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Entrevista a Maria Gregório (APAV)

  • Foto do escritor: Inês Oliveira
    Inês Oliveira
  • 5 de mai. de 2023
  • 7 min de leitura

A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) é uma instituição particular de solidariedade social que trabalha na proteção e apoio aos cidadãos vítimas de infrações penais.


Nesta entrevista falamos com Maria Gregório, assessora técnica do Gabinete de Apoio à Vítima do Porto, sobre o papel da APAV no combate à violência contra as mulheres e como podemos combater este fenómeno tão marcante em Portugal.


O que é a APAV e quais são os seus objetivos, especificamente, na violência contra as mulheres?

A APAV é uma instituição particular de solidariedade social cuja missão é apoiar as vítimas de crime, familiares e amigos, prestando-lhes serviços de qualidade, gratuitos e confidenciais e contribuir para o aperfeiçoamento das políticas públicas sociais e privadas centradas no estatuto da vítima em Portugal. Prestamos apoio jurídico, social e psicológico a vítimas de qualquer tipo de crime.


Quanto à segunda parte da questão, a APAV apoia vítimas de todo o tipo de crime, não necessariamente crimes direcionados contra a mulher ou apenas vítimas de violência doméstica. No entanto, é um facto que a maioria dos pedidos de ajuda que nos chegam são de vítimas de violência doméstica, não todas mulheres, mas a sua grande maioria.


Não nos podemos esquecer que a violência contra a mulher se enquadra na violência de género, cujos crimes associados a este fenómeno têm particularidades diferentes daqueles que não têm como motivação o fator género. Mas, em termos de apoios, fazemos uma avaliação das necessidades da vítima, sempre munindo-a de informação, empoderando-a, dentro daquelas que são as suas possibilidades e os seus direitos, não esquecendo a elaboração de um plano de segurança pessoal adequado ao risco de vitimação. Articulamos também com outras entidades que possam, em rede, conseguir apoiar de uma forma eficaz e em tempo útil as mulheres vítimas deste crime.


@CNN Portugal

As queixas por violência doméstica registaram, em 2022, o valor mais elevado dos últimos quatro anos. É este um sinal da maior consciência das vítimas e da sociedade civil em relação a este assunto?


Sim, isso é, sem dúvida, uma leitura a ter sobre estes números. Vale a pena lembrar, também, que o crime de violência doméstica não é só a violência nas relações de intimidade, abrange outros tipos de violência e também não é um crime só direcionado contra as mulheres.


Porém, o que esses números também parecem indicar é uma maior sensibilização das pessoas para este fenómeno e uma maior intolerância à prática da violência num contexto particular, no contexto doméstico.


Mas, sim, acho que é uma interpretação a fazer, tendo sempre em mente que esta violência continua a persistir. Normalmente é uma violência reiterada ao longo do tempo, o que não quer dizer que não possa haver um episódio único que leva a pessoa a fazer uma denúncia. Porém, normalmente as pessoas que denunciam sofreram episódios de violência, ao longo do tempo, a todos os níveis, seja física ou psicológica.

Em suma, podemos estar a diminuir as cifras negras de situações que acontecem e que não são denunciadas, mas também não podemos simplesmente ficar com esta visão, tendo de ter em mente que isto significa que este fenómeno continua a existir em números alarmantes. Na minha opinião, isto também reflete uma baixa consciencialização da sociedade para aquilo que é uma relação saudável e não saudável.


Qual a maior dificuldade que sentem na ajuda que dão às vítimas de violência de género?


A violência de género é aquele tipo de violência que se preconiza, tendo por base o fator género. Na sua maioria, as vítimas deste tipo de violência são mulheres, mas existem crimes praticados contra as mulheres e que não estão necessariamente ligados à questão do género. Depois, claramente, existem muitos crimes cometidos contra as mulheres, que tem por base este fator do género.


Respondendo à questão, a maior dificuldade é, muitas vezes, o desenrolar do processo crime. A verdade é que a vítima, antes de chegar à APAV, já teve, por vezes, anteriores pedidos de ajuda que foram mal sucedidos ou pouco valorizados. Por outro lado, a vítima, por vezes, possui crenças interiorizadas que contribuem para o adiamento deste pedido de ajuda.


Portanto, o pedir ajuda é o primeiro passo, mas um passo muito importante. Depois disto, a pessoa pode ter várias necessidades, nomeadamente acompanhamento emocional/psicológico para ultrapassar a situação e minimizar o impacto da vitimização, ou pode também querer apoio para processos judiciais em que possa ter que intervir.


Apesar de, por exemplo, o crime de violência doméstica ter um caráter urgente nos tribunais, a verdade é que a morosidade da justiça é uma dificuldade inegável que as vítimas enfrentam. Não nos podemos esquecer também que o processo judicial pode contribuir para a revitimização, embora tenha havido vários avanços no sistema judicial para evitar isso.


No entanto, acaba por ser um processo de revitimização quando a pessoa tem de contar o que experienciou várias vezes, está num ambiente estranho? que é o tribunal, e, por isso, é sempre algo bastante difícil para a vítima gerir.


A maior dificuldade também depende daquelas que são as necessidades da vítima. Por exemplo, se a vítima teve de sair de casa onde vivia e perdeu rendimentos significativos, ficando completamente desprotegida, as necessidades serão bastante diferentes de outra que tem uma retaguarda de familiares ou tem poder monetário. Por isso, aspetos de ordem social são também uma dimensão essencial na intervenção com a vítima.


Se tivermos uma vítima que necessita de apoio psicológico e não tem processos judiciais em curso ou carências socioeconómicas, poderá necessitar apenas de intervenção ao nível do acompanhamento psicológico.


