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  • Foto do escritorHugo Almeida

Eleições Legislativas: PAN

A eleição, nas legislativas de 4 de outubro de 2015 (curiosamente, o Dia Mundial dos Animais), com 1,39% dos votos, do primeiro Deputado (André Silva), pelo Pessoas-Animais-Natureza, marcou uma inovação que já não acontecia no sistema partidário português desde 1999: a entrada de um novo partido no Assembleia da República (algo que, quatro anos depois, aconteceria com três novos partidos).


A introdução de um “partido de causas” na mais alta assembleia representativa nacional, fora do contexto de uma coligação ou acordo partidário, foi um passo simbólico na viragem de um paradigma relativamente “estável”, que vigorava desde os anos 80 (que teve como principais exceções o surgimento do PRD entre 1985 e 90, e do BE nas eleições de 1999), para um de pluripartidarismo e soluções governativas que dependem da coordenação de vários partidos.


Foi também o culminar e transposição para o plano político formal de um movimento de raiz, na sociedade civil, de associações ambientais e zoófilas, espelhando uma tendência que se podia observar por toda a Europa de surgimento de partidos “animalistas”.


Com já oito anos feitos de vida parlamentar, cabe-nos questionar o que define o PAN, como a sua evolução moldou as suas tenentes essenciais, mas também como se soube adaptar – e quando não soube – nos relativos “altos” e nos mais recentes “baixos”, que a sua existência democrática comportaram.

 

Mas afinal, que animal político é o PAN?

 

O PAN autointitula-se “o único partido animalista, não especista, ambientalista e ecocêntrico”. O significado de cada um destes adjetivos não é imediatamente claro. Contudo, creio que densificar o conteúdo ideológico e programático ínsito nestes soundbites é um ponto de partida para triangular as coordenadas políticas de um partido cujo posicionamento nas tradicionais linhas esquerda-direita é frequentemente penujoso.   

 

Por especismo, termo cunhado por Richard D. Ryder [1] num panfleto epónimo de protesto contra a experimentação animal,  entende-se a discriminação das espécies não humanas, sobretudo animais, seja através da sua instrumentalização (na pecuária intensiva, vivissecção, jardins zoológicos, touradas e espetáculos afins, caça recreativa) e pela rejeição da senciência, i.e., a capacidade de reagir a estímulos sensoriais como a dor, prazer, medo, angústia ou stress, e consequentemente da sua dignidade enquanto centros de proteção (ainda que não imputação) jurídica e moral.


Similarmente, o ecocentrismo, também chamado de igualitarismo biosférico,  define-se pela oposição ao antropocentrismo. Baseiam-se na rejeição das asserções (1) de que a espécie humana é a única portadora de valor intrínseco; (2) de que o seu valor seja superior ao de outras espécies; (3) de que biosfera e o meio ambiente têm uma utilidade meramente instrumental para o desenvolvimento económico e satisfação das necessidades humanas.

 

 

As raízes do ambientalismo na política portuguesa e europeia

 

A estreia do debate sobre questões ambientais na política partidária portuguesa deu-se nos anos oitenta. Gonçalo Ribeiro Telles, arquiteto paisagista e fundador do Partido Popular Monárquico (PPM), em cargos executivos [2] e representativos, assumiu um papel preponderante na criação de inúmera legislação do ambiente e ordenamento território, tal como a criação das reservas agrícola e ecológica nacionais, foram da sua autoria as propostas da Lei de Base do Ambiente, da Lei do Impacte Ambiental, da Lei da Caça, da Lei Condicionante da Plantação de Eucaliptos, etc.

 

Em 1982, surge o Movimento Ecologista Português – Partido “Os Verdes” (PEV), como um movimento de base, da vontade de promover uma intervenção ecologista ativa na sociedade portuguesa. A natureza grassroots do PEV é espelhada na sua organização interna, fundada em Coletivos Regionais [3], e um enfoque na atuação local, como meio de desenvolver a consciência ecológica dos cidadãos. Disputou todos os atos eleitorais em coligação com o PCP [4].

