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Foto do escritorDepartamento Sociedade

Eleições nos EUA

Introdução

No próximo dia 5 de novembro, o futuro dos Estados Unidos da América será decido nas urnas, onde disputam Kamala Haris, vice-presidente do atual Governo, e Donald Trump, que ocupou o lugar da presidência de 2017 a 2021.


Haris é candidata pela fação Democrática e as suas posições e propostas caracterizam-se por serem liberais e com vertentes mais sociais; ao contrário, Trump, na continuação da linha da vigência do seu mandato, afirma-se com uma visão mais conservadora, apostando mais na esfera privada.


Este artigo encontra-se dividido por subtemas e expõe o que cada candidato pretende fazer nessa determinada matéria caso seja eleito o 47º Presidente dos Estados Unidos da América.


Educação

Apesar de os Estados Unidos da América terem cinco universidades no top 10 de melhores universidades no ranking mundial, o ensino norte-americano está a viver uma verdadeira crise na educação — como indicado pela Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico — causada pelo método de ensino antiquado (desde o pré-escolar até ao ensino secundário) e pelos elevados custos do ensino superior.


O tema da educação, apesar da sua importância para milhões de famílias, tem estado no “banco de trás” das discussões na esfera política. Donald Trump nada inclui sobre a política educacional dos EUA no website da sua campanha, e Kamala Harris tem apenas uma menção a compromissos (em sentido lato) de “fortalecer a educação pública” e de continuar com os esforços da administração de Biden para dar aos estudantes do ensino superior norte-americano algum “alívio” das dívidas estudantis. Ainda assim, a eleição de cada um dos candidatos levará a mudanças drásticas no sistema educacional americano que, desde a pandemia Covid-19, se encontra num estado de mudanças constantes.


Os dois candidatos à presidência têm posições marginalmente diferentes sobre o sistema educacional dos EUA.


Enquanto Donald Trump favorece a privatização do sistema educacional americano, um forte envolvimento por parte do Estado no currículo adotado pelas escolas e ainda algo conhecido como “school choice”, ou seja, a possibilidade de os guardiões legais dos estudantes americanos escolherem a escola dos seus tutelados, para além da opção local, por exemplo, o recurso ao homeschooling ou às escolas online. Por seu turno, Kamala Harris apoia programas para colmatar questões de equidade desde o início do percurso escolar dos jovens americanos até ao ensino superior.


Além destas medidas, o candidato republicano pretende acabar com o “Department of Education” — que provê 11% dos fundos das escolas públicas em todo o país — afetando negativamente as zonas com maior índice de pobreza e a educação de milhares de estudantes com necessidades educativas especiais (cujo orçamento se encontra no Título I dos Fundos do Departamento da Educação), sendo inclusive necessário um ato do congresso para efetuar esta medida. Quanto a este departamento, Harris pretende triplicar os fundos do mesmo Título para dar aos alunos com necessidades educativas especiais recursos que facilitem o seu percurso educacional.


Na sua campanha, a candidata democrata focou-se em medidas de acessibilidade, de modo a garantir o ingresso no ensino superior e o acesso à educação em geral por parte da população americana. Kamala Harris promete continuar com a política da administração de Biden de perdoar as dívidas estudantis – aprovou perto de 170 bilhões de dólares com o intuito do perdão da dívida de 5 milhões de estudantes.


Quanto ao perdão das dívidas dos estudantes universitários, Donald Trump aparenta querer reverter esta medida, que apelidou de “truque inconstitucional”, após o Supremo Tribunal negar o pedido de Biden para autorizar alívio de dívidas estudantis, dizendo que foi “uma grande vitória para os americanos”.


Filipa Santos


Imigração e fronteiras


“A Alegoria do Muro”

Historicamente, a imigração é um tema central do discurso sócio-político Norte-Americano, e a dinâmica da actual campanha eleitoral não é diferente. Ainda que, estatisticamente, esteja mais que provado que os imigrantes são uma mais-valia para a economia do país – com um estudo da Congressional Budget Office a apontar para um aumento do PIB dos EUA na ordem dos 8,9 biliões de dólares na próxima década , eles continuam a ser usados como “arma de arremesso”, principalmente pelo candidato do Partido Republicano, Donald Trump, que mantém um discurso extremado, populista, demagógico (como se lhe queira chamar) de anti-imigração.


