top of page
  • Foto do escritorPedro Vara

Entrevista a Ana Salão, do CASA (centro de apoio ao sem abrigo)


Que medidas/políticas das autarquias é que ajudariam o CASA a executar a sua missão mais eficazmente?


Ao longo dos anos, a nossa maior dificuldade tem sido a sustentabilidade dos nossos projetos, gerir uma organização que não tem como fim o lucro e, sim, o desenvolvimento de serviços que visam o bem-estar social, nas diversas vertentes, implica definir estratégias e políticas que permitam manter, melhorar e expandir os serviços já existentes, no sentido de garantir a estabilidade financeira e a qualidade dos recursos necessários que lhe estão inerentes. O recurso a programas de financiamento é uma necessidade constante. As autarquias apoiam as IPSS através de candidaturas a medidas anuais como o Orçamento Colaborativo ou o Fundo de Associativismo Portuense, mas que são manifestamente insuficientes para o universo de todas as associações existentes. Neste momento é urgente a criação de mais respostas ao nível da habitação, no sentido de conseguirmos retirar as pessoas da rua. Dado que o número de PSSA está cada vez mais a aumentar, não se prevê que a resolução se afigura fácil nos próximos anos tendo em conta a atual conjuntura económica. Estão a ser levados a cabo alguns esforços nesse sentido, com a criação de medidas de Housing First e Apartamentos partilhados, mas que apenas abarca parte da população em condição de sem abrigo. Não existindo respostas ao nível de cuidados continuados, nem para uma população mais idosa e sem perfil de empregabilidade e que não raramente tem associadas problemáticas ao nível mental. O preço dos quartos no mercado é completamente proibitivo para quem apenas tem como rendimento o RSI. Retirar as pessoas da rua é o primeiro degrau de uma longa escadaria, sem esse passo não se consegue trabalhar outros patamares.


Que têm em comum as histórias das pessoas que o CASA ajuda?


O desencanto pela vida, no geral, a perda de amor próprio, a inexistência de objetivos, o viver apenas para o próprio dia sem expectativas. As causas que levaram a estas situações são diversas, mas o resultado invariavelmente é o mesmo.


O que é que é considerado um bom dia de trabalho no CASA?


Para nós, um bom dia é quando conseguimos uma vaga para integração de um dos nossos utentes num Centro de Acolhimento Social, é a alegria de ir buscá-lo/a ao local onde pernoita na rua e levá-lo para um local onde terá condições condignas, conforto, uma cama, um wc, uma equipa que o vai apoiar diariamente.


Um bom dia é quando damos resposta, nomeadamente alimentar a uma família que passava dificuldades, e ver a cara de felicidade das pessoas quando chegamos as suas casas com o cabaz alimentar, principalmente quando existem crianças envolvidas e vemos os olhos delas a arregalar-se por verem a comida a chegar.


São bons dias todos os que trazem a notícia de mais um donativo, de uma candidatura que ganhamos e nos vai permitir ter meios para continuar a nossa missão por mais algum tempo ou que nos ajudará a ter melhores condições para o fazer.


Os dias normais a bem da verdade e apesar de todas as dificuldades, apesar de nem sempre tudo correr bem, também são bons dias porque servimos cerca de 550 refeições por dia nos restaurantes Solidários e mais 150 pelas ruas do Porto e nunca falhamos um dia desde o primeiro, há 14 anos.


Sabe, um bom dia seria, na realidade, ver chegar o dia em que nada disto fosse necessário, não existissem pessoas em situação de sem abrigo.


Vamos continuar a desenvolver a nossa missão, no entanto, nunca desistiremos das nossas pessoas, mesmo quando eles próprios já desistiram.


O trabalho do CASA intensifica-se quando chega a época natalícia? De que forma, por norma?


Sim, na verdade é o chamado espírito natalício, em que as pessoas sentem a necessidade de fazer algo solidário. Por norma, nesta altura existe uma grande oferta de voluntários, existe mais propensão à existência de campanhas de recolha alimentar, roupa, produtos de higiene, etc. Para nós existe também a responsabilidade acrescida de conseguir ter um cabaz um pouco melhor para entregar às famílias em acompanhamento, em ter uma prendinha para cada uma das crianças que, em alguns casos, é a única prenda que terão, a logística é enorme, e só com a ajuda de todos conseguimos realizar essa magia.