 

Ainda antes de falarmos do PAN, e – mais uma vez – pela mão de Gonçalo Ribeiro Teles depois de deixar o PPM, o Partido da Terra (MPT), foi fundado a 12 de agosto de 1993. De cariz humanista e de centro-direita, foi o primeiro partido ecologista português a ter representação no Parlamento Europeu (onde pertenceu à Aliança dos Liberais e Democratas e ao Partido Popular Europeu), tendo inclusive contado com 2 Deputados na AR, entre 2005 e 2009, na sequência de um acordo com o PSD de Pedro Santana Lopes. Alguns dos membros fundadores do PAN, como Albano Lemos Pires, foram membros do MPT.

 

A 22 de maio de 2009,  nasceria o que viria a ser o “Partido Pelos Animais” (PPA), cuja o cariz animalista era difícil de ignorar.

No verão desse mesmo ano começava o processo de divulgação e recolha de assinaturas que, seis meses mais tarde, chegaria, com 9500 signatários, ao Tribunal Constitucional.

 

Neste processo, foi indispensável o apoio de associações animalistas e ambientalistas, que identificaram essa “lacuna” na política portuguesa e estavam dispostas a trazer a luta pela defesa dos direitos animais para uma intervenção política e jurídica. Neste mesmo período, foi apresentada a primeira petição do partido, contra a tauromaquia, e participaram na “Marcha Animal”.

 

O acrónimo PAN (Partido pelos Animais e pela Natureza) foi adotado a 10 de setembro de 2010, ainda corria o processo de inscrição do registo junto do TC (que seria finalizado em janeiro de 2011). Paulo Borges, um dos membros fundadores do partido [5], entendia que “não fazia sentido, sobretudo em Portugal, formar um partido só centrado na questão animal” e que tal levaria a uma “margem de crescimento muito menor”.

Só no III Congresso, em 2014, é que a designação passou a ser a atual. Este foi um momento de consolidação, tendo participado nas autárquicas de 2013, da coligação “Mudança” no Funchal, liderada pelo PS, que obteve uma vitória histórica sobre o PSD.

Em 2014, André Silva tornar-se-ia o novo líder do PAN, cargo que ocupou até janeiro de 2022, vincando motivos familiares e que “os líderes políticos não se devem eternizar”. Inês Sousa Real, 2.ª na lista do círculo de Lisboa em 2019, tornou-se a nova porta-voz.

 

Também em 2019, o PAN teria o seu melhor resultado até à data, elegendo 4 Deputados (sendo que, a partir de junho de 2020, seriam 3, com saída de Cristina Rodrigues, eleita pelo círculo de Setúbal, tornando-se deputada não inscrita).

 

Cinco meses antes, nas Europeias de 2019, tinha chegado a vez de um representante do PAN, Francisco Guerreiro integrar o grupo político Verdes/ALE. Contudo, apenas um ano depois, desvinculara-se do partido que integrava desde 2012. Citando uma “falta de identificação política”, “crescente e vincada colagem à esquerda” e “quebra das bases filosóficas do partido que não se revê nas dicotomias políticas tradicionais”.

 

A relação do Partido com a família “verde” europeia nem por isso estreitou. Em junho do ano passado, juntava-se, com 91,7% dos votos, à família dos European Greens. Na verdade, desde os seus primórdios, houve uma vocação internacionalista no seio do partido.