A campanha Republicana às Presidenciais está, em grande parte, alicerçada nas questões das fronteiras e da entrada de estrangeiros no país. Se, há 8 anos, Donald Trump falava na construção de um muro, para travar os imigrantes Mexicanos (tendo adoptado, até, a política “Remain In Mexico”), agora fala nos supostos resultados da administração democrata de Joe Biden que, segundo o próprio, levou a uma “invasão de imigrantes” e de “criminosos [que entram] no nosso país”. A sua argumentação baseia-se em desinformação e “factos”  extremamente fáceis de desmontar , mas que ele toma como sendo verdadeiros. Exemplo disso foram as suas declarações num debate contra a candidata Democrata, a 10 de Setembro, onde afirmou que, no estado do Ohio, os migrantes estariam a comer os animais de estimação das pessoas, informação que foi rapidamente confirmada como sendo falsa pela BBC.


No entanto, nem todos os argumentos de Trump são apenas fábulas altamente fantasiosas. Um dos mais recentes consistia numa acusação de fraude eleitoral contra os Democratas, segundo a qual estaria a ser levada a cabo uma manobra quase que de “tráfico humano de imigrantes ilegais” para votarem em Kamala. Esta teoria foi sustentada pela organização conservadora “The Heritage Foundation”, que iniciou uma iniciativa denominada “The Oversight Project” na qual, alegadamente, teria descoberto que existem cerca de 47.000 cidadãos não-americanos registados para votar no estado da Geórgia (o que, evidentemente, é ilegal). Como é óbvio, estes números não correspondem à realidade, o que foi mostrado pelo comediante John Oliver num dos últimos episódios do programa “Last Week Tonight”, no qual apresentou estatísticas que revelam que, desde a década de 1980, em todo o país, apenas 68 não-cidadãos teriam votado em qualquer eleição, dos quais só 10 eram imigrantes ilegais (tendo até satirizado que há mais pessoas a morrer anualmente por causa de ataques de hipopótamos do que imigrantes ilegais a votarem nos EUA nas últimas quatro décadas). Estes números são irrisórios, de tão insignificantes, mas Donald Trump continua a usar este género de argumentos na sua campanha e para defender as suas propostas anti-imigração, que são, entre outras, a implementação de um programa de deportação em massa e o restabelecimento de três programas do seu primeiro mandato: o já referido “Remain In Mexico”, o “Title 42” (que, à época, permitiu a rápida expulsão de cerca de 2,8 milhões de migrantes do território dos EUA) e os acordos de “safe third country” com países da América Latina (o que significa, de forma simplificada, que um país pode rejeitar o asilo a uma pessoa se esta já tiver sido aceite por um outro país).


Do outro lado, a candidata Democrata, Kamala Harris, tem mantido um discurso muito mais moderado. Apesar do seu histórico de políticas progressistas, está a adoptar uma postura cautelosa em relação a temas mais “liberais”, não colocando o tema da imigração como foco principal da sua campanha, como está a fazer o seu opositor. De forma muito breve, o programa do Partido Democrata faz referência à proteção das fronteiras, mais no sentido de combater o tráfico de droga e os gangues internacionais, do que propriamente a entrada de migrantes no país.


É importante ressaltar, também, a mudança de discurso face às eleições de 2020, em que os Democratas adoptaram uma postura muito mais aberta quanto a esta questão, promovendo um “tratamento humanitário” dos migrantes. Desta vez, as políticas são um tanto quanto mais austeras, com a implementação de mais restrições à imigração — algo que, durante a administração Biden, já havia sido feito, ao limitar a entrada no país a 2.500 imigrantes por dia —, ainda que se continue a defender a criação de um caminho para a cidadania e para a integração, valorização e tratamento dos imigrantes nos Estados Unidos (políticas que são fortemente apoiadas pela presidente Mexicana Claudia Sheinbaum).


Em suma, o que se está a verificar é um certo clima de instabilidade quanto à questão da imigração. Mais à esquerda, Kamala apresenta-nos medidas mais ponderadas de defesa das fronteiras mas, ao mesmo tempo, de inclusão dos imigrantes, o que, no entanto, pode não chegar para o vigoroso e demagógico discurso anti-imigração de Donald Trump. Para onde pende a opinião do povo americano, só iremos saber dia 5 de Novembro.


