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Foto do escritorGuilherme Alexandre

Em que é que (boni)ficamos?

As Associações de Estudantes da FDUP, EDUM e FDUCP consideram injustas e ilegais as normas que preveem bonificações nas classificações finais em seis Faculdades de Direito do país. Face a este descontentamento, interpuseram uma ação administrativa de impugnação dos regulamentos de avaliação das mesmas.


Cumpre, antes de mais, esclarecer o que são bonificações. Este conceito vem dar resposta ao cumprimento de certos critérios, como terminar um ano letivo sem unidades curriculares em atraso, sendo, por isso, atribuído ao estudante um bónus na sua classificação. Isto acontece para todos os estudantes da respetiva faculdade, não se tratando de algo corrupto e casuístico, mas que não reflete as reais avaliações de conhecimentos, nem encontra paralelo em Faculdades de Direito como as que se pronunciam contra as bonificações.


Os proponentes argumentam que as bonificações constituem uma injustiça no acesso a estágios e a empregos, que por vezes têm a média por único ou principal critério. Segundo Ricardo Magalhães, em comentário ao JN em 2017, a média em Direito é mais importante que noutras áreas, dizendo que «nos anúncios do Banco de Portugal, um dos critérios eliminatórios (…) é ter [menos de] 14 valores».

Do outro lado, encontram-se a Universidade de Coimbra e as seguintes Universidades de Lisboa: Católica, Lusófona, Lusíada, Clássica (FDL) e Nova (FDUNL ou NOVA School of Law), todas elas contemplando algum tipo de bonificação no seu regulamento de avaliação. Seguem-se dois exemplos ilustrativos:


Segundo o Regulamento de Avaliação da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, nos seus artigos 41.º e 42.º, um estudante que termine a licenciatura sem ser reprovado a nenhuma unidade curricular, pode ver a sua classificação aumentada, no máximo, num valor.

Na NOVA School of Law, importa o artigo 33.º/1 do Regulamento, em que: «A classificação final da licenciatura calcula-se com base na média aritmética ponderada, arredondada até às centésimas, das 29 mais elevadas classificações atribuídas nas disciplinas em que o estudante obteve aprovação na FDUNL»

Através deste método, removendo as notas mais baixas, corrige-se um dos efeitos nefastos do uso da média para aferir estatísticas: a média é facilmente afetada pelos extremos, quer negativos, quer positivos. Ao remover do cálculo algo tão impactante, é normal que se criem disparidades face a outras instituições que utilizam todas as classificações para o cálculo final, visualmente representadas nos seguintes gráficos (disponíveis aqui), relativos aos anos letivos 2017/2018 e 2018/2019:


Gráfico 1: Faculdade de Direito da Universidade do Porto

Gráfico 2: Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Gráfico 3: Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa

Assim, falem mais alto os factos do que a desinformação, não será verdade que as faculdades que optam por não prever bonificações sejam faculdades em que já é fácil ter classificações elevadas, uma vez que, nos mesmos anos em que se alcançaram vinte classificações de 17 valores e quase dez notas de 18 valores na FDUNL, alcançaram-se, na FDUP, menos de cinco notas de 17 valores.

Apesar destas disparidades, uma investigação da DGES e da Inspeção Geral do Ensino Superior concluiu não haver qualquer ilegalidade e afirma que, ao abrigo da autonomia das instituições do Ensino Superior, todas as faculdades podem tomar medidas idênticas.


Porém, não existindo limites expressos a esta autonomia, quanto mais é demais? Quão longe poderá ir uma Faculdade para dotar os estudantes de classificações mais competitivas, ainda que progressivamente mais desligadas da realidade da avaliação de conhecimentos?

Vejamos o que nos diz a Lei n.º 62/2007, que consagra o Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior:


Enquanto no artigo 74.º se afirma que «A autonomia pedagógica confere às instituições de ensino superior públicas a capacidade para (…) escolher os processos de avaliação de conhecimentos», no art. 26.º/1/d), respeitante às atribuições do Estado, é dito que «Incumbe ao Estado (…) Garantir o elevado nível pedagógico, científico, tecnológico e cultural dos estabelecimentos de ensino superior». De facto, sabemos que esta autonomia tem base constitucional, mas analise-se a base, consagrada no artigo 76.º/2 da Lei Fundamental: «As universidades gozam, nos termos da lei, de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira, sem prejuízo de adequada avaliação da qualidade do ensino».


Não existe Direito sem Sociedade, e o Direito tem que evoluir e adaptar-se a esta. Estando em causa «a adequada avaliação da qualidade do ensino», além das demais questões de igualdade e justiça, e se a lei vigente o permite, impõe-se que seja debatida a lei. Apresenta-se importante entender quais os limites dessa «capacidade para (…) escolher os processos de avaliação de conhecimentos» para melhor considerar o que será justo. Isto, se aceitarmos o pressuposto de que as bonificações fazem parte da avaliação de conhecimentos e não apenas de um mecanismo externo a esta para inflacionar as notas e garantir a referida vantagem competitiva aos estudantes.

Há preocupações que não podem, no entanto, ficar fora da discussão, mas que fogem também do âmbito deste artigo, nomeadamente: tetos de notas máximas, fruto da mentalidade da docência; dificuldades em compreender, por vezes, o racional por detrás de uma classificação e, ainda, unidades curriculares em que «todos somos corridos a 12».

No caso da FDUC, lê-se no JN, esta prática pretende compensar a «existência de uma cultura institucional avessa a dar boas notas nos primeiros anos do curso». Estas acabam por ser algumas das justificativas dos estudantes e das faculdades que atribuem bonificações para que estas se mantenham, ou seja, são vistas como uma mera atenuante de um sistema ele próprio injusto e com o seu quê de arbitrário.


Mas passará a solução por todas as faculdades seguirem o exemplo das bonificações? Se sim, devem ser seguidos regimes iguais ou mais competitivos? Qualquer que seja a visão de cada um, urge não nos deixarmos polarizar e dividir, caindo na desinformação e ofensa, mas sim discutir soluções comuns e baseadas nos factos, pois só com bom senso podemos chegar ao consenso.

1 comentário

1 Comment


juliana.cardoso8g
Nov 18, 2021

Excelente artigo. Uma visão crítica e sensata! Parabéns, Guilherme. 👏

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