 

Já em 2013, participou no primeiro  de muitos futuros encontros de representantes dos partidos animalistas europeus, promovida pela Animal Politics Foundation, criada pelo PvdD (Partido pelos Animais holandês), Tierschutz Partei alemão (partido da proteção dos animais), o Partido Animalista PACMA espanhol, o Animal Welfare Party britânico. Estes encontros também estiveram na origem de um partido político europeu. Passo a explicar:

 

O grupo político do Parlamento Europeu, Verdes/Aliança Livre Europeia divide-se em cinco grupos: o Partido Europeu Verde (que em Portugal é representado pelo Livre e pelo PEV), a Aliança Livre Europeia (constituída por partidos regionalistas ou independentistas de esquerda), os Partidos Piratas Europeus (que ainda não são reconhecidos como partido político europeu), o Volt Europa e o Animal Politics EU (do qual o PAN foi um dos fundadores).

 

A realidade nacional, com as suas idiossincrasias, não deixava de ser um eco de um maior movimento político ecologista europeu e global, com o advento dos "Partidos Verdes”. Este fenómeno salta do ativismo e de um movimento social e intelectual para a política partidária, pela primeira vez, nas eleições gerais neozelandesas de 1972, com o Values Party [6]. No mesmo ano, no cantão suíço de Neuchâtel, o Movimento Popular pelo Ambiente tornou-se o primeiro partido político verde europeu. Seria também na Suíça, em 1979, a eleição do primeiro parlamentar “verde” para um órgão legislativo nacional.


O paradigmático partida ambientalista europeu tornar-se-ia “Os Verdes” alemães (Aliança 90/Die Grünen, desde a fusão do partido homólogo da República Democrática Alemã, no pós-reunificação). Apesar da sua fundação formal ter sido em 1980, foi o culminar de um movimento anti guerra, anti nuclear e ecologista que ganhou grande proeminência na década de setenta, com o protesto contra a abertura central nuclear de Whyl em 1975 [7]. Anos depois, uma vaga de manifestações anti guerra contra a corrida ao armamento balístico, na chamada Crise dos Euromísseis (1977-82).

 

Em 2001, entraram na coligação governamental “vermelha e verde” com o SPD de Gerhard Schröder. Foi um período de moderação, face à sua incepção enquanto partido firmemente canhoto, ao ponto de atualmente se posicionarem ao centro [8]. No conflito entre as facções Fundi (fundamentalista) e os moderados Realo  (realista), foram estes últimos que venceram. Apesar de manterem nominalmente o pilar social  (a par dos pilares ecológicos, de movimento de base e antiguerra), apoiaram as reformas liberalizantes de Gerhard Schröder, enquanto não contavam com a mesma base de apoio sindical do SPD. Esta proximidade d’Os Verdes alemães ao establishement em Berlim foi alvo de críticas por partidos parceiros, mas não deixa de ter curiosos paralelismos com a situação do PAN a partir de 2020.

 

 

Ambiente, Ecologia e uma “Economia Verde”

 

Extrai-se que a ideologia ambientalista defende uma concepção de justiça mais ampla, pelo menos em definição, do que a justiça económica e social, preocupando-se também com a justiça ambiental. É, porém, de questionar até que ponto esta maior amplitude de valores pode levar a um menor profundidade ideológica e a uma secundarização de causas e problemas fulcrais, quer para o custo e qualidade de vida dos cidadãos, quer na definição dos campos ideológicos, como a justiça laboral, a habitação, o papel do Estado na economia.

 

Nas eventuais antinomias entre valores como a necessidade de expandir a oferta em serviços essenciais e a diminuir os seu custo, na progressividade fiscal, na proteção de postos de trabalho e de modos de subsistência de populações rurais, de um lado, e a transição energética, o custeamento das emissões (através de taxas de carbono, e impostos especiais sobre produtos petrolíferos e veículos automóveis) e para a descarbonização da economia, e o phase-out de atividades económicas incompatíveis com este modelo ecocêntrico (tais como a refinação de produtos petroquímicos, à agricultura e pecuária intensiva, os transportes aéreos – pelo menos enquanto inexistirem alternativas menos poluentes –  e às indústrias mineira e extrativas).