Guilherme Gomes


Política e relações internacionais


“Haris, Trump e a Ordem Internacional”

Enquanto o mundo se polariza entre duas guerras que se estendem no tempo, realizam-se, a 5 de novembro, eleições que poderão significar uma reviravolta para estes e outros conflitos, tendo em consideração o papel crucial e determinante dos Estados Unidos na ordem internacional.


Embora seja determinante debater estes dois conflitos bélicos, que chacinam diariamente milhares de pessoas, o nosso foco de atenção não pode deixar de estar direcionado para o país que pode, com o seu resultado eleitoral, alterar a estabilidade política e socioeconómica de inúmeras nações.


Palestina e Israel

Os dois candidatos afirmam apoiar Israel, mas apresentam políticas diferentes. Ambos apoiam a legítima defesa israelita contra ataques terroristas do Hamas e Hezbollah e querem a normalização das relações internacionais entre Israel e os seus países vizinhos. Nenhum dos dois é particularmente fã da “solução de dois Estados”.


Apresentando-se como o “grande protetor do único Estado judaico do mundo”, Trump prometeu, num discurso proferido em outubro, defender a civilização ocidental dos bárbaros, selvagens e fascistas, que vemos a tentar prejudicar a bela nação de Israel”.

Trump assevera que seria capaz de garantir a paz no Médio Oriente, graças ao “respeito que impõe e às relações que desenvolvidas”, e afirma que este conflito não teria ocorrido se ele estivesse à frente da governação do país.


Quanto à possibilidade de um cessar-fogo, considera que tal apenas contribuiria para que o Hamas tivesse tempo de reagrupar e reorganizar forças, o que lhes permitiria lançar outro ataque como o de 7 de outubro.


Trump descreveu a marginalização dos palestinianos como um dos triunfos da sua presidência, orgulhando-se, igualmente, de políticas como o encerramento do escritório da Organização da Libertação da Palestina, em Washington, de reconhecer Jerusalém como capital de Israel e mover a Embaixada de Tel Aviv para essa cidade, e de cancelar as contribuições à UNRWA.


Donald Trump proclama a futura vitória de Israel, no entanto, pouco desenvolve sobre políticas concretas de ajuda da sua administração ao país, em caso de vitória. Além disso, afirma que encorajou o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, a… “acabar com a guerra depressa”.


Todavia, tem definidas bastantes medidas restritivas para com palestinianos: comprometeu-se a banir refugiados de Gaza  numa expansão da sua política de proibição de viajar, em países maioritariamente muçulmanos , comprometeu-se a expulsar imigrantes que simpatizam com o Hamas, a revogar vistos de estudantes estrangeiros considerados “antiamericanos”, ou “antissemitas”, e a impor um “controlo ideológico rigoroso” para impedir a entrada de estrangeiros que “querem abolir Israel”.


Por outro lado, Harris reafirma o seu compromisso de garantir que Israel terá “acesso ao que precisar para se defender”. Anuncia estar a trabalhar para que a guerra acabe, Israel recupere a segurança e os reféns sejam libertados. Israel foi, até à atualidade, o maior beneficiário de ajuda externa americana, totalizando um apoio de 317.9 mil milhões de dólares1.


No entanto, a candidata, atenta aos possíveis eleitores pró-Palestina, tem expressado empatia pelas dezenas de milhares de palestinianos mortos e feridos e tem pressionado Israel a permitir a entrada de ajuda humanitária em Gaza, defendendo que os civis devem “ser protegidos, e ter acesso a comida, água e medicação” e que “a lei humanitária internacional tem de ser respeitada”.


Kamala Harris foi a primeira pessoa da administração democrata a apelar a um cessar-fogo, em momentos de escalada do conflito  no entanto, apenas menciona cessar-fogos temporários.


Quanto à solução dos dois Estados, esta tem sido mais frequentemente mencionada pela candidata, mas ainda não foram apresentadas políticas concretas para a realização da mesma.


Ucrânia e Rússia

Escolher entre Harris e Trump, relativamente a esta questão, é escolher entre deixar o país continuar a apoiar a Ucrânia durante “o tempo que for necessário” (como afirmado pela Casa Branca), ou pressionar a Ucrânia a negociar com a Rússia e acabar a guerra, mas sem ter recuperado a sua total integridade territorial.


O líder republicano já expressou, no passado, admiração pelo líder russo Vladimir Putin. Por outro lado, ridicularizou o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, apelidando-o de o “greatest salesman”2, numa alusão ao seu lobby para obter ajuda militar dos EUA.