Encontra-se, no momento, satisfeita com a atual dimensão do projeto? Qual é o próximo passo?


Penso que nunca estaremos totalmente satisfeitos com a dimensão dos nossos projetos. Queremos sempre fazer mais e melhor.


Além da distribuição de refeições quentes confeccionadas por nós, bem como a distribuição de KITS pelas rua da cidade e da entrega quinzenal de cabazes alimentares a famílias carenciadas, projetos que contam ambos já com um histórico de 14 anos, desenvolvemos novos projetos como o SOS CASA, que nos permite ir de encontro à satisfação de novas necessidades com carácter urgente e pontual, através do qual ajudamos não só as famílias a satisfazer uma necessidade imediata, como orientamos para a resolução dos diversos problemas caso a caso a longo prazo. Este apoio não se limita a ser alimentar, sendo também fornecidos mobiliários, eletrodomésticos, roupas, etc.


Fazemos também a Gestão Operacional dos 3 restaurantes solidários da cidade, projeto desenvolvido pela CMP que convidou o CASA para assumir a sua gestão em termos de força humana e operacional. Este projeto tem por missão substituir a distribuição de comida no espaço público, criando condições para que todas as pessoas em situação de sem-abrigo tenham acesso a uma alimentação saudável, equilibrada, regular e sistemática, em condições de dignidade e de segurança alimentar. É, sem dúvida, o nosso projeto com maior dimensão em termos de voluntariado. Em breve irá abrir um quarto restaurante na zona da Boavista e um dos nossos objetivos é a continuidade desta parceria, sempre baseada na consistência e qualidade dos serviços prestados.


Desde 2021 que contamos com a nossa presença no Consórcio Social para a Inclusão, projeto este que visa a dotação de um técnico especializado com função de Gestor de Tarefa afeto ao CASA. Desta forma, foi possível passar de uma resposta, até ao momento, centrada no apoio alimentar para uma resposta mais estruturada que, em complemento, assegure o acompanhamento psicossocial e o acesso aos recursos existentes na comunidade, bem como a respostas integradas dirigidas a pessoas em situação de sem-abrigo, com especial destaque para o Eixo de intervenção do NPISA: Acompanhamento Social - Coordenado pelo Centro Distrital do Porto do Instituto da Segurança Social, IP que, entre outras, tem por missão a coordenação dos Gestores de Caso. Dado que este projeto tem uma duração temporal limitada, um dos nossos objetivos é a continuidade do mesmo, dada a importância do trabalho desenvolvido junto das pessoas que acompanhamos, com o objetivo principal de diminuir a permanência temporal na condição de sem abrigo.


Gostaríamos ainda de alargar o âmbito da nossa intervenção à possibilidade de oferta de serviços integrados de balneários, lavandaria, cortes de cabelo, enfermagem, banco de roupa, no sentido de promover a dignidade humana e a autoestima do nosso público-alvo. E ainda com outras atividades de ocupação de tempos livres, tal como ateliers de carpintaria.

A longo prazo, gostaríamos de ter alojamento de emergência e conseguir dar resposta de habitação também na delegação do Porto, à semelhança do que já ocorre em outras delegações do CASA espalhadas pelo País.


Que requisitos costumam procurar nos voluntários para o projeto?


O nosso programa de voluntariado não tem as características rígidas de outras associações. Na formação inicial a novos voluntários explicamos quem somos, a nossa missão, os nossos valores, nomeadamente a consistência, que é uma das nossas palavras-chave. Pedimos a todos um compromisso sem burocracias. Além da consistência, os requisitos principais são o respeito por todos, sejam utentes, sejam outros voluntários, sem preconceitos associados, servimos todas as pessoas de igual forma, e que tragam boa disposição, um sorriso e nos ajudem a ajudar.


O CASA estabeleceu diversas parcerias com outras instituições/associações. Qual considera que tenha sido mais benéfica? E quais parcerias futuras entusiasmam mais o CASA?


