ENTREVISTA DO DIA INTERNACIONAL DOS ESTUDANTES
Há 85 anos, no dia 17 de novembro, tropas nazis invadiam a sede da Federação Central de Estudantes Checoslovacos. Neste dia, sete estudantes foram assassinados e vários outros foram levados para campos de concentração. Mas, então, porque é que celebramos este dia?
Apesar da tragédia que ele comporta, este evento revela-nos, também, aquilo que era a essência de um Estudante: lutaram por si e pelo que acreditavam. Esta alma revolucionária tem caracterizado os estudantes ao longo da história, seja em França, em maio de 1968, seja em Portugal, quando no ano seguinte se viveu a crise académica. É por todos estes estudantes - e muitos outros - que, desde 1941, se celebra o Dia Internacional dos Estudantes. Agora resta-nos saber... e, atualmente, o que é ser estudante?
Para responder a esta questão, o Jornal Tribuna questionou seis estudantes sobre as suas experiências: Daniela Ferreira, trabalhadora-estudante, a frequentar a licenciatura de direito na FDUP; Fábio Carvalho, estudante da licenciatura de Sociologia na FLUP; Inês Valente, estudante atleta, a frequentar o curso de medicina no ICBAS; Margarida Pereira, estudante da licenciatura de Educação Básica na ESE; Mariana Marques, estudante da licenciatura de criminologia na FDUP; e, Pietro Pendolino, estudante da FLUP, através do programa Erasmus.
Acreditas que, nos dias de hoje, esse papel insubmisso do estudante ainda se mantém?
Pietro Pendolino: Com certeza que sim. O papel do estudante continua a ser o de defensor de causas nobres e progressistas, e acho que devemos reconhecer isso, especialmente depois da incrível participação na questão do conflito entre a Palestina e Israel.
Inês Valente: Acho que se perdeu em parte essa vertente do estudante, embora não totalmente – exemplo disso são as manifestações que ocorreram na Faculdade de Ciências, em solidariedade com a Palestina. Existiram vários fatores que contribuíram para esta perda, mas penso ser importante assumirmos uma voz em temas importantes para a sociedade.
Fábio Carvalho: Em parte, sim. O estudante, enquanto jovem, costuma assumir uma visão diferente do mundo, uma vontade de mudança. Contudo, acho que depende um pouco da área onde os estudantes se inserem. No meu curso (Sociologia), sinto que há uma maior ligação ao ativismo, ao ato de manifestar e colocar em causa o "status quo", especialmente pelo viés marxista existente no currículo. Noutras áreas menos politizadas ou mais pertencentes ao "sistema", creio que a alma revolucionária seja mais fraca ou até inexistente.
Mariana Marques: Na minha opinião, o espírito revolucionário, progressista e defensor dos estudantes ainda se mantém nos dias de hoje, mesmo que seja de uma forma mais discreta. A meu ver, o conhecimento abre portas para conseguirmos preservar os direitos que antes foram conquistados e que não se podem tomar por garantidos. Por isso mesmo, os estudantes, especialmente os universitários, têm um papel importante na preservação desses direitos, mostrando a sua oposição em situações que possam ameaçar os mesmos. Acho que, cada vez mais, lutamos para que todos tenham a possibilidade de estudar. Mesmo dentro da universidade há, por exemplo, grupos feministas que ajudam a preservar os direitos das mulheres. São, também, muitas vezes, realizadas palestras que alertam para temas muito importantes da sociedade no contexto universitário.
Se a tua vida enquanto estudante terminasse hoje, qual é aquela memória que guardarias eternamente?
Daniela Ferreira: Apesar de saber que isto é muito romantizado e não é necessariamente uma experiência geral, eu tive a sorte de, na faculdade, encontrar um círculo de amigos muito próximo e muito forte, que gosto muito e com o qual tenho uma grande ligação. Acho que qualquer momento que tenha passado com eles, seja em atividades académicas ou fora delas, são momentos que me vão ficar para a vida.
Pietro Pendolino: Essa é uma excelente pergunta. Acho que uma memória que guardarei para sempre será o vínculo com os meus colegas extremamente talentosos. Criar uma relação assim forte pode salvar-nos a vida e tornar a experiência na universidade incrível.
Margarida Pereira: Sinceramente, não consegui reconhecer logo a sorte que tinha por poder estudar na faculdade e, principalmente, por conseguir estudar aquilo que gosto. Mas, além disso, é das amizades que guardo e guardarei mais memórias. Seja nos grupos de trabalho em que muitas vezes até era forçada a ficar, seja também em tardes de estudo bem acompanhadas. Ainda que recorde momentos muito maus, tenho excelentes memórias repletas de gargalhadas!
