Nas palavras de Sérgio Godinho, hoje é o primeiro dia do resto da tua vida. A entrada na Faculdade é um momento de grande mudança na vida de qualquer pessoa. Somos colocados numa realidade distinta, muitas vezes longe de casa, na qual criamos novas amizades, temos acesso a novas realidades e lutamos para que, no futuro, tenhamos um lugar no mundo de trabalho. A verdade é que tudo isto pode ser, simultaneamente, assustador e entusiasmante. Neste sentido, o Jornal Tribuna convidou alguns dos nossos professores a recordar os seus tempos enquanto caloiros.
Quais as principais diferenças que observa em relação à diversidade de grupos académicos hoje e na altura em que era caloiro?
Professor José Reis: Eu tirei o curso em Coimbra, e já há muitos anos (1987/1992). E se é verdade que hoje em dia, de uma maneira geral, há mais diversidade de grupos, o facto de em Coimbra isso funcionar ao nível da Universidade, e não de cada Faculdade, fazia com que já nessa altura existisse uma oferta muito grande, que deixava qualquer caloiro espantado quando percorria os corredores do edifício da AAC. O fenómeno das Tunas académicas só explodiu alguns anos mais tarde, mas já nessa altura a AAC tinha (para além, claro, do Grupo de Fados e do Orfeão) a Estudantina, a Orxestra Pitagórica e outros grupos do género que se foram formando entretanto. Isso além de muitas secções desportivas e de uma imensidão de outros grupos, de que destaco o Círculo de Iniciação Teatral (de onde saíram, nesses anos, as pessoas que formariam uma das companhias de teatro mais relevantes do Porto, que ainda hoje se mantém no ativo com dois dos fundadores), o Centro de Estudos Cinematográficos (que organizava belos ciclos temáticos, num mini-auditório por trás da sala de estudo do edifício da AAC) e a RUC, uma excelente Rádio Universitária. Hoje olho para trás e tenho pena de não me ter envolvido mais em algumas dessas atividades; mas é a vida.
Professora Anabela Leão: A diferença é muito grande, pois pertenço à primeira licenciatura da FDUP (1995-2000) e não havia grupos académicos, alguns dos quais foram criados durante o meu tempo de licenciatura. Foi o caso do Tribuna e da Tuna Feminina, que nasceram com muito entusiasmo. E também da AEFDUP.
Professor Rodrigo Rocha Andrade: Atualmente existem muitos mais grupos académicos do que há dez anos. A diversidade atual é positiva é de salutar desde que sirva para trazer mais estudantes para um associativismo efetivo e frutífero. Em alguns casos, contudo, a diversidade de grupos académicos pode espelhar (e parece-me espelhar mais hoje do que há dez anos) uma fragmentação do corpo estudantil e representar precisamente o oposto do associativismo.
Ser caloiro é uma experiência singular. Quais são os melhores momentos que recorda desses tempos?
Professora Luísa Moreira: Recordo, com nostalgia, as aulas de Direito Constitucional e Ciência Política, vividas com particular entusiasmo dado o momento que o País, à data, atravessava (eleições legislativas de 2015 e formação da "geringonça"). O que estava a aprender nas aulas permitiu-me compreender melhor o que se estava a passar no plano político e participar nas discussões em torno do tema de forma mais informada e com mais espírito crítico. Fora do contexto das aulas (e porque a vivência académica não se resume aos momentos passados dentro da sala de aulas), guardo as melhores recordações dos momentos vividos na minha primeira Queima das Fitas.
Professor António Graça Moura: A oferta de atividades foi um ponto muito alto: a Faculdade tem muita vida própria e é difícil ficar indiferente. Mas o melhor, no primeiro ano, é a novidade que são as aulas. Tem pouco a ver com o ensino secundário, desde o método de ensino à dinâmica na sala, passando pela matéria. Tudo isto só ganha sentido quando nos deixamos levar pelo que nos interessa no programa: estar na Faculdade para decorar é aborrecido e tem pouco sentido. Ganha verdadeiramente piada quando lemos a bibliografia ou quando estamos dentro do assunto. Lembro-me muito vivamente de discussões (em sentido estrito) em Direito Constitucional e Ciência Política: agora, à distância, vejo que foram um ótimo pretexto para romancear a matéria!
O primeiro ano de universidade pode ser caracterizado com uma palavra: incerteza. Que conselhos tem para quem está prestes a passar pela experiência académica que é ser caloiro?
Professor José Reis: O meu principal conselho, que costumo dar na sessão de boas-vindas, é o de nunca ceder à tentação de desistir quando as dificuldades parecerem insuperáveis. O primeiro ano é muito importante e não é um ano fácil, quer pelo choque que representa relativamente ao que eram as matérias, aulas e hábitos do secundário, quer pelas notas, quer, para os estudantes deslocados, pelas dificuldades de adaptação a uma nova forma de vida. Mas tudo se supera, e estes alunos já mostraram que têm capacidade para superar obstáculos. A partir daqui é uma questão de força de vontade, por um lado, e de saberem procurar ajuda quando ela for necessária. Pode ser dos colegas do mesmo ano, dos colegas mais velhos, dos professores ou do Gabinete de Apoio ao Estudante: as ajudas estão cá, e acreditem que todos estamos prontos a oferecê-la quando é precisa. Mas o primeiro passo tem de ser dado por quem sente que precisa, e nunca tenham nenhum tipo de vergonha ou pudor em pedi-la se for o caso. É um dos piores erros que podemos cometer na vida em geral, e numa fase de transição, como esta, em particular. Além disso, aconselho-os a participarem o mais ativamente possível na vida da Faculdade: no jornal, na sociedade de debates, em grupos de cidadania, no que quiserem - tenham vida académica para além dos livros e das festas!