 

 Vejamos como o Programa Eleitoral de 2024 do PAN configura o seu  modelo de transição económica e ambiental com opções políticas concretas, através de algumas questões-chave:

 

Em relação ao papel da energia nuclear, como, aliás, é a norma entre os partidos de índole ambientalista, é descartado (se calhar, acriticamente), pela “nuvem negra” de desastres nucleares e o seu potencial de utilização bélica. Ainda assim, é de evidenciar que a eficiência de inputs em recursos mineralógicos para output energéticos, permite aumentar a resiliência e soberania energética (valor que se encontra, inclusive, plasmado no Programa, mas numa ótica de descarbonização e aproveitamento do potencial solar, eólico, hídrico e geotérmico do território nacional). Ademais, muitos dos processos de produção e armazenamento de energias renováveis, como painéis e baterias solares, são intensos em termos de consumo de recursos.


Neste ponto, atendendo à dimensão global das alterações climáticas, há que se questionar até que ponto é ideologicamente coerente rejeitar a extração doméstica de minerais necessários à transição verde – lítio, cobalto, níquel, manganês e minerais de terras raras –, onde existe capacidade para impor encargos regulatórios que minimizem os impactes nas populações, nos ecossistemas e biodiversidade, contribuindo para cadeias de produção mais “verdes”.


Por outro lado, ao simultaneamente admitir um aumento a procura por estes recursos para fazer face à expansão das necessidades energéticas, e a terceirização da sua extração para Estados com proteções laborais, ecológicas e humanitárias deficitárias, contribuirá para um pior resultado, em agregado, para a proteção de ecossistemas globais e das condições de trabalho nas cadeias de abastecimento, ao mesmo tempo que se perdem oportunidades estratégicas de política industrial direcionada para as renováveis.


Neste ponto, o programa do PAN limita-se a defender que não devem ser concedidas licenças de prospecção ou exploração de lítio e outros minerais em áreas protegidas ou de elevado valor natural a menos de 20km das povoações, defendendo igualmente a reversão de todas as concessões atuais que não cumpram este requisito [9]  e um poder de veto das autarquias locais sobre futuros contratos. Propõe-se ainda a suspensão imediata da licença atribuída à mina do Barroso.

 

Noutra questão controversa – a mineração em mar profundo na ZEE Portuguesa, onde tem como prioridade uma “economia azul sustentável” –  uma prática já proibida nos Açores e cujo impacto nos ecossistemas marinhos, que incluem fontes hidrotermais localizadas na junção de placas tectónicas, como as que atravessam o arquipélago açoriano, os habitats de nódulos polimetálicos (que resultam da deposição de óxidos de ferromanganês no solo), entre 4 a 6 mil metros de profundida, e da crosta de montes submarinos, ricos em cobalto, é desconhecido e potencialmente devastador. A Agenda da EU para a Governação dos Oceanos 2022 é pela “proibição da mineração em alto mar até que as lacunas científicas sejam devidamente colmatadas”.


Do outro lado, são minerais necessários a uma transição para um sistema energético baseado em hidrogénio e renováveis, bem como para o desenvolvimento de uma indústria digital competitiva.


A posição do PAN é, sem surpresas, e tal como já foi decidido por países como a Espanha, França e Alemanha, por uma moratória que proíba toda a forma de mineração em mar profundo e para que se encetem esforços por uma proibição internacional (à semelhança do Protocolo de Montreal, de 1987, com a proibição dos CFC).

 

Ainda dentro da valorização do mar, intende-se criar uma agência nacional para as Áreas Marítimas e expandir a área protegida existente, travando a atividade piscatória, bem como criar santuários marítimos destinados à devolução de animais que tenham estado em cativeiro. Propõe-se ainda que todos os portos marítimos tenham “ecoilhas”, com vista à separação, recolha e tratamento de resíduos e de redes de pesca.


Em relação à rede hidrográfica, há a intenção de libertar 25 mil km de rios através da implementação de um plano nacional de remoção de barragens, obsoletas ou ineficientes, com medidas de restauro fluvial.


