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  • Foto do escritorMaria da Conceição Ramalho, Marta Pimentel

Entrevista a Fernanda Freitas


  1. Iniciou a sua experiência profissional na Rádio Press- Porto e na Rádio Paris Lisboa,  se encarasse a Fernanda dessa altura, que conselho lhe daria?


Para continuar a seguir sempre os meus instintos! Não posso dizer que me tenha arrependido de alguma decisão profissional que tenha tomado na minha vida. O mais certo seria aconselhá-la a comprar ações da Apple e da Tesla!!


  1. Passou por vários canais de televisão, tais como a RTP e a SIC, desde o início da sua carreira, sendo amplamente reconhecida pelo seu trabalho. Qual foi aquele no qual mais gostou de trabalhar? 


Não tenho qualquer dúvida: foi Sociedade Civil, na RTP 2. O programa juntava cerca de 150 instituições ligadas a questões de cidadania, direitos humanos, saúde, família e bem-estar. São áreas que me interessam, particularmente as ligadas à cidadania e à participação cívica. Trazer especialistas que de uma outra forma não conseguiriam mostrar os seus estudos e trabalhos em áreas tão diversas, foi altamente estimulante. Contactei com mais de 7 mil pessoas ao longo dos quase 8 anos de trabalho em direto. Foi este trabalho que me levou a ser convidada para presidir, em Portugal, ao Ano Europeu do Voluntariado (AEV) em 2011 - uma vez que os responsáveis das instituições que iriam trabalhar o AEV já me conheciam. Foi com o AEV que fui reconhecida com a Ordem de Mérito Civil em 2013.


  1. 10 anos depois, venceu o Prémio Cidadão Europeu 2023, atribuído pelo Parlamento Europeu, pela Associação Nuvem Vitória. Qual é o papel do voluntariado na sua vida? E qual a importância deste reconhecimento?


Eu sou voluntária em Pediatrias há mais de 20 anos. Na verdade não imagino a minha vida sem esta componente de voluntariado. Em 2016, percebi que muita gente não tem tempo de exercer este direito de praticar uma ação em prol dos outros… e como acredito que devemos ser felizes no nosso voluntariado, co-fundei a Associação Nuvem Vitória para continuar a ler histórias a crianças internadas,num horário pouco habitual, mas que alarga a possibilidade de ser feito por muitas pessoas: este trabalho voluntário é único no mundo já que, todas as noites, equipas de voluntariado contam histórias de embalar a crianças que estão internadas nas Pediatrias. 


Com estas histórias, lidas à cabeceira de cada cama, serenamos os mais pequeninos e os seus cuidadores, preparando-os para uma (melhor) noite de sono. 


Todos nós sabemos que uma noite de sono pode sofrer muitas interferencias; os doentes hospitalizados estão mais vulneráveis a problemas do sono devido não apenas à doença, mas também  à exposição a tratamentos e ao próprio ambiente hospitalar. Retiradas das suas rotinas, longe dos amigos e familiares, estas crianças são privadas dos elementos que lhes trazem conforto e segurança em momentos dolorosos. As noites mal dormidas prejudicam a recuperação do seu estado de saúde, mas há reconhecidos efeitos terapêuticos na leitura em voz alta, antes de adormecer. 


Um estudo recente que decorreu no Brasil (2021) mostrou evidências das alterações dos biomarcadores e dos efeitos benéficos da narração de histórias a crianças internadas: as sessões de histórias conduziram a um aumento da oxitocina (a “hormona do amor”) e a uma redução do cortisol (a “hormona do stress”) com mudanças emocionais positivas.


E é isto que mais de 900 “nuvenzinhas” fazem todas as noites: entram no quarto, lêem histórias e levam a criança para um reino de magia onde não há doenças. Até à data, e através de 30 mil horas de voluntariado, já lemos 90 mil histórias a quase 60 mil crianças.


O Prémio Cidadão Europeu é atribuído anualmente pelo Parlamento Europeu a projetos que promovem a cidadania e a solidariedade. Ficamos muito orgulhosos - não sendo o que nos motiva - sabe sempre bem ver o nosso trabalho reconhecido.


  1. Escreveu dois livros, entre si muito diferentes, destinados a diferentes faixas etárias. Qual é a maior diferença entre escrever para adultos e para crianças. Apresenta alguma preferência em termos de escrita?