O CASA PORTO encontra-se inserido na Rede Social do Porto e também no NPISA do Porto e, por si, só nos coloca no centro de um vasto conjunto de associações que, trabalhando em rede, conseguem muito mais e melhor. Todas as parcerias são benéficas, dado que cada uma das associações tem um tipo de intervenção diferente e muitas complementam-se, o que ao longo dos últimos anos tem trazido melhorias significativas para o serviço que prestamos. Salientamos a parceria com o CMP na gestão dos Restaurantes Solidários, dado que é. sem dúvida, o projeto de maior dimensão do CASA PORTO e tem uma relevância e impacto enorme na vida das pessoas que servimos. Temos também parcerias com diversas juntas de freguesia, trabalhando em conjunto com vista a concretização de objetivos comuns e ainda parcerias com outras instituições. Não podemos deixar de dar nota que as Associações de estudantes das diversas faculdades são uma parte fundamental da nossa força voluntária e também as empresas privadas.


Todas as parcerias futuras são bem-vindas, desde que contribuam para melhorar a concretização da nossa missão.


Os números relativos à pobreza são alarmantes e têm vindo a piorar nos últimos anos. Quais considera serem as principais razões?


Os últimos números conhecidos no Porto davam nota de 730 PSSA, 499 sem Casa e 231 sem Teto. Sendo a nossa atividade de primeira linha e de proximidade, percebemos que este número não traduz a realidade atualmente, tendo já aumentado. De facto, desde o início da pandemia que triplicámos a distribuição alimentar pelas ruas do Porto. Temos cada vez mais pessoas estrangeiras que chegaram à procura de trabalho e acabaram na rua, temos pessoas que perderam os seus empregos e de seguida as suas casas, pessoas sem qualquer apoio familiar.


Detetamos ainda um novo perfil de pessoas que recorrem à nossa ajuda: pessoas com histórico e perfil de empregabilidade, que neste momento se encontram numa situação de fragilidade extrema, apesar de ainda não se encontrarem na rua, pessoas que ainda não conhecem as respostas existentes, que nos pedem ajuda com vergonha e que tentam a todo o custo reverter a situação.


O CASA atua em diversas localizações espalhadas pelo país. Onde é que a ajuda do CASA é mais requisitada e necessária?


O CASA conta com 10 delegações espalhadas por todo o país: Albufeira, Cascais, Coimbra, Faro, Figueira da Foz, Lisboa, Madeira, Paredes, Porto e Setúbal.


A sede do CASA encontra-se em Lisboa e a sua função é dar apoio a todas as delegações. Cada Delegação tem a sua coordenação e os seus projetos próprios e de acordo com as necessidades de cada localidade. No Porto a coordenação é constituída por 5 coordenadores distribuídos pelos diferentes projetos. Porto e Lisboa são as duas delegações com maior expressão de pedidos de ajuda dado que há também uma maior concentração de PSSA nessas duas cidades.


Qual o aspeto relativo ao CASA que mais gostaria de dar a conhecer às pessoas?


Desde 2008 até à data, passamos por muitas fases e desafios diferentes, tendo conseguido ao longo do tempo superá-los e fazer sempre mais e melhor, mas não sem muito trabalho associado.


Temos muito orgulho do trabalho desenvolvido pela Delegação do Porto do CASA – Centro de Apoio ao Sem Abrigo, pautando-nos sempre pela consistência e resiliência e pela qualidade do serviço prestado ao longo dos últimos 14 anos.


Gostaríamos de dar a conhecer às pessoas a necessidade constante de novos voluntários, sendo a nossa intervenção diária, o crescente número de novos pedidos de ajuda, a pandemia e a criação de novos projetos e o crescimento dos já existentes fazem com que seja uma preocupação constante.


A nossa intervenção e o impacto da mesma na vida das pessoas que ajudamos todos os dias é enorme, mas sem a ajuda da sociedade quer ao nível de donativos, quer ao nível de voluntários não seria possível. Ser voluntário do CASA é pertencer a uma família, é levar consigo o sentido de dever cumprido, levamos muito mais connosco do que as 3 horas de média semanal que oferecemos do nosso tempo.


Convidamos a virem conhecer-nos melhor e experimentar.


Obrigada.



Pedro Vara

Departamento Grande Entrevista





47 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page