Pretende-se estabelecer uma moratória ao Programa Nacional de Regadios, obrigando todos os seus investimentos a passarem por uma avaliação ambiental estratégica.

 

É também reconhecido o papel regulador da floresta  e polinizadores no fomento da atividade agrícola e da qualidade do ar, solo e água. São propostos um Programa Nacional de Deseucaliptação, recompensado quem substitua as suas áreas de eucalipto por espécies arbustivas e arbóreas autóctones e a proibição do uso de pesticidas de comprovada toxicidade para espécies polinizadoras, bem como apoios a empresas no setor agroalimentar que removam a pegada ecológica ou convertam da agricultura convencional para a biológica (acompanhada de uma eliminação de qualquer prática de exploração pecuária em regime semi-intensivo ou intensivo, redirecionado esses fundos para a produção de alimentos de origem vegetal).

 

A solução do PAN, em linha com as recomendações da União Europeia e da OCDE, é não de um apelo ao degrowth (posição mais associada a uma filosofia de “ecologia profunda”, cética do modo de organização da economia capitalista e de imperativos de crescimento económico), mas à economia circular. A necessidade de fazer face ao aumento da procura energética e de matéria-prima é dado adquirido e a solução, defende o Partido, passa por gerar valor acrescentado no “ciclo de vida” dos produtos, através da reciclagem, desmaterialização e um direito à reparação.

 

Neste sentido, pugna-se para que seja desclassificado o recurso a biomassa florestal como energia renovável e acabar com o financiamento de práticas de incineração no tratamento de resíduos, alocando essa verba para projetos de economia circular e obras de implementação de sistemas de armazenamento e reutilização de águas residuais e pluviais.

 

Pessoas: o Pilar Social

 

No seu manifesto “Agir, já!”, o Partido define-se também como progressista e feminista, evitando, contudo, atribuir a estes conceitos qualquer ligação a tradições ou famílias políticas, sejam da nova esquerda “libertária”, da social-democracia europeia, ou até do liberalismo clássico.

 

A relação entre o ambientalismo e o feminismo, do ponto de vista ideológico, é profunda, na medida em que autores como Karen J Warren reconhecem uma interseccionalidade entre as estruturas patriarcais, usadas para justificar a subordinação da Mulher ao Homem, e a dicotomia ou hierarquia antropocêntrica entre o Homem e a Natureza, usada para justificar a sua dominação e instrumentalização.

 

Nesse sentido, no capítulo “Direitos humanos. Dignidade e Pertença”, o programa eleitoral demonstra uma preocupação reforçada com as práticas de discriminação e violência que afetam sobretudo raparigas e mulheres. Com uma especial ênfase:


  • no combate à mutilação genital feminina e masculina e proibição da mutilação genital masculina e intersexo;

  • no combate à violência doméstica (propondo a alteração da moldura penal, a restrição das situações de suspensão da execução da pena nestes crimes, a eliminação da necessidade do consentimento do arguido na utilização de pulseira eletrónica, assegurar a transparência de  sentenças de tribunais de 1.ª instância e a promoção junto da Ordem dos Advogados, de uma bolsa de advogados para auxílio e representação imediata das vítimas/sobreviventes);

  • na proteção das pessoas na prostituição, em especial o apoio à saída da situação de prostituição, através de ofertas de emprego apoiado e acompanhamento jurídico gratuito para as vítimas de proxenetismo, lenocínio e tráfico de seres humanos;

  • a consagração na Constituição do direito à autonomia, integridade e autodeterminação corporal e sexual, assegurando a proteção constitucional da interrupção voluntária da gravidez;

  • criação de uma licença menstrual e de uma estratégia nacional de combate à endometriose e adenomiose.


É de evidenciar muitas das propostas apresentadas, não obstante evidenciarem valores e prioridades subjacentes do Partido, utilizam expressões vagas quanto à sua implementação, apelando frequentemente à realização de estudos, à criação de grupos de trabalho e campanhas de conscientização, ou apelos ao reforço da fiscalização e execução de leis e estratégias já existentes.

