Muito mais do que uma árvore decorada, lista de compras a fazer, jantares para preparar, a magia do Natal centra-se na empatia e na partilha com o outro. Foi isso que levou o Jornal Tribuna a conversar com Cátia Oliveira, em representação da Associação O Meu Lugar no Mundo, sobre o amor que leva aos que mais precisam nesta época tão especial.
Que objetivos procuram alcançar com a vossa associação?
O objetivo máximo é o de quebrar círculos de exclusão e de pobreza e, no fundo, dar oportunidade a cada um dos nossos participantes de serem líderes ativos na sua comunidade para que possam depois inspirar e transformar outros - é a máxima do projeto. Tudo o que fazemos é, com o objetivo final, que os voluntários acabem por desenvolver competências que consideramos serem essenciais para um percurso de vida positivo e por promover a participação cívica e a construção de uma vida saudável em todos os aspetos.
Pegando no nome da vossa associação e fazendo um trocadilho, de que forma procuram assumir um lugar no mundo?
É uma boa questão, geralmente fazem a questão de forma diferente, a que quase respondo automaticamente. O nome vai ao encontro do que é o nosso trabalho no dia-a-dia, portanto, quer com os participantes, quer com voluntários e equipa técnica, o objetivo é que, por ações específicas, encontremos o nosso lugar no mundo. Agora, de que forma nós conseguimos isso? Com amor.
Eu acho que a grande diferença para alguém que conhece vários projetos e sendo assistente social e tendo passado por outras iniciativas, o meu propósito ao construir e ao pensar a organização passou por encontrar uma forma de fazer com que desse prioridade ao amor, às relações pessoais, horizontais, transparentes e verdadeiras. Aquilo que é a minha ótica, isto é, o que diferencia O Meu Lugar no Mundo de outras organizações é o sentirmo-nos em casa, partilharmos a vida de forma igual.
As aprendizagens são feitas em conjunto, quer a que os voluntários fazem, quer nós adultos, que aprendemos uma coisa nova todos os dias, e é esta troca - dar para receber em troca.
O que vos levou a criar a vossa associação? Sentiam que era uma lacuna que existia no plano das carências da sociedade?
Um dos projetos de intervenção social já tem mais tempo que a própria organização, há de estar a fazer oito anos. Eu integrei a equipa do projeto enquanto voluntária, ia uma vez por semana, trabalhava com grupo de jovens e quando isto tudo começou fez-se uma leitura aprofundada da realidade escolar das crianças na zona do Bonfim e percebeu-se que havia demasiadas pessoas no ensino básico que experimentavam situações de insucesso escolar. Analisando o contexto das crianças, percebemos que era muito mais proeminente em crianças de contextos vulneráveis. Há relação direta entre a falta de estímulo nas crianças e o pouco conhecimento dessa falta de motivação pelos pais.
Do trabalho com as crianças na pré-infância e partindo deste pressuposto, da avaliação que foi feita, foi lançada uma proposta à Junta de Freguesia de Bonfim e foi dessa forma que demos origem a este projeto. Inicialmente tínhamos 10 crianças, dois ou três voluntários que trabalhavam com eles no apoio ao estudo para colmatar lacunas a que a escola não consegue dar resposta. Entretanto, percebemos que era importante fazer mais do que isso e, com os anos a passar, fomos aprofundando e alargando a nossa vertente. Começou com apoio ao estudo, ajudar a fazer trabalhos de casa, criar uma vertente que pretendesse trabalhar com competências específicas, criar uma forma eficaz de o fazer e perceber se teria a médio ou a longo prazo impacto nas crianças. Começámos a trabalhar com crianças do 1º ciclo, depois passámos para 2º ciclo e agora temos 1º, 2º e 3º ciclo e em cada ciclo é trabalhado um conjunto de capacidades específicas, quer capacidades escolares, quer na vertente emocional, na forma de o fazermos, de sermos com os outros, de comunicarmos com os outros. É desta forma que acabámos por desenhar o apoio psicopedagógico com objetivos específicos e depois o programa educativo que implementámos de forma contínua que trabalha várias vertentes, como educação emocional, educação para os direitos humanos, educação financeira, educação alimentar, ambiental, desportiva, artes performativas, ou ainda este envolvimento das crianças, aproximação à cultura, ao teatro, a outras formas artísticas.
Depois temos vertentes das “Saídas Fora de Portas”, que é uma espécie de cereja no topo do bolo. São crianças que estão circunscritas ao contexto onde cresceram e apercebemo-nos que havia um grupo delas que, apesar de viverem a vinte minutos da Ribeira, não a conheciam, nunca tinham passado para além da ponte, nunca tinham ido ao teatro, ao cinema ou ao museu e, portanto, foi importante encontrar soluções para que pudéssemos dar essas oportunidades, porque estão intimamente ligadas com questões de aprendizagem. Se não têm experiências fora do contexto de vida, de onde vivem, dificilmente vão desenvolver capacidade para adquirir conhecimentos tão abstratos de realidades desconhecidas no contexto escolar. Começámos pelas visitas de museus, teatros ou visitar cidades, partindo muito daquilo que eles querem e que entendem como uma mais-valia.