Trump tem criticado a atual administração por ter enviado milhares de milhões de dólares para ajudar a Ucrânia: quando esta questão foi discutida no Congresso, no início deste ano, Trump defendeu uma política de empréstimos para a ajuda à Ucrânia, o que significaria que, eventualmente, Kiev teria de compensar os apoios concedidos. No entanto, num comício em junho, já afirmou que a ajuda à Ucrânia cessaria se ele voltasse ao cargo.


J.D. Vance, candidato a vice-presidente, tem adotado uma posição mais expressamente contra a Ucrânia: apelou por diversas vezes ao fim imediato dos apoios, e apresentou um plano de paz que implicaria que a Ucrânia concordasse em desmilitarizar todo o seu território controlado pela Rússia  não esclareceu quem ficaria com o controlo desse território , e concordasse com a neutralidade permanente. A Ucrânia teria, também, de dar garantias à Rússia de que não se juntaria à NATO ou a quaisquer outras instituições aliadas. As linhas gerais do plano apresentado por Vance são muito mais próximas da visão apresentada por Moscovo para pôr fim à guerra, do que da visão defendida pela Ucrânia e pela NATO.


Por outro lado, Kamala prometeu manter o apoio à Ucrânia e disse, em setembro, no debate contra Trump, que se ele “fosse presidente, Putin estaria sentado em Kiev neste momento”.


Kamala Harris está empenhada em prosseguir a política do seu antecessor, que consiste em apoiar militar, económica e politicamente a Ucrânia, e em manter a pressão das sanções contra a Rússia – às quais Trump se opõe. Até à data, a Administração de Biden concedeu 55,7 mil milhões de dólares em apoios para a defesa e segurança, e 175 mil milhões em ajuda económica.


No entanto, é discutida a adesão da Ucrânia à NATO: embora um número significativo de países-membros seja favorável à admissão quando a guerra terminar, Biden afirmou que o país não está preparado. É também debatido o tipo de armamento avançado que deve ser fornecido e se a Ucrânia pode utilizar armas de longo alcance para atacar o território russo. A cautela na questão das armas e da adesão à NATO é justificada pelo receio de uma escalada no conflito, que poderia envolver os Estados Unidos numa guerra direta com a Rússia.


China

Entre 2018 e 2019, a administração republicana adotou várias tarifas sobre produtos chineses, o que afetou em 360 mil milhões de dólares a economia chinesa. A administração democrata, que lhe sucedeu, manteve esta política, inclusive acrescentando tarifas sobre produtos como veículos elétricos, baterias avançadas, células solares, aço, alumínio e equipamento médico.


Em termos de diplomacia regional, a administração Biden focou-se em reforçar as relações com Estados aliados - especialmente o Japão, as Filipinas e a Austrália - e em estabelecer novos parceiros, como a Índia.


Harris afirma que a China é responsável pelo roubo de propriedade intelectual e por distorcer a economia global através de exportações injustamente subsidiadas. Assim, considera que a crescente influência da China é uma das principais ameaças à segurança nacional dos Estados Unidos, pelo que acredita que o autorreforço a nível interno, a coordenação com países aliados e uma diplomacia rigorosa são fundamentais para garantir que no “mundo das indústrias do futuro, são os EUA, e não a China, que ganham a competição”.


Tendo participado nos esforços da administração de Biden para reequilibrar a política externa dos EUA, o programa de Harris irá desenvolver esse legado, que inclui a abordagem tripla em relação à China já mencionada (investimento na capacidade a nível interno, alinhamento com aliados e parceiros e diplomacia rigorosa).


A previsão da abordagem da futura administração em relação a Taiwan é meramente especulativa, uma vez que a candidata não tem mencionado o assunto, mas o mais provável é uma continuidade em relação à política do atual presidente: um aprofundamento das relações económicas e reforço da cooperação em matéria de segurança e ajuda militar.


Ainda assim, a sua administração contemplará mudanças quanto à política herdada: no que diz respeito, por exemplo, ao controlo das exportações, deverá procurar trabalhar com grupos multilaterais de países com objetivos políticos convergentes, de modo a reforçar aspetos das atuais restrições que não estão a ter o efeito pretendido.