 

Ainda nesta matéria, há um enfoque na acessibilidade, inclusão e na proteção e combate à discriminação contra pessoas em situação de vulnerabilidade, designadamente portadores de deficiência, através de medidas como: a revisão das condições de acesso à reforma para pessoas com deficiência, a criação de um regime de concessão de apoios financeiros a pessoa com deficiência que crie negócio por conta própria, o cumprimento de quotas de emprego e de acesso à prática desportiva.


Pugna-se ainda pela expansão de acessibilidades em parques infantis, equipamentos culturais e a todos os serviços públicos, (nomeadamente pela vídeo-interpretação em língua gestual portuguesa) e a criação de redes intermunicipais de mobilidade rodoviária adaptada.


Nos âmbitos da democracia, assuntos constitucionais e organização da justiça, é feita uma série de propostas, no sentido de assegurar uma maior participação direta dos cidadãos, uma maior legitimidade democrática da administração descentralizada, uma maior prestação de contas e fiscalização perante a AR, uma política de reforço da autonomia regional e combate ao centralismo e por vias judiciais mais eficazes contra o Estado. Exemplos destas medidas são:


  • a criação de uma assembleia de cidadãos permanente, a funcionar junto da AR, com vista ao aprofundamento da participação cidadã;

  • criação de um círculo eleitoral de compensação e revisão dos círculos existentes de modo a evitar com que cerca de meio milhão de votos válidos não sirvam para eleger qualquer deputado [10];

  • alterar a Lei do Financiamento dos Partidos Políticos, de modo a revogar a isenção de IMI e outros impostos sobre o património;

  • reduzir o número de assinaturas mínimas para Iniciativas Legislativas e para a apreciação de uma petição no plenário da AR;

  • consagrar a eleição direta, por sufrágio universal, dos presidentes das CCDR e dos órgãos das Áreas Metropolitanas  e Comunidades Intermunicipais;

  • a criação de um Ministério do Ambiente, Biodiversidade e Proteção Animal;

  • introdução de um recurso de amparo para o Tribunal Constitucional, à semelhança dos modelos espanhol e alemão, que permita uma via de recurso direta para violações de direitos fundamentais;

  • diminuir o recurso do Estado à arbitragem como forma de resolver litígios fiscais e administrativos;

  • a consagração na Constituição do direito de acesso aos cuidados de medicina paliativa, reprodutiva e de saúde mental;

  • rever a Constituição, de modo a aprofundar a autonomia das regiões autónomas, proposta de um novo sistema fiscal de baixa tributação para as RA e alterar o modelo de financiamento das regiões, de modo a atenuar os custos da insularidade e do seu carácter periférico.


Já no domínio laboral, o PAN propõe-se a estabelecer um horário de trabalho de 35 horas para todos os trabalhadores e um período de férias de 25 dias úteis (30, para pessoas com incapacidade superior a 60%, e um dia útil por cada 5 anos depois dos 50), pretende ainda o alargamento da duração da licença parental partilhada para seis meses e o fomento ao teletrabalho, numa perspetiva de sustentabilidade, coesão territorial e apoio à conciliação da vida familiar. Outra prioridade neste domínio é a saúde mental no trabalho e prevenção do burnout, sugerindo-se a criação da figura de um Psicólogos do Trabalho e de exames de avaliação psicológica nas empresas (não sendo especificado que tipos de empresa estariam obrigadas a executá-los).


Em relação à profissão de advogado e solicitador, apela-se ao direito a uma remuneração condigna e justa pelos serviços que prestam, a possibilidade de escolha de regime de contribuição entre a Caixa de Providência dos Advogados e Solicitadores e o da Segurança Social, e ainda uma revisão geral da tabela de honorários dos profissionais forenses, de modo a compensar os congelamentos ocorridos entre 2010 e 2020.


