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Foto do escritorInês Oliveira

Entrevista a Richard Zimler

Richard Zimler é um escritor norte americano, naturalizado português, que conta já com vários romances publicados, uma coletânea de contos e alguns livros infantis que entraram nas listas de bestsellers de vários países e foram premiados internacionalmente.


Nesta entrevista conta-nos como surgiu o interesse pela literatura, alguns destaques da sua longa carreira e como é ser escritor nos dias de hoje.


Como é que surgiu o interesse pela literatura e pela escrita?


Eu acho que surgiu quando eu era muito jovem com cerca de 5/6 anos e comecei a escrever poemas como muitas crianças. Eu acho que os jovens estão muito virados para poesia muito mais do que para prosa. E comecei a escrever poemas sobre animais, mas não era uma coisa séria, evidentemente.


Eu aos 7/8 anos comecei a ler livros mais sérios sobre mitologia grega e nórdica e comecei a desenvolver um interesse pelas histórias mais antigas do mundo, pela mitologia.


À medida que eu fui crescendo li livros do mundo anglo-saxónico, onde temos uma grande tradição de literatura para jovens. Evidentemente, mais tarde, ainda com 17/18 anos, comecei a ler os grandes escritores do mundo, como William Faulkner, Dostoiévski, Jane Austen, etc., mas nessa altura não pensava em ser escritor. Alguns jovens desde muito cedo que sabem que querem ser médicos ou arquitetos, eu não sabia isso. Isso aconteceu muito mais tarde.


Onde é que encontra inspiração para os seus livros?


A inspiração vem da minha própria vida. Acho que qualquer escritor aproveita as situações da sua vida, do seu passado, mais tristes e mais alegres, mais traumáticas e mais maravilhosas. Usamos toda a nossa experiência, todo o nosso passado, todas as nossas relações com pais, amantes, com amigos, para criar um mundo paralelo do romance.


Então, a inspiração vem quase exclusivamente da minha vida interior, das minhas emoções, das minhas dificuldades, das situações terríveis que tive de ultrapassar.


Como é que funciona o processo de escrita dos seus livros? É algo natural ou é um processo trabalhoso?


Normalmente quando escrevo um romance eu sei o que vai acontecer no primeiro capítulo. Por exemplo, neste meu novo romance, “A aldeia das almas desaparecidas”, eu percebi que a primeira cena era entre Isaac, o narrador do livro, um jovem e a seu avó Flor e seria um momento muito insólito, muito interessante e cativante entre os dois. Mas depois do primeiro capítulo, normalmente, eu não faço a mais pequena ideia do resto do livro.


À medida que estou a escrever, vou descobrindo o que a narrativa gostaria de contar, o que é que as personagens querem revelar, o que querem dizer. Então eu sigo o rumo das personagens, sigo o rumo da própria história a contar se a mim, curiosamente.


Eu sei que esta linguagem é curiosa, mas quando estamos a escrever bem parece que estamos a canalizar uma história que já existe e que deseja ser contada em forma de um livro. É estranho, mas eu escrevo quase em transe, quase num outro estado de espírito, um estado da alma.


Em 2009, escreveu o guião para «O Espelho Lento», uma curta-metragem baseada num dos seus contos. Mais tarde o filme foi rodado e inclusivamente foi um filme premiado. Fazendo parte dos atores principais, como é que foi esta experiência de escrever um guião para uma curta-metragem e participar num filme?


Foi uma experiência muito gira porque não pensei que teria a oportunidade de criar uma curta-metragem, baseado num conto meu ou num livro meu. Por isso, eu pedi à realizadora para ser um dos atores porque provavelmente nunca mais teria a oportunidade de ter essa experiência e gosto de ter novas aventuras como qualquer pessoa.


Foi muito interessante porque transformar uma obra de arte de um formato para outro não é fácil porque, por exemplo, na versão original certas coisas são comunicadas ao leitor através das palavras e frases. No filme pode-se fazer isso através de imagens ou através de diálogos entre personagens.


Por isso, adorei a experiência e adorei representar com outros atores. Gostaria de repetir a experiência, mas é muito difícil conseguir o financiamento.


É de conhecimento geral que os jovens, na sua maioria, mostram um grande desinteresse pelos livros e o mundo da literatura. Isso é algo que desanima um escritor ou só o motiva a escrever mais livros?


Eu estou a tentar motivar os jovens com os meus livros para crianças porque quando dei aulas na Universidade do Porto, principalmente nos anos 90, descobri que os alunos eram muito passivos. Queriam receber as informações das aulas e devolvê-las nos exames. Não queriam exprimir as suas opiniões, então, foi muito difícil para mim porque eu não queria simplesmente ler um texto, queria um diálogo.