Professora Anabela Leão: O primeiro ano na faculdade traz muitos desafios, como matérias e métodos de estudo diferentes e mesmo, para alguns estudantes, a experiência de viver fora de casa, numa cidade nova ou num país diferente. O conselho que deixo é que partilhem as dificuldades e incertezas, que são naturais, e, com calma, encontrem as melhores estratégias para superá-las. Não deixem de confiar em vocês, nas vossas capacidades e nas razões que vos levaram a escolher Direito ou Criminologia. E, claro, nem só de incertezas é feito o primeiro ano: a entrada na faculdade traz também novos amigos (muitos dos quais ficam para a vida), novas perspetivas de conhecimento, a participação nos grupos académicos, momentos de convívio, atividades e oportunidades interessantes que também fazem parte da experiência de ser caloira/o!
Professor Rodrigo Rocha Andrade: Aproveitem ao máximo. Não fiquem em casa. Descubram propósitos para as vossas vidas e façam das vossas vidas um reflexo desses propósitos. Estão na altura certa para escolherem quem querem ser e o que querem representar. Em termos académicos, esforcem-se, mas saibam que existe muito mundo para além das licenciaturas que escolheram. Se sentirem que não estão no curso certo para vocês, não percam mais tempo e procurem o que vos entusiasma e realiza. Ah, e já agora, como ensinou uma “alumna” da FDUP: nunca deixem de estudar para ir a uma festa, mas também nunca deixem de ir a uma festa para estudar.
Quais os momentos mais difíceis com os quais se deparou no seu primeiro ano da faculdade?
Professor José Reis: Assim de repente ocorrem-me dois, com as que eram, à data, as duas cadeiras semestrais do 1º semestre. O primeiro foi quando abri a sebenta de Introdução do Doutor Castanheira Neves, e constatei que não conseguia entender uma frase completa. O segundo, quando tive um 7 no exame de Direito Romano - a única oral obrigatória que fiz no curso. Felizmente os meus colegas de casa, alguns já no 4º ano, explicaram-me que ninguém (ninguém!) entendia a sebenta de Introdução à primeira, nem à segunda, e que uma oral era uma coisa mais do que normal. Fiz as duas cadeiras com mais ou menos facilidade, e a partir daí percebi que o curso não me escapava.
Professora Anabela Leão: Apesar de já terem passado muitos anos, lembro-me da angústia dos exames e de ter muita matéria para estudar, bem como de achar algumas matérias muito difíceis (como Direito Constitucional, que eu adorava). Como pertenci à primeira licenciatura da FDUP, não tínhamos colegas de anos anteriores para partilhar experiências e dar conselhos. Mas, ao mesmo tempo, também me lembro do espírito de entreajuda, da sensação de tudo ser novo e de estarmos empenhados em construir uma faculdade nova que, felizmente e depois de tantos anos de espera, tinha aberto mesmo a tempo de nos licenciarmos na Universidade do Porto. E isso foi muito especial e marcou o meu ano de caloira.
Professor Rodrigo Rocha Andrade: O meu primeiro ano de faculdade foi marcado por poucos momentos difíceis. Foi sobretudo um ano de descoberta e aventura. Os momentos difíceis eram apenas os dias seguintes às festas. Os Direitos ao Rio, a Gala de Natal e as noites de queima deixaram belas marcas!
O que a ajudou a superar os momentos mais difíceis com os quais se deparou no primeiro ano da faculdade?
Professora Luísa Moreira: Sem dúvida, os amigos que, nesse 1.º ano na FDUP, fiz e que me acompanham desde então.
Professor António Graça Moura: O primeiro ano de Faculdade é difícil, porque o nosso estudante típico é excelente no secundário. Isso acarreta muita pressão – que pode ter resultados bons, mas muitas vezes maus. Pessoalmente, teria corrido pior se a minha vida “normal” não tivesse continuado: o desporto, os ”hobbies”, as mesmas associações, família e amigos. Do lado reverso, ajudou-me estudar a bibliografia ao longo do ano: saber o que se está a passar nas unidades curriculares e começar a gostar mesmo da matéria tira grande parte da “carga dramática” da época de exames.
Olhando para o seu “eu” do primeiro ano, sente que realizou todas as suas aspirações?
Professora Luísa Moreira: Sendo muito sincera, não posso dizer que, no 1.º ano, tivesse grandes aspirações. Entrei para a Faculdade sem saber muito bem o que queria. Mas, rapidamente, me apaixonei pelo curso. Em retrospetiva, olho para o 1.º ano como tendo sido um ano de descoberta – do curso, de outras formas de ser e de pensar e de mim mesma –, que me abriu os horizontes e que, de certo modo, foi o antecedente necessário das aspirações que viria a desenvolver mais tarde, algumas das quais já realizadas (designadamente, a de vir a ensinar Direito na minha ”alma mater”), outras ainda por realizar.
Professor António Graça Moura: No primeiro ano, tinha pouca consciência das minhas aspirações: não sabemos o que queremos do futuro e, se sabemos, muitas vezes é por conveniência e com incerteza. (Esta incerteza tarde ou nunca desaparece, mesmo quando acabamos o curso.). Pessoalmente, não me faz sentido ter as minhas aspirações realizadas. No fundo, no primeiro ano, queria fazer alguma coisa com significado e ajudar as pessoas – e isso nunca acaba. Estou contente com o meu trabalho e gosto muito de dar aulas e de tentar ajudar os alunos. Não gostaria de trabalhar sem saber porquê ou para quê – e a nossa Faculdade é muito boa para isso, porque um licenciado nosso tem um leque enorme de oportunidades. Por isso, pedia ao Tribuna que me fizesse a pergunta em 2070 – quando me reformar!
Mariana Resende Departamento Grande Entrevista
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