Infelizmente, a vida académica não dura para sempre, o que é que esperas dos anos que se seguem?
Fábio Carvalho: A vida académica é, sem dúvida, uma das experiências mais marcantes de qualquer estudante. Espero que os anos que se seguem continuem a significar imensa aprendizagem, independência e, fundamentalmente, momentos felizes. O futuro pós-académico? Como diria a minha avó, a Deus pertence. Pode parecer clichê mas a verdade é que devemos aproveitar ao máximo a nossa juventude e, especialmente, os anos na Academia.
Inês Valente: Depois do término do mestrado espero conseguir empregar-me facilmente e ter uma flexibilidade de horário que me permita conciliar o emprego com outras coisas que quero ter na minha vida.
Mariana Marques: Nos anos que se seguem, idealmente, estarei a trabalhar na área que estudei, apesar de ter noção de que às vezes pode ser complicado, porque sinto que o curso de criminologia ainda não é muito reconhecido, especialmente em Portugal. Contudo, segundo o que os professores dizem, esta questão é algo que tem vindo a melhorar, sendo que a maioria dos estudantes de criminologia, atualmente, conseguem arranjar emprego na área. Penso que o curso me prepara bastante bem para futuramente ser uma boa profissional.
Durante anos, acreditamos que escolher o curso é definir o futuro, mas muitos estudantes, mesmo após a escolha, ainda se questionam: Quem sou? E o que realmente quero? Identificas-te com essas inquietações?
Daniela Ferreira: O curso não é uma certeza, é um panorama. A escolha profissional nem sempre traduz o que somos. Claro que, quando escolhemos um curso, podemos ter uma certa noção do que queremos para o futuro, mas há tantas variáveis, – especialmente, em direito – somos tão novos quando escolhemos o curso e tão novos durante o curso. Mas acho que, por vezes, a dúvida não é tanto sobre o curso em si: ter estas inquietações é uma coisa da vida.
Fábio Carvalho: Sim. Sou um dos vários casos de estudantes que não entraram na 1ª opção, mas mantenho-me no curso que me escolheu. Apesar disso, ainda me pergunto: "será que realmente pertenço aqui?" ou "o que é que eu vou fazer com isto?". Acredito que as inquietações sejam perfeitamente normais, especialmente neste começo da vida adulta, pois o futuro é incerto e deixa-nos inquietos. Também nos devemos lembrar que, inúmeras vezes, não seguimos caminhos profissionais com o curso que concluímos. Independente das nossas dúvidas, devemos manter o esforço e a dedicação e garantir que nos tornamos pessoas cada vez melhores.
Mariana Marques: A meu ver, nenhum percurso tem de ser linear. Eu própria tenho um percurso académico um pouco peculiar. No secundário, segui música clássica e, antes de vir para o curso de criminologia, ingressei em música, variante de composição, na ESMAE. Apenas estive lá um semestre, pois percebi que já não era o que eu queria fazer no meu futuro profissional, apesar de ser algo que ainda gosto muito de fazer. Por isso, decidi, finalmente, mudar para criminologia, algo que eu já vinha a pensar desde que fui para o secundário, e não poderia estar mais satisfeita com a decisão. Muita gente ficou um pouco confusa quando falava sobre isto, já que são cursos que não têm nada em comum. Contudo, uma pessoa pode ter gostos bastante diversos e não nos devemos limitar a seguir apenas uma área na nossa vida, até porque somos demasiado novos e é completamente normal não termos certezas. Acho que, a partir do momento em que não nos sentimos bem no curso em que estamos, devemos arriscar e mudar, pelo menos, quem tiver possibilidade para o fazer.
Dizem que ser estudante são "os melhores anos da tua vida", mas são várias as estatísticas que nos mostram um outro lado: 79% dos estudantes sofrem um acentuado declínio da sua saúde mental durante o primeiro semestre e, pelos mesmos motivos, 4 em cada 10 estudantes já ponderaram interromper ou abandonar o Ensino Superior. De que modo é que consegues lidar com todo o stress e ansiedade que o ensino superior acarreta?