Portanto, as dificuldades variam em função daquelas que são as necessidades evidenciadas pelas vítimas.


A violência doméstica é o crime mais cometido em Portugal e mais de 80% das vítimas são mulheres. Acredita que estes dados são o reflexo de uma sociedade ainda patriarcal e machista, já que muitas vezes os agressores acham que a mulher tem de lhe obedecer e é propriedade dele?


Sim, eu acho que isso é indiscutível. Embora ache que estejam a acontecer mudanças e mudanças importantes, acho que há muito caminho ainda a percorrer.


A violência de género é uma violência estrutural e, portanto, sendo estrutural, é muito difícil combatê-la. É quase como tentarmos corrigir uma janela de um edifício mal construído, quando a necessidade seria criar novos alicerces para o reconstruir.


Acho que esses números representam uma sociedade patriarcal, embora também ache que temos vindo a assistir a alterações significativas em termos das mentalidades e mesmo em termos da lei, já que as mentalidades e a lei andam a par.


Em 2022, foram 24 as mulheres mortas em contexto de violência doméstica, em Portugal. Que medidas acha necessárias tomar para combater este flagelo?


Eu acho que o importante é continuar a apostar na questão da prevenção, da proteção das vítimas e da responsabilização dos agressores com o objetivo de haver aqui uma ressocialização. Temos de ter práticas, programas e investimento nesta ressocialização, porque senão o indivíduo vai voltar a praticar o mesmo crime.


Devemos apostar na prevenção da violência nas relações, no geral, porque também existem homens que são vítimas e que nos pedem ajuda. Claro que ainda é uma diferença bastante significativa em relação às mulheres e isto traduz, mais uma vez, a questão do patriarcado.


Acho que o essencial é estarmos atentos aos indícios do que poderá evidenciar que estamos perante alguém que poderá ser um agressor e tentar desconstruir muitas crenças que ainda existem e vemos muito no dia-a-dia como a ideia de que a posse ou o ciúme é amor. Apesar de estas crenças estarem atualmente a ser alvo de foco e combate, continuam ainda muito presentes na mentalidade da população em geral.


Depois também acho importante apostar na proteção da vítima, de forma a haver uma resposta célere e adequada àquelas que são as suas necessidades.


A APAV tem uma forte presença também na prevenção com programas em escolas, por exemplo, da violência no namoro, etc. Dados recentes dizem nos que quase 7 em cada 10 jovens acha legítimo o controlo ou a perseguição na relação. Acredita que a educação deste tipo de questões aos mais jovens é a forma mais eficaz de evitar estes comportamentos no futuro?


Eu acho que a educação é a forma mais eficaz de evitarmos a perpetuação de muitos problemas societais. A APAV já desenvolveu alguns projetos e ações de sensibilização em contexto escolar, sobre as temáticas da violência de namoro, violência de género, bullying, entre outras. Mas quanto a esta questão específica, eu acho que quanto mais cedo começarmos a abordar isto, melhor. É importante falarmos com os jovens da violência nas relações sociais e de como a violência não pode ser, nunca, uma resposta.


Numa primeira fase, às crianças mais pequenas, alertarmos para importância de estabelecermos relações não-violentas com o outro e, numa idade mais avançada, falarmos da violência nas relações de intimidade e particularmente, no namoro.


Esta questão é fundamental porque muitos jovens vêm de contextos onde a violência é normalizada e até encorajada como forma de resolução de problemas. Logo, estas campanhas de sensibilização nas escolas poderão ter um papel crucial.


Nós tentamos também promover a gestão das emoções, a capacidade de melhorarmos a inteligência emocional, trabalhamos a empatia. A verdade é que passamos anos a estudar Português, Matemática e outras disciplinas, mas não estudamos a gestão das nossas emoções, do autoconhecimento nem aprendemos a desenvolver relações saudáveis. E isso é bastante importante já que, muitas vezes, a violência pode ser fruto da incapacidade de gestão emocional de cada um.


Tudo isto é basilar para que, mais tarde, haja uma redução significativa deste tipo de comportamentos. Para mim, a educação é, sem dúvida, essencial.


Em 2021, recorreram à APAV 37 pessoas por dia, a maioria por violência doméstica. Isto é um crescimento de 113% nos últimos 5 anos. A APAV consegue ajudar todas estas pessoas ou há uma falta de resposta a algumas vítimas que, infelizmente, não conseguem dar?


Apesar da escassez de recursos humanos, nós tentamos sempre dar resposta a todas as pessoas que nos contactam e fazer uma avaliação exaustiva daquelas que são as necessidades dessas pessoas.


Temos vários Gabinetes de Apoio à Vítima em todo o país, Equipas Móveis de Apoio à Vítima, técnicos de apoio à vítima com diferentes formações e a nossa Linha de Apoio à Vítima (116 006), o que ajuda a que consigamos dar resposta a todos os que nos contacta, apesar do volume de pedidos de ajuda e das diversas necessidades apresentadas.


Para finalizar, como podemos ajudar a APAV, se o quisermos fazer?


Em termos gerais, acho que é importante termos esse papel de sensibilização. Se conhecermos alguém que esteja a ser vítima de um crime, é importante ter uma postura ouvinte, não julgadora, sensibilizar a pessoa que nos contacte para que nós (APAV) a possamos ajudar.


Em relação a apoiar a APAV, é possível fazer donativos à nossa Associação e/ou tornar-se associado mas, sobretudo, divulgar que nós estamos disponíveis e aptos para ajudar quem seja vítima de algum crime.


Inês Oliveira

Departamento Grande Entrevista


 
 
 

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