Já desde 2015, o PAN defende a necessidade de alterar o paradigma de “habitação social” para “habitação condigna para todos”, defendendo a criação de um Pacto Nacional para a Habitação. Em 2020, contribuiu para a implementação das diretrizes europeias na Estratégia de Longo de Prazo da Renovação de Edifícios, com metas como a garantia de condições térmicas nas habitações e a sua descarbonização e eficiência energética.

 

O Programa de 2024 inclui um leque de “medidas de emergência”, de âmbito fiscal e não só, que visam ajudar as famílias a pagar a sua renda ou prestação ao final do mês, estas incluem: um regime de concessão de crédito bonificado à habitação para jovens, bem como um desconto de 25% nos emolumentos das escrituras e atos de registo relativos à aquisição e à hipoteca dos imóveis e um regime IMT jovem que isente o imposto para casas próprias com valor patrimonial tributário até aos 110 mil euros. No que toca a medidas gerais, pretende-se garantir a todas as famílias a dedutibilidade dos gastos com o crédito à habitação em sede de IRS e criar benefícios fiscais a proprietários que tenham arrendamento acessível (a preços abaixo da média) para estudantes.

 

Na interseção entre os temas da exclusão social e habitação, está o combate à situação de sem-abrigo, uma tragédia de proporções crescentes, agravada pela crise socioeconómica e a escassezes, quer na respostas, quer na prevenção.


O PAN assume uma estratégia própria que, não desconsiderando a necessidade de uma abordagem global (no emprego, saúde, proteção social), tem uma abordagem de Housing First, colocando a falta de habitação no cerne da problemática. Para atingir esse objetivo, o alargamento da oferta de habitação pública, com uma percentagem destinada em todos os projetos a jovens e alojamento estudantil, a criação de um complemento de bolsa para custos com o alojamento e a mobilização do património imobiliário do Estado e municipal para a habitação acessível.

 

Parte da estratégia Housing First, com vista a dar prioridade a pessoas em situação de sem-abrigo crónica (com morbilidades associadas, consumo de substâncias psicoativas e doenças de longa duração), consiste na atribuição de um gestor de caso a todas as pessoas em situação de sem-abrigo e a criação de uma rede de gestores de caso, ligando entidades e associações.


Pretende-se ainda assegurar que todas as famílias com rendimento mensal igual ou inferior ao do limiar da pobreza tenham acesso a tarifas sociais na energia, gás e internet, e a “superação do rendimento social de inserção”, incentivando que os seus beneficiários entrem no mercado de trabalho sem temer perder, até maior estabilização, a prestação social.

 

Por fim, a criação de espaços direcionados para a reabilitação e apoio de dependentes de substâncias psicoativas ou de álcool, bem como espaços de modelo Drop in, com o objetivo de satisfazer necessidades essenciais de pessoas em situação de pobreza exclusão social, (como cuidados de enfermagem, apoio psicológico, formação e empregabilidade, higiene, roupeiro, internet), e centros de recolha oficiais, para animais de companhia.  

Estas medidas, naturalmente, dependem de uma eficaz coordenação entre a administração pública, local, IPSS e organizações da sociedade civil.

Muitas delas já encontram algum nível de reflexo na lei, estando os maiores obstáculos na implementação, quer pela fraca afetação de meios orçamentais, quer por ineficiências ou cobertura insuficiente dos serviços sociais.

 

Conclusão

 

Trilhado este caminho, é compreensível que se termine em mais dúvidas do que se começou. É inegável que existe um ceticismo generalizado em relação ao Pessoas-Animais-Natureza, dos mais variados segmentos da sociedade. Por um lado, a sua posição compromissória, sem se posicionar à esquerda ou à direita e determinado a contribuir para qualquer solução governativa democrática, é percepcionada com ceticismo da esquerda.


