A concept by Miley Cyrus
Plastic Hearts (2020) foi, como costuma dizer a sabedoria popular, “dar um passo atrás para depois poder dar dois passos à frente”. Apesar de ter sido um bom álbum (relativizável), a verdade é que não passou de uma mera (e forçada) tentativa de reunir, de forma incongruente, todas as suas facetas musicais (country, pop, R&B e rock). “Without getting into all the drama, all the ups and downs of my career — we have all seen them [...]” (Mariah Carey, Billboard Music Award 2019), Plastic Hearts foi o ponto de viragem para uma nova era.
Três anos mais tarde (2023), Flowers foi a wrecking ball — e não apenas um banger como Bangerz (2013) — perfeita para lançar Endless Summer Vacation. O novo álbum foi a oportunidade para Miley Cyrus se reinventar como artista e, acreditem, ela agarrou-a: agora (e mais do que nunca), há um propósito na sua música, and she knows it.
Dividido em dois segmentos, como se de dois atos se tratassem, Endless Summer Vacation, com uma certa atmosfera misteriosa, dá-nos simultaneamente uma oportunidade de recomeçar (“AM”) e uma oportunidade para explorar um outro lado desta vida (“PM”). Para mim, é uma porta entreaberta para um mundo novo, desprendido das amarras do passado.
Flowers
“I can buy myself flowers / Write my name in the sand / Talk to myself for hours / Say things you don't understand / I can take myself dancing / And I can hold my own hand / Yeah, I can love me better than you can”. Flowers é a primeira faixa do álbum e introduz o segmento “AM”. Novo dia, novo eu. É-nos dada uma segunda oportunidade de recomeçar, de viver outra vez, e o mundo lá fora está à nossa espera. Com um ritmo pop, constante e energético, Flowers dá-nos todas as ferramentas para enfrentarmos todos os desafios que se afigurem perante nós.
Jaded
“Oh, isn't it a shame that it ended like that? / Said goodbye forever, but you never unpacked / We went to Hell, but we never came back”. Jaded faz-nos descer à Terra com um beat mais suave, melancólico, introspetivo e até mesmo nostálgico. Abre espaço para um momento de reflexão, para que nos perguntemos sobre aquilo que ficou por dizer ou por fazer. Todos cometemos erros, todos passamos por maus momentos. O importante é que sejamos capazes de o reconhecer e de curar as feridas que carregamos.
Rose Colored Lenses
“We could stay like this forever, lost in wonderland / With our head above the clouds, falling stupid like we're kids”. Rose Colored Lenses, ainda envolta numa atmosfera de nostalgia, transporta-nos para um state of mind transcendente, num upbeat incrível, com um sentido mágico de humanidade e de eternidade.
Thousand Miles
“I'm not always right, but still, I ain't got time for what went wrong / Where I end up, I don't really care / I'm out of my mind, but still, I'm holding on like a rolling stone / A thousand miles from anywhere”. Thousand Miles, enquanto quarta faixa, dá continuidade ao ambiente que Jaded e Rose Colored Lenses nos têm transmitido. Nesta fase, somos capazes de perceber Miley Cyrus enquanto uma artista madura e sábia: Com uma melodia intrincada e ao som de uma harmónica, faz-nos incorporar um estado absoluto de abstração, distantes de um mundo confuso, doloroso e perdido.
You
“I want that late-night sweet magic, that forever-lasting love / But only if it's with you”. You é o reflexo de Miley Cyrus enquanto artista: íntegra, humana, pura e cristalina.
Handstand
“I wish I could crawl inside your heart / Take you captive and then sail away”. Handstand traça o fim de “AM” e dá início ao segundo segmento, “PM”. A sexta faixa é o upside down perfeito do álbum e percecionámo-lo com uma intro elétrica, submundana, retro e psicadélica. “PM” traz consigo a noite, que, por um lado, é o momento ideal para descansar e recuperar, mas, por outro, é o verdadeiro momento para sair, para explorar a faceta mais selvagem, glamourosa e problemática desta vida.
River
“I got a new dress just to meet you downtown / Can you walk me through the park just to show it off? / I can pull my hair back in that tight way that you like / If you wrap me in your arms and never stop”. River é o expoente máximo de “PM”. Carrega consigo um ritmo funky, sexy, nasty e é um verdadeiro dancefloor banger. Em certa medida, é uma combinação perfeita e bem concretizada de You Spin Me Round (Like a Record), dos Dead or Alive, e de Love My Way, dos The Psychedelic Furs.
Violet Chemistry
“Tonight, we'll just be wrong, ain't done this in so long / We ain't gotta talk, baby, we'll keep the stereo on”. Violet Chemistry é, sem sombra de dúvidas, a faixa mais cool do álbum. Com um beat voltado para o electro-pop, temos como premissa principal um amor que, com todas as certezas, não vai correr bem, mas que, apesar de ser uma má ideia, faz valer a pena os riscos que se vão cometer. E talvez a vida seja isso mesmo: o típico “one single shot” — ou agarramos a oportunidade que nos é dada, mesmo com todos os “senãos”, ou, então, perdêmo-la para sempre.
Muddy Feet
“I don't know / Who the hell you think you're messin' with / Get the f*** out of my house with that shit”. Muddy Feet faz despertar, quase num grunge, uma personalidade poderosa e implacável, disposta a enfrentar todos os problemas que a vida nos possa apresentar. Trata-se, precisamente, de ganhar as forças necessárias para agir, para nos impormos, para fazermos valer quem somos.
Wildcard
“I'm a wildcard, oh-ooh / Forever may never come”. Wildcard, apesar de abordar a possibilidade de um relacionamento futuro em que só se admitirá um “tudo ou nada”, a verdade é que essa posição pode ser transportada para a nossa vida, em especial na de Miley Cyrus enquanto artista. Na décima faixa, vêmo-la afirmar-se como um wildcard, disposta a fazer o impossível na medida do possível, disposta a fazer tudo para, agora, fazer valer a pena todos os riscos em que incorreu (Violet Chemistry). Há muito trabalho pela frente (mais uma vez, chega de bangers!), mas o final será garantidamente recompensador.
Island
“Am I stranded on an island? / Or have I landed in paradise?”. Island é, de certo modo, uma concretização de Wildcard, o estágio final do trabalho que foi levado a cabo. Nesta faixa, com um beat sereno, doce e lento, deslocamo-nos mentalmente para um paraíso, distante deste mundo.
Wonder Woman
“She makes sure that no one's 'round to see her fall apart / She wants to be thе one that never doеs”. Wonder Woman, a décima primeira faixa, é o momento mais vulnerável de Miley Cyrus. Aqui, facilmente captamos a sua força interior e o seu sentido de resiliência. O piano e a voz rouca no seu estado mais puro (o que contribui para uma maior intimidade e conexão), permitem-nos refletir sobre a imagem que passamos para o exterior: nem sempre somos uma pessoa indestrutível e inabalável. Por muito que o escondamos, um dia haveremos de desmoronar, porque não somos feitos de ferro, somos humanos — e fomos programados para cair.
Flowers (Demo)
“I can buy myself flowers / Write my name in the sand / Talk to myself for hours / Say things you don't understand / I can take myself dancing / And I can hold my own hand / Yeah, I can love me better than you can”. Flowers (Demo) encerra Summer Endless Vacation com a mítica chave de ouro. Se no “AM” tínhamos uma faixa energética, no “PM” temos uma faixa stripped, despida e íntegra.
No início ou no final do dia,
Yeah, you can love you better than he/she can. ;)
Francisco Paredes
Departamento Cultural
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