Eu pensava, nessa altura, que se eu quisesse que a imaginação dos jovens fosse mais dinâmica, com muito menos medo da opinião do outro, eu teria de começar quando a criança tem 5/7 anos. É isso que estou a fazer com os meus livros para crianças porque basicamente é para lhes comunicar que têm o direito de mudar a sua opinião, de serem como querem ser, de mudar de cor, de voz. E funciona, faço sessões nas escolas e as crianças adoram os meus livros.


O problema, segundo os professores do nosso país, é quando os jovens atingem a adolescência porque aí eles deixam de ler, deixam de pensar em literatura. Então, isso é outro projeto que seria bom, escrever para jovens adultos porque acho que é muito importante ter bons livros para eles.


Então, o desinteresse notório dos jovens pela literatura só o motiva a escrever mais?


Absolutamente. Faz parte do meu contributo criar novos leitores, criar hábitos de leitura. Não só para mim, mas para todos os escritores do mundo. Se calhar sou um bocado estranho ou esquisito porque eu acho que a literatura ainda é muito importante. Ouvir histórias e ler é importantíssimo porque, por exemplo, nos nossos momentos mais difíceis (e os jovens passam todos por momentos traumáticos e difíceis), um bom livro pode ser uma consolação profunda.


Se tivesse de definir o que é ser escritor, diria o quê?


O romancista, no meu caso, é alguém que quer contar uma história trágica e maravilhosa, de paixão e de alegrias. Quer construir um mundo paralelo e convidar o leitor a abrir a porta que, neste caso, é a capa do livro. É querer que o leitor entre no mundo paralelo e explore. É isso que é um romancista na minha opinião.


Que conselhos daria a um jovem que queira ser escritor?


Primeiro é ler. Parece óbvio, mas não é tão óbvio como isso porque há jovens que querem ser artistas, mas não gostam de museus, ou jovens que querem ser cantores, mas não gostam de música boa.


Cada jovem tem gostos diferentes e quem gosta de um certo tema pode ler sobre esse tema. Quem gosta de ficção pode ler Eça de queirós e Miguel Torga, por exemplo.


É através da leitura que um jovem vai aprendendo as ferramentas de escrita. E essas ferramentas são as técnicas poéticas, as frases, as palavras. É importante aprender como se constrói uma frase com um ritmo certo e desenvolver o ouvido.


Curiosamente, o ouvido é muito importante para o escritor porque só ouvindo a nossa prosa ou a nossa poesia, podemos ter a certeza de que aquilo soa muito bem. Então, desenvolver o ouvido através de ler muito é o meu maior conselho.


Além de escritor, foi também jornalista e professor de Jornalismo (inclusive na Universidade do Porto). Sendo assim, como vê o estado do jornalismo atual, muitas vezes criticado por ser sensacionalista e propagar fake news?

O jornalismo está a passar por uma fase muito difícil, em grande parte porque os media estão a mudar. Antigamente, quando eu era muito jovem, os media eram os jornais, algumas estações de rádio e de televisão.


Atualmente é o Facebook, Twitter, o Tik Tok e o Instagram, e aí centenas de milhões de pessoas recebem as notícias através de tweets, de 140 caracteres.


Então, tudo mudou. E eu acho que estamos num período muito complexo e muito mau porque é muito fácil, atualmente, divulgar notícias falsas. Basta criar uma mentira muito grande e horrível sobre o Cristiano Ronaldo, sobre o Marcelo Rebelo de Sousa, ou Paula Rego e, em dez minutos, um milhão, dez milhões de pessoas vão ver essa mentira e muita gente vai achar que é verdade.


É um mundo terrível e acho que todos nós notamos isso durante o período mais difícil da covid-19. Na altura havia notícias falsas de que o vírus não existia, que o vírus não era mais que uma constipação, que se podia curar a doença injetando desinfetante no braço. Milhões de pessoas acreditaram nestas mentiras.


O grande desafio para o jornalismo, atualmente, é divulgar a verdade.


Para finalizar, há algum livro sobre um determinado tema que ainda queira escrever?


Há muitos livros que eu ainda quero escrever. Para mim, escrever é ter uma casa, quando estou a escrever um bom livro, eu tenho um refúgio, estou em casa, estou bem. Quando não estou a escrever estou bastante menos estável, menos orientado.


Mas em relação aos temas eu não faço a mais pequena ideia. As ideias surgem quase do nada. Eu não tenho controlo sobre isso, eu sei que há muitos romancistas que têm uma estratégia para a sua carreira, que vão fazer um livro sobre vampiros, conspirações no Vaticano, sobre zombies, e vão conseguir, assim, vender muito.


Talvez seja bom ter essa estratégia, mas eu não tenho, então, não faço a mais pequena ideia dos temas dos próximos livros.


Inês Oliveira

Departamento Grande Entrevista


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