa de criminalidade nos últimos anos. Como prioridades, traça a valorização das carreiras policiais, sem avançar valores concretos, a universalização do uso de “body cams” e, ainda, a criação do crime de incitamento ao ódio às forças de segurança.


No que toca à imigração, o partido avança com propostas no sentido de restringir a entrada de estrangeiros com a revogação do acordo de mobilidade CPLP e o estreitamento de requisitos para a obtenção da nacionalidade. Quer ainda fazer depender a entrada de migrantes da sua aptidão profissional e conforme as necessidades no mercado de trabalho interno e criminalizar a residência ilegal, pretendendo generalizar a sanção acessória de repatriamento aos estrangeiros que pratiquem ofensas criminais. Já quanto às tendências relativas à origem da migração, o Chega assume a necessidade de combater o que apelida de “fundamentalismo islâmico” em Portugal – sendo constantes as críticas derrogatórias às simples demonstrações públicas de actos religiosos muçulmanos nas redes sociais do líder partidário.


Quanto ao panorama internacional, o Chega, apesar da sua inserção num grupo de tendências eurocépticas e repudiar a ideia de um federalismo europeu ou sequer de representação diplomática comum, defende a continuidade na UE, com revisão da PAC. Pretende ainda um reforço da presença portuguesa da NATO com a conclusão da meta assumida pelo Estado português de 2% da despesa pública em defesa, superando os actuais 1,48%.


No que envolve o sistema político, o Chega propõe mudanças, desde logo, no sistema eleitoral com a revogação do método de Hondt pelo que diz ser a sua desproporcionalidade e a criação de um círculo de compensação, à semelhança do que acontece nos Açores. Pretende ainda uma mudança à Lei Eleitoral para a Assembleia da República, de forma a diminuir o número de assentos parlamentares de 180 a 230 para 100 a 180.


11,4 mil milhões de euros


É este o valor apontado pelo Expresso relativo ao custo orçamental extraordinário das propostas do Chega para as eleições legislativas de 2024. Trata-se de cerca de 4,4% do PIB Português, ou quase o triplo do excedente orçamental de 2023. Em resposta, André Ventura diz poder socorrer-se do combate à corrupção (que estima custar 20 mil milhões de euros anuais a Portugal) e à economia paralela, isto é, o tráfego comercial que se furta ao sector tributário do Estado (que afirma rondar os 86 mil milhões de euros). À parte dos valores sonantes, existe um silêncio ensurdecedor face à efectivação objectiva desta receita, que muitos adversários teimam em apelidar de irresponsabilidade eleitoral.


¹Ac. TC 179/2012 e Ac. TC 377/2015.


O autor escreve segundo o anterior acordo ortográfico.


José Miguel Barbosa

Departamento Sociedade

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