Trump mostra-se empenhado em acelerar a dissociação económica entre Beijing e Washington. A sua primeira administração e as suas declarações de campanha demonstram uma mentalidade transacional: o candidato subordina a concretização de outros objetivos, como reforçar as alianças e parcerias dos EUA na Ásia, e melhorar as condições dos direitos humanos na China, à verificação de uma relação económica mais equilibrada com Pequim.


As posições contraditórias do antigo Presidente quanto à sua relação com Xi Jinping e a sua posição sobre Taiwan, e no que diz respeito à sua opinião sobre a rede social TikTok revelam um certo risco de imprevisibilidade na sua política para com a China.


Mario Esteban, sinólogo especializado na política externa chinesa, alega que “uma administração Trump seria menos geopolítica do que uma administração Harris, e empurraria tudo muito mais para o domínio do protecionismo económico”.


NATO

A afirmação de que os Estados Unidos são o maior contribuinte para a NATO não é nova: enquanto estava na presidência, Donald Trump reiterou por diversas vezes que os Estados Unidos “pagavam a 100% a NATO”. No entanto, em 2023, o orçamento da NATO perfez um total de 3,3 mil milhões e a contribuição norte-americana limitou-se aos 521 milhões de euros, correspondente a 15,8% do total.


Na sua agenda política, Trump afirmou que, caso vencesse, iria terminar o processo iniciado durante a sua administração de “reavaliar fundamentalmente o objetivo e a missão da NATO”. A administração republicana defende que, para que os Estados Unidos continuem a participar na Aliança, os países europeus devem aumentar drasticamente o seu investimento.


Uma medida do plano de Trump para a NATO estabelece que os países-membros que não cumpram o objetivo de investir 2% do PIB na defesa nacional, não usufruirão “da generosidade da defesa e da garantia de segurança dos Estados Unidos”. Esta medida é uma clara violação do art. 5.º do Tratado do Atlântico Norte, que define que “um ataque armado contra uma ou várias partes (…) será considerado um ataque a todas, e, consequentemente, concordam em que, se um tal ataque armado se verificar, cada uma, no exercício do direito de legítima defesa (…) prestará assistência à Parte ou Partes assim atacadas, praticando sem demora, individualmente e de acordo com as restantes Partes, a ação que considerar necessária, inclusive o emprego da força armada, para restaurar e garantir a segurança.”.


Por outro lado, no seu discurso de encerramento de uma das convenções democratas, Kamala relembrou que o oponente não só ameaçou abandonar a Organização do Tratado do Atlântico Norte, como também encorajou Putin a invadir “quem quisesse” (estando em causa países que não respeitassem o investimento de 2% do PIB na defesa).


Caso Kamala Harris vença as eleições, os Estados Unidos continuarão a exercer um papel fundamental na NATO, e continuarão empenhados em cumprir o princípio “um por todos, todos por um”, estabelecido pelo art. 5º do Tratado.


Nos seus vários discursos de campanha, Harris tem-se posicionado como uma forte defensora desta cooperação multilateral: na Conferência de Segurança de Munique, enfatizou o compromisso dos EUA com a NATO, que apelidou d’“a maior aliança militar que o mundo já conheceu”. Foi a administração Biden-Harris que pressionou a recente aprovação das candidaturas de adesão da Finlândia e da Suécia à Aliança.


Maria Duarte Chagas

[1] Ajustados à inflação; entre 1951 e outubro de 2024

[2] “O maior vendedor do mundo”, referência ao best-seller de Og Mandino



Saúde

Considerando o impacto que estas eleições terão nas vidas não apenas dos americanos, mas também, eventualmente, dos europeus e do resto do mundo, cabe aqui ressaltar os principais programas dos candidatos para a saúde e, em especial, o tema que divide a opinião pública americana: o aborto. 


Historicamente, a questão do aborto era deixada à liberdade dos Estados federados. Entretanto, em 1973, foi proferida a célebre decisão do U.S. Supreme Court, Roe v. Wade, entendendo-se que se garantiria no Fourteenth Amendment o direito fundamental à privacidade, do qual se extrai o direito constitucional à interrupção voluntária da gravidez. Apesar dessa decisão ter sido reafirmada em 1992, a questão continuou a dividir os Estados, os políticos e a sociedade em geral. 