Se é verdade que as causas do bem-estar animal e da conservação do ambiente não são exclusivas ou excludentes, a priori, de qualquer família política (como aliás, é evidenciado, pela própria história do ambientalismo na política representativa portuguesa), os seus detratores argumentariam que só atacando a inerente insustentabilidade e destruição ambiental causada pelas estruturas e interesses económicos estabelecidos, numa crítica materialista e anticapitalista, é que se poderia construir uma sociedade verdadeiramente ecológica e sustentável.


Possivelmente, porém, o maior obstáculo a uma expansão (ou a este ponto, pelo menos uma recuperação do recorde dos 3,32% que obtiveram em 2019) do Partido, é o clima de inimizade sentido pelo eleitorado rural. Deixar de travar a luta contra as touradas e contra práticas pecuárias intensivas e industriais seria uma “traição” à génese animalista do partido. Parece-me, por isso, que a única possibilidade de reabilitação da sua reputação com esse grupo eleitoral passa por convencer que as medidas que propõe, de incentivos financeiros à agricultura biológica e práticas tradicionais, bem como à modernização e adoção de técnicas mais eficientes de agricultura, e a preservação da floresta e da qualidade de vida rural, constituem vantagens sérias para o mundo rural.


Até que ponto, o estereótipo do PAN como um “partido das elites urbanas e litorais”, desfasado da realidade do resto do país, é o resultado de falhas reiteradas de comunicação, valorizando primeiramente o investimento no eleitorado urbano (os únicos círculos eleitorais onde o PAN tem possibilidade de obter resultados aproveitáveis), ou se é antes produto de uma campanha difamatória, fica em aberto.




[1] Figura proeminente do Grupo de Oxford”, um conjunto de intelectuais associados à universidade britânica homónima   que, a partir de finais da década de 60, emergiram como figuras do movimento da libertação animal. Um dos seus mais célebres proponentes é o filósofo Peter Singer.

[2] Enquanto Ministro de Estado e da Qualidade de Vida no VIII Governo Constitucional, liderado por Francisco Pinto Balsemão,

[3] Atualmente, segundo os seus Estatutos, são os coletivos de base os órgãos locais que asseguram o seu modelo de democracia participativa e descentralizada, organizando-se regional e nacionalmente, numa estrutura federalista.

Entre 1982 e 1987, pela Aliança Povo Unido (APU), e desde as legislativas de 87 até à atualidade, pela Coligação Democrática Unitária (CDU).

[5] Que se desfiliou em 2015, citando divergências com a entrada na coligação liderada pelo PS nas Eleições Regionais da Madeira e uma “colagem praticamente exclusiva à carta animal”.

[6] Muitos elementos deste partido advinham de elementos da  “Nova Esquerda”, insatisfeitos com os partidos marxistas-leninistas e com as políticas de centro-esquerda do Labour neozelandês. Algumas das suas bandeiras seriam adotadas por sucessivos movimentos, entre os quais os Die Grünen na Alemanha Ocidental e até o PEV em Portugal, como o ceticismo em relação ao crescimento económico e demográfico, uma postura anti armamentista e anti energia nuclear e a favor de reformas sociais progressistas, em relação ao aborto e relações entre pessoas do mesmo sexo.

[7] Já em 1979, na sequência do “meltdown” nuclear em Three Mile Island, nos EUA – mais de 100 mil pessoas manifestaram-se contra os planos de reprocessamento da central de Gorleben. Protestos que nesse mesmo ano viriam a crescer em número e em reivindicações, passando a exigir o encerramento de todas as centrais

[9] É ainda indicada sugerida a reversão de contratos de mineração aprovados antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 30/2021, de 7 de maio, que altera o Código dos Contratos Públicos, e surge na esteira da aplicação de fundos do PEES e do PRR.

[10] No anterior programa eleitoral, esta proposta incluiria reduzir de 22 para 10 o número de círculos eleitorais e substituir o método de Hondt pelo método de Saint-Laguë, na distribuição de assentos.


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