Endogamia académica
- Benedita do Amaral
- 23 de mai. de 2023
- 3 min de leitura
Terão as Universidades Públicas portuguesas medo do que lhes é estranho?
Do ponto de vista antropológico, a endogamia é definida como o “enlace patrimonial entre pessoas que pertencem ao mesmo grupo familiar, social, ético [e] religioso.” No contexto universitário, a endogamia académica (do inglês, academic inbreeding) diz respeito a situações de imobilidade profissional em que um docente desenvolve a sua atividade de investigação e docência na mesma instituição em que obteve a sua formação académica original.
Tipicamente, a endogamia académica é avaliada mediante o apuramento do peso dos professores que lecionam na instituição em que obtiveram o respetivo doutoramento. De um modo geral, este fenómeno ocorre em prol da deturpação dos concursos para a ocupação de lugares na docência. Na realidade, muito embora estes concursos sejam abertos à comunidade em geral (e partindo-se do princípio que qualquer pessoa que reúna os requisitos exigidos possa exercer uma carreira de docência no Ensino Superior), assiste-se a uma prevalência sistemática dos candidatos internos às Universidades, penalizando-se a escolha em função do mérito.
Dados estatísticos
Recuando no tempo, em 2017 Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) concluía que no ano letivo de 2015/2016 as universidades públicas portuguesas apresentavam 70% de endogamia académica, destacando-se em primeiro lugar a Universidade de Coimbra (80%) seguida das Universidades de Lisboa e dos Açores, que ocupavam o segundo lugar (74%). Finalmente, em terceiro e quarto lugares encontravam-se, respetivamente, as Universidades de Trás-os-Montes e Alto Douro (73%) e do Porto (72%).


No passado mês de março, a DGEEC voltou a divulgar novas conclusões sobre este fenómeno respeitantes ao ano letivo 2021/2022. Verificou-se que, embora volvidos seis anos, o nível de endogamia manteve-se quase inalterável, registando-se apenas uma ínfima diminuição de 2 pontos percentuais (68%). De igual modo e no âmbito da percentagem interna de endogamia, constatou-se uma imutabilidade em relação às primeiras posições ocupadas pelas Faculdades públicas. Assim, a Universidade de Coimbra permanece em primeiro lugar (78%) e a Universidade de Lisboa em segundo (75%), ao passo que em terceiro lugar surge, agora, a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (73%) e em quarto manteve-se a Universidade do Porto (72%).

Efeitos decorrentes
Parece evidente que a constante substituição do corpo docente das universidades pelos seus alumni (em latim, “ex-alunos”) facilita a perpetuação de uma só corrente de pensamento já que a relutância em relação ao acolhimento de “estrangeiros” é um entrave bastante à propagação de diferentes formas de pensar vários assuntos, tais como o método de lecionação, perspetivas para o futuro da Universidade enquanto instituição etc. Desta forma, e porque as Universidades acabam por ser raramente confrontadas com a necessidade de mudança, também a qualidade do ensino e a inovação ficam comprometidas.
Não obstante a clara estagnação do ensino superior, o investigador Hugo Horta alerta para a possibilidade de inversão deste fenómeno através da implementação de “processos de recrutamento académicos, transparentes, claros, públicos e com regras que não sejam alteradas em qualquer altura do processo e que não sejam muito pesadas em termos de burocracia.”
Conclusões
Curiosamente, estes estudos vieram comprovar que as universidades públicas com maiores níveis de endogamia académica são também as mais antigas e prestigiadas em Portugal. Por isso, parece que se pode concluir que o prestígio das grandes Universidade é adverso à mudança, ao diferente e ao que é novo, assim mantendo o Ensino Superior agarrado ao exemplo de um passado algo distante.
Benedita do Amaral
Departamento Mundo Universitário
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