Em 2022, foi proferida a controversa decisão Dobbs v. Jackson Women's Health Organization, que revogou expressamente a jurisprudência fixada e obrigatória de Roe v. Wade, ou seja, entende-se agora que a Constituição americana não prevê qualquer direito ao aborto, sendo a questão reenviada à competência dos Estados. A decisão do Supremo Tribunal intensificou a tensão entre grupos pro-life e pro-choice. Se por um lado, 21 Estados apertaram as restrições quanto ao aborto ou chegaram praticamente a bani-lo, por outro lado, uma pesquisa da CBS News de agosto mostrou que 60% dos eleitores consideram que o aborto deve ser legal em todos ou na maioria dos casos. 


Face a tal situação, a candidata democrata, Kamala Haris, propõe a elaboração de uma lei federal que, finalmente, codifique o acesso ao aborto, já que tal não é garantido expressamente na Constituição americana. Todavia, o Congresso provavelmente não aprovaria uma lei federal garantidora do direito ao aborto, especialmente com uma possível maioria republicana no Senado. Para além disso, a democrata defende medidas de ampliação do acesso à contraceção, incluindo a cobertura de anticoncecionais gratuitos, assegurando assim direitos reprodutivos básicos.


Donald Trump, sobre o aborto, toma crédito pela decisão Dobbs (2022), visto que nomeou três dos juízes do Supremo Tribunal. No entanto, ele demonstra opiniões nem sempre lineares sobre o tema, defendendo que o assunto se mantenha na competência dos Estados, informa que não ratificará uma lei federal de proteção do aborto. Contudo, e consciente das opiniões de uma grande parcela eleitoral, promete vetar uma lei federal que banisse o aborto. Recentemente, declarou ser “protetor” das mulheres e criticou a proibição do aborto a partir da sexta semana de gestação (posta em vigor na Flórida em maio). Por fim, Trump e o Partido Republicano declaram que se oporão ao aborto tardio, apoiando as mães e políticas de cuidados pré-natais, o acesso ao controlo da natalidade e a fertilização in vitro e demais tratamentos de fertilidade. Parece que a sua posição quanto ao tema terá apenas os seus reais contornos na prática, se vencer as eleições.


Por último, para a saúde em geral, Harris assume como prioridades o combate ao aumento dos preços dos medicamentos e a extensão dos subsídios de prémios do Affordable Care Act (ACA)3, conhecido como Obamacare. Além disso, propõe que seja negociado com os estados um cancelamento de dívidas médicas de milhões de americanos. Com efeito, cerca de 8% de todos os adultos têm dívidas médicas, de acordo com uma análise da KFF4 de dados de 2021. Por seu turno, Trump propõe reformular o sistema de saúde no sentido de reduzir o papel do Governo e conceder mais autonomia aos Estados. Pretende também dar mais transparência aos custos hospitalares e limitar a abrangência do Affordable Care Act (ACA), promovendo, em alternativa, planos de saúde de baixo custo e de curto prazo, com cobertura mais básica e menos burocratizada.


Luiza Toniolo

 

[3] Estes subsídios foram implementados em 2021 e, para além de reduzirem os custos de planos de saúde para uma faixa ampla de pessoas, oferecem cobertura gratuita para alguns inscritos de baixa renda.

[4] A Kaiser Family Foundation (KFF) é uma organização americana de pesquisa independente que analisa políticas de saúde, informações e dados para ajudar o público e formuladores de políticas a entenderem questões de saúde pública.



Finanças públicas

O modus vivendi político contemporâneo há muito que nos induziu a uma postura de — tão atónitos quanto ansiosos — espectadores do cenário político, tático e eleitoral norte-americano, seja pela incompreensão de um fenómeno político de tal modo mediatizado e impregnado pelo meio empresarial e financeiro, seja pela estridência do processo, ou mesmo pelo colosso que se configura aquela que é tida como a maior democracia do mundo — tipificação que podemos questionar e afigurar àquilo que nos pode parecer não passar de uma economia em forma de Estado.


Sabemos também que se há questão delicada no seio das relações sociopolíticas é a questão tributária, originária aliás da mais sedimentada súmula da concessão parlamentar, a fórmula QOT (quod omnes tangit ab omnibus approbari debet)  e o que seria da já parca participação política dos portugueses no dia em que deixasse de ser esta a arte, ou artimanha, delineadora da proporção da mão que nos toma os bolsos? 


Não são assim tão diferentes os americanos; atentemos, pois, numa perspetiva comparatística das propostas atinentes à designada tax policy  a política de assunção de receitas, tributadas pelo Estado, a fim de suprir as despesas do erário público  apresentadas por Trump e Kamala Harris, e as consequências imanentes nas mesmas.