Daniela Ferreira: Aqui, acho que o “ser estudante são os melhores anos da tua vida” é um cliché de que tanto se fala, muito também, por causa do academismo. Mas ser estudante é realmente muito stressante, ainda para mais, com um emprego envolvido. Esta é, também, uma fase onde nós começamos a crescer, a ser adultos, e temos de lidar com toda essa mudança e pressão que acarreta o facto de as coisas serem mais sérias, de estarmos efetivamente a trabalhar para o nosso futuro profissional, de lidar com algumas despesas ou afastarmo-nos de casa. Tudo isto são inquietações muito normais e sei que 90% das pessoas do meu círculo se identificam também com elas. A instabilidade mental, especialmente numa fase de adaptação, é muito grande. Cada vez mais se têm tomado medidas para tentar melhorar esse problema, mas ainda é uma realidade muito presente: ser estudante às vezes é muito solitário.
Margarida Pereira: Ainda estou à procura da fórmula mágica que me ajude a lidar com os momentos de ansiedade e stress! Este é um tópico com que eu já tenho lidado desde o meu 10º ano: já passei por fases muito difíceis, mas acredito que ao longo dos anos, com o devido acompanhamento de um psicólogo, tenho aprendido a dominar melhor este meu lado. Vivemos numa era em que tudo acontece muito rápido e em que temos de responder igualmente rápido de forma a acompanhar a velocidade a que o mundo anda! Entre faculdade, atividades extracurriculares, responsabilidades e vida pessoal, acredito que a saúde mental fica sempre um pouco posta de parte, considerando, ainda, que não há o devido acompanhamento e cuidado psicológico para os alunos, de forma acessível! Acredito que o que me tem ajudado mais é organizar bem o meu tempo. Ainda assim, já pensei em interromper os estudos para poder focar-me nos meus sonhos e na minha saúde mental! Dizem que estes anos “são os melhores anos da nossa vida”… pois bem… então comecem por nos dar tempo e espaço para viver, para descobrir quem realmente somos e quem queremos ser!
Inês Valente: No meu caso, o futebol ajuda-me nesse aspeto porque me permite abstrair, durante o período de treino ou de jogo, do stress e ansiedade associados aos estudos e, depois, claro que volto com uma disponibilidade mental muito maior para estudar e encarar as coisas. Mas é inegável que existe algum stress e ansiedade associados e que a saúde mental dos estudantes está fragilizada. Por isso, faria todo o sentido mudar algumas coisas para que estes problemas diminuíssem.
Se tivesses de definir o que é ser estudante numa palavra, qual seria? (Porquê?)
Pietro Pendolino: Pela minha experiência pessoal, escolheria a palavra “descoberta”. Ir para a universidade é o primeiro passo que damos para aceder ao mundo adulto. Ainda nos sentimos como adolescentes, mas, à medida que iniciamos esta nova experiência, descobrimos, diariamente, muitos aspetos diferentes sobre nós mesmos.
Mariana Marques: Para mim, ser estudante é “enriquecedor”. Penso que obter conhecimento, sobretudo sobre a área que gostamos, é das coisas mais enriquecedoras que pode haver e, também, um privilégio.
Margarida Pereira: “Aprendizagem”. Não só a nível teórico e académico, mas também acredito que ser estudante é aprender sobre a vida e sobre nós mesmos, sobre o que nós queremos ser, com quem é que queremos estar e em que mundo é que queremos viver!
Inês Valente: Diria “responsabilidade”. Pensei também em “liberdade", mas acho que responsabilidade é a palavra certa. A liberdade que um estudante universitário tem em relação a um aluno do ensino secundário é muito maior, mas obriga-te a ser muito mais responsável nas tuas escolhas de como gerir tudo.
Daniela Ferreira: Usaria a palavra “crescimento”. Ser estudante na faculdade é um período de transição, é a fase em que temos a perceção de que não somos mais adolescentes e que as coisas têm de ser feitas por nós.
Fábio Carvalho: Eu diria “futuro”. O estudante representa um novo horizonte, é alguém que carrega em si o potencial de transformar, inovar e construir. O estudante é a força da mudança. Quero acreditar que teremos um papel fundamental em tornar o mundo num sítio mais justo.
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Ser estudante, hoje como ontem, é acreditar no poder da mudança, questionar o “status quo” e afirmar a liberdade e coragem. Embora difícil de definir, ser estudante tem sempre duas certezas: cria memórias inesquecíveis e é uma luta constante. Que este Dia Internacional dos Estudantes nos relembre que o futuro também depende de quem nunca deixa de lutar.
Rita Ferreira e Vitória Ferreira
Departamento Grande Entrevista
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