Não me considero propriamente uma escritora; quando fazia o programa Sociedade Civil, na RTP2, recebi um convite por parte de uma editora para fazer um livro - que na verdade era mais um estudo social sobre a violência doméstica em Portugal. Tendo em conta que lidava diariamente com instituições que trabalhavam esta matéria (direta ou indiretamente) foi bastante simples conciliar uma série de convidados que entrevistei a propósito da Temática: associações, psicólogos, juízes, professores e claro muitas mulheres sobreviventes a esta dura realidade. Foi um período muito intenso da minha vida, já que descobri que muitas pessoas que me rodeavam eram também vítimas de violência doméstica.


Quanto ao livro para crianças, ele surgiu na sequência deste trabalho com a Nuvem Vitória: é um livro altamente ilustrado e que relata as desculpas que os gatos usam para não ir para a cama, deixando também algumas dicas sobre uma boa noite de sono para os mais pequeninos. 


É claro que é completamente diferente: gosto de ambos os estilos e estou a pensar voltar à escrita tanto para crianças, como para mais crescidos, tendo o sono como matéria prima.


  1. Tendo em conta a sua experiência profissional, uma vez que foi Professora Convidada na Pós-Graduação em Direitos Humanos na FDUC, e sendo nós alunos de Direito e Criminologia, qual o conselho que daria a quem considera enveredar pela área dos Direitos Humanos?


Deixaria aqui algumas considerações para os alunos interessados em trabalhar nesta área: mantenham-se atualizados sobre os desenvolvimentos legais, políticos e sociais relacionados com os direitos humanos. Isso inclui participar de cursos, conferências e workshops relevantes, aprofundando sempre o entendimento destas questões, pesquisando e analisando casos, leis e tratados internacionais. 


Se tiverem oportunidade, rodeiem-se de colegas, mentores e organizações que partilham os mesmos valores e objetivos na defesa dos direitos humanos. Esta rede pode oferecer suporte, orientação e até oportunidades de colaboração para ganhar experiência prática e entender melhor as necessidades das comunidades afetadas. Escrever artigos, fazer lobby por mudanças políticas, ou participar em campanhas de sensibilização também vão enriquecer o vosso CV.


Acrescentaria que devem manter uma ética irrepreensível em todas as atividades profissionais, garantindo que as ações estão alinhadas com os princípios dos direitos humanos - e isto remete para terem cuidado com redes sociais: tem de haver coerência entre o que defendem e o que partilham com o mundo.


E não tenham receio de começar com uma ação mais pequena: a participação cívica nesta área, mesmo que pareça singela, pode promover uma diferença significativa na promoção e proteção dos direitos humanos. 


               6- Estando ligada à comunicação, como vê o futuro da área, nomeadamente no que diz respeito a esta componente dos Direitos humanos?


A disseminação de informações falsas e a manipulação de narrativas são desafios significativos. Na era das redes sociais, qualquer pessoa pode criar e espalhar conteúdo, muitas vezes sem verificação de factos ou contexto adequado, o que pode distorcer a percepção dos direitos humanos. Estas redes muitas vezes contribuem para a formação de “bolhas de filtro”, onde as pessoas são expostas principalmente a opiniões e perspectivas semelhantes às suas. Isso pode levar à polarização e à falta de entendimento sobre questões complexas de direitos humanos. Por outro lado, estas plataformas têm sido utilizadas para disseminar discurso de ódio e incitar à violência contra grupos vulneráveis, o que pode ter sérias consequências para a promoção e proteção dos direitos humanos. 


Na busca constante de audiências, alguns meios de comunicação podem recorrer a uma cobertura sensacionalista de questões de direitos humanos, muitas vezes explorando o sofrimento humano em vez de abordar as raízes dos problemas e possíveis soluções. Não podemos esquecer ainda que, em muitos países, a liberdade de imprensa está sob ameaça, com jornalistas que diariamente enfrentam censura, intimidação e até mesmo violência por relatarem sobre violações de direitos humanos. Em alguns casos, especialmente em áreas de conflito ou repressão, os jornalistas enfrentam dificuldades para ter informações e relatar sobre violações de direitos humanos de forma precisa e imparcial. 


Com o poder de alcance e rapidez das redes sociais, os jornalistas e os cidadãos em geral têm uma responsabilidade ainda maior em garantir a veracidade imparcialidade e ética na comunicação sobre estas questões. Penso que tem de haver um esforço conjunto de jornalistas, organizações de direitos humanos, plataformas de redes sociais e governos para promover uma comunicação mais responsável.


Maria da Conceição Ramalho e Marta Pimentel

Departamento Grande Entrevista






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