O esotérico multimilionário nova-iorquino, que desde cedo se apresentou como defensor do grande capital norte-americano e da autarcia económica e industrial do país, defende, como lage primária da sua construção financeira, a aplicação de uma taxa base de 10% a 20% a todas as importações, sendo de referir a cobrança de 60% do valor das mesmas quando provenientes da China encaminhando, assim, a geopolítica mundial, na sua vertente económica, para um confronto entre as 2 potências cimeiras  pretende ainda reduzir em torno dos 20 pontos percentuais os impostos de renda corporativos aos negócios, sobretudo quando produzem dentro dos EUA, medida esta que surge em simbiose com um vazio no campo da tributação sobre ganhos de capital e dividendos provenientes de investimento, bem como tornar permanentes os cortes de impostos imobiliários, fruto da Lei de Cortes de Impostos e Empregos de 2017. 


Não é, todavia, apenas aos investidores ou grandes empresários que se dirigem as suas propostas, constando destas um nítido apelo aos trabalhadores, com a isenção de tributação sobre o pagamento de horas extra ao expediente laboral, e dos designados benefícios de previdência social  prevendo “emagrecer” o já diminuto Estado social do país, em contraponto com o alargamento das condições para contração de crédito destinado a cuidados familiares. 


Kamala Harris, conotada pela sua oposição a movimentos marxistas, fruto da sua relação de filiação e da campanha de consolidação do assistencialismo social que propõe, apresenta uma via alternativa, alargando o enfoque já desenhado pela administração Biden, com compromissos como o aumento da renda corporativa sobre impostos em 28 pontos percentuais e no mesmo valor para lucros de investimentos e dividendos superiores a 1 milhão de dólares ou de 5% sobre o rendimento de investimento líquido superior a 400 mil dólares, deixando, além deste ónus sobre o tecido empresarial e financeiro, uma margem de conformação nos campos comercial e aduaneiro, alegadamente fruto da situação de tensão e conflitos conjuntural. 


Relativamente às famílias, surgem apoios ao pagamento de despesas de habitação, numa tentativa de colmatar o desenfreamento do mercado e os despejos, mesmo de famílias de classe média nas grandes urbes, a par da anulação da tributação sobre o aluguer e a construção, ideias estas que surgem apoiadas no alargamento das condição de contração de crédito para o mesmo fim, ou dos designados créditos infantis, que a candidata procura alargar, permitindo a assunção dos mesmos a fim de assegurar o cuidado e despesa com crianças mais velhas; por seu turno, os designados créditos premium, ou de investimento serão onerados com impostos a estatuir, com o contrapeso do programa “America Forward”, um conjunto de empréstimos disponíveis para aplicação nos campos da investigação tecnológica, científica e industrial (re)alavancando a economia e o progresso americanos. 

Alea iacta sunt! Saibam os norte-americanos decidir a verdadeira sorte destes dados  não sejam equívocos, nos líquidos dias que viveremos, como nos alertou o poeta Daniel Faria!

 

“Há homens a abrir as mãos como livros. 

(…) E nem sempre abrem a porta de quem está em sua casa”


Bruno Martins


Lobby

A autonomia do poder político face ao poder económico (ou qualquer outro) é uma característica teórica fundamental do Estado de Direito moderno. Ainda que assim seja, a influência dos operadores económicos exercida no seio das tomadas de decisão por parte dos órgãos do poder político é incontornável, sendo que, no caso dos EUA, levou à sua regulamentação no “Lobbying Disclosure Act”, datado de 1995. A finalidade do diploma é trazer transparência aos processos de pressionamento dos agentes políticos legislativos e executivos do estado federal por parte de lobistas corporativos e associativos, bem como de ONGs. Com efeito, prevê-se o registo de lobistas de maior poder económico, o registo das suas actividades lobistas, o esclarecimento quanto a quais entidades representadas naquele contacto de intuito lobista e, ainda, o acesso público a estes dados.


A lei, aprovada com uma larguíssima maioria nas duas câmaras representativas, transmite o forte e unívoco reconhecimento da legitimidade do lobbying nos EUA, mas também da necessidade de regulamentação por mútuo consenso entre os dois maiores (e relevantes) partidos. Sendo a interferência destas duas esferas de poder reconhecida pela classe política estadunidense, falta discernir como e com que extensão.


1.    O preço das campanhas

O opensecrets.org, uma ONG não lucrativa, estima que o custo da eleição de 2024 ultrapasse já os 15 mil milhões de dólares. Há alguma heterogeneidade no valor e na natureza dos doadores registados entre partidos. O partido republicano angaria menores valores, relativamente, mas com uma capacidade superior de mobilizar o financiamento de empresas e outras sociedades privadas. Já do lado dos Democratas foi angariado mais dinheiro, sendo menores os contributos em nome colectivo.


 


2.    Posição das candidaturas

TRUMP-VANCE:

O ex-presidente tinha criticado Obama pela insuficiência de uma decisão de 2009 que limitava por 2 anos a saída do cargo, o acesso ao lobbying e ao recurso a portas giratórias (isto é, a utilização de cargos públicos para benefício das actividades profissionais ou empresariais desenvolvidas anterior ou posteriormente ao seu exercício) por parte dos funcionários do governo. Por esse motivo, no 8.º dia da sua presidência, Trump aprovou novas regras de limitação do lobbying, alargando o período de nojo para 5 anos. Acontece que, num dos últimos actos antes de deixar a casa branca, Trump revogou tal decisão, devolvendo aos seus funcionários governamentais a permissibilidade de participar em actividades lobistas de imediato. Tal aconteceu com Jim Bridenstine, o mais alto responsável da NASA durante a última administração republicana, que se registou recentemente como lobista.


Trump caracteriza, todavia, o cenário político de Washington como um “pântano infestado de lobistas” que visa limpar, na sua retórica centrada contra os interesses instalados no estado para a eleição de 2024.


JD Vance surge num episódio do podcast “This Past Weekend”, datado de 21 de Outubro, a defender que Washington, pré-2016, era gerido por lobistas que temiam a eleição de Trump, por ser um homem independente e de difícil influência, devido à novidade no exercício dos cargos políticos. O candidato a “vice” criticou a ingerência em demasia destes grupos, nomeadamente através do recurso ao ataque instrumentalizado dos meios de comunicação social, mas reconheceu a inevitabilidade das decisões políticas passarem pela sua influência.

 

HARRIS-WALZ

O histórico de Harris é o de negar fundos provenientes de grupos lobistas para financiar a sua campanha em 2020. No entanto, segundo o jornal online “The Intercept”, muitos dos candidatos congressionais e senatoriais, incluindo Harris, acabaram por aceitar esse dinheiro, o que, verificando-se, fez com que esse financiamento tenha chegado aos Democratas. A mesma recusa de fundos lobistas não foi, todavia, repetida quanto às eleições de 2024.

A candidata à presidência defende, na presente campanha, maior transparência e maior regulação àquilo que diz ser a “influência das grandes empresas” nos decisores políticos, identificando especial relevância nos sectores da protecção climática e da saúde.


Tim Walz impôs algumas limitações às doações feitas à campanha democrata aquando da sua escolha para substituir Harris na candidatura. O governador do Michigan quereria restringir o fenómeno “pay-to-play”, no qual um operador económico troca financiamento a um partido político pelo tratamento preferencial por parte dos governantes eleitos, e.g., na celebração de contractos públicos.


EM COMUM

Ambas as candidaturas alertam para o perigo da ingerência do poderio económico na acção política. Todavia nenhum dos candidatos faz qualquer menção expressa nos seus programas ao fenómeno lobista ou semelhante, sendo um tema remetido para plano secundário e abstracto nos seus discursos políticos e com menções pouco concretizadoras. Ambas as campanhas recebem e aceitam fundos de Political Action Committees — organizações de angariação de fundos para as candidaturas eleitorais — cujas actividades são alvo de restricções, segundo as regras de transparências e limite ao montante doado exigidas pela Federal Election Comittee*. No entanto, estas directrizes têm sido alvo de críticas por permitirem a dissimulação de fundos através da pulverização de donativos na complexa estrutura destes organismos.

 

*Neste sentido, releva o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça dos EUA Citizens United v. Federal Election Commission, 558 U.S. 310. O processo aprecia leis restrictivas do financiamento de campanhas eleitorais à luz da Primeira Emenda, quanto à liberdade de expressão. A decisão veio a alargar a possibilidade de financiamento das campanhas através de organismos colectivos.

 

José Miguel Barbosa

O autor escreve segundo o anterior acordo ortográfico.

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