A título de exemplo, como em ciências ou estudo de meio, em que era bastante difícil interiorizar o conceito do ciclo da água, já que os estados da água eram um conceito abstrato. Sabem o que é a neve, mas aqui no Porto nunca neva. Por isso, são levados à Serra da Estrela para que possam, por um lado, cumprir um sonho e, por outro lado, concretizar as aprendizagens que são feitas na escola. Temos de afastar o paradigma de que para aprender é preciso estar sentado a olhar para um caderno, quando vai muito além disso.
Sentem que a vossa causa tem recebido adesão? Têm recebido muitos voluntários ou necessitavam de mais?
Precisamos sempre de mais, porque para fazermos um trabalho efetivo são precisas muitas mãos. No 1º ciclo, a modalidade de aprendizagem é bastante diferente, o que se pretende é que haja trabalho de 1 para 1, um voluntário para cada criança, para se perceber quais são as dificuldades e ir trabalhando a cada dia estas lacunas. Enquanto responsável pela organização, não me posso queixar, acho que temos tido os melhores voluntários de sempre, a maior parte deles entra no 1º ano de faculdade e mantém-se connosco até não poderem mais, até encontrarem um trabalho, até quando já não há mais margem para estar aqui presencialmente. A taxa de retenção é muito boa, o número de voluntários é muito bom.
Neste momento, a nossa grande limitação está no espaço, quanto maior o espaço, maiores são as condições para trabalhar com as crianças. O nosso espaço é pequeno e não nos permite abraçar todas as pessoas que realmente querem estar aqui connosco. A pandemia também veio atrapalhar, as pessoas estão mais reticentes em relação a isto, mas ao mesmo tempo tem sido muito bom: temos aumentado o número de parceiros nesta demanda e já há várias fontes de captação de voluntários de áreas totalmente diversas, que era um dos objetivos do projeto, porque cada voluntário traz algo único, como a sua personalidade, a forma de estar, o background, o conhecimento, a formação que tem e é precisamente este “bolo” que permite que as aprendizagens sejam mais ricas do que se fosse só eu e mais duas pessoas. São estas interações que permitem a verdadeira transformação de cada participante.
Estamos sempre de portas abertas, qualquer voluntário que queira integrar pode participar, desde que tenha vontade, tenha um propósito para vir para aqui. Já me perguntaram o que seria preciso para ser voluntário, se seria preciso conhecimento ou área específica, à qual respondo que não, “é apenas a vontade de te transformares a ti também”. A ideia é sempre a de mudar o outro e o mundo, mas nós é que somos transformados, é uma relação de igual para igual que é bonita de se ver.
O Natal é uma época em que se pode vislumbrar mais o espírito de solidariedade. Têm alguma iniciativa que pretendem realizar e que possam contar ao Jornal Tribuna?
Temos. Nós somos uma organização sem fins lucrativos e, como qualquer organização, ou pelo menos das mais pequeninas, temos limitações ao nível do financiamento, porque não somos financiados por qualquer organismo público, temos apenas os nossos protocolos com a Junta de Freguesia do Bonfim, que tem feito um trabalho excelente connosco. Mas principalmente as atividades “Fora de Portas” acarretam um custo muito grande e é difícil depois conseguir concretizá-las. Então quase que nós fomos trabalhando também nesta demanda do que são as angariações de fundos e tentamos sempre pensar em coisas novas.
No ano passado, por causa da pandemia, a experiência que tivemos n’O Meu Lugar no Mundo foi positiva. Houve a limitação do carinho e do amor, do aconchego, desta proximidade, mas foi possível darmos resposta a todas as crianças em formato online, todas elas tiveram esse apoio. Os voluntários disponibilizaram tempo para trabalhar com cada uma delas. Ao nível de reconhecimento e de valorização externa foi também positivo e vem trazendo coisas positivas, nomeadamente a questão de sair fora da caixa. Fazíamos sempre um jantar anual, jantar que para além do propósito de angariar fundos para as atividades, tinha também o propósito de devolver a quem nos acompanha tudo aquilo que fizemos ao longo do ano: quantas crianças alcançadas, resultados alcançados, quantas passaram, se houve reprovações, parcerias, contactos, melhorias na forma de o fazer. Com a pandemia não foi possível concretizar o nosso jantar, então criámos o “Presente Duplicado” para os jantares de Natal, para os amigos secretos, para o membro da família a quem não sabemos o que dar porque já tem tudo, então vamos dar solidariedade, vamos dar amor e para isso temos o “Presente Duplicado”, funcionando no sentido de “se quero oferecer prenda a alguém, então faço donativo por essa pessoa e ofereço um postal”. Essa era a oferta.
Este ano concluímos que o “Presente Duplicado” pode funcionar, mas tínhamos uma necessidade que era a de concretizar sonhos das nossas crianças, sonhos que têm vindo a ser adiados porque não há margem financeira para implementar ou outros constrangimentos e por isso temos o nosso “Pote dos Sonhos”. Além do “Pote dos Sonhos”, este ano temos o “Vale Sonhar”, modalidade muito semelhante ao “Presente Duplicado”, em que há um conjunto de sonhos que são transversais a todas as crianças. Portanto, fizemos uma ponderação destes sonhos e o objetivo é que as pessoas que se identifiquem com a causa e que queiram participar ofereçam um sonho a uma destas crianças. Quanto mais conseguirmos, maior possibilidade há de as levar ao Jardim Zoológico, andar de barco no rio Douro ou ir ao Estádio do Dragão e ao museu dos “FCP”, como dizem. Claro que há sonhos que são fora da caixa e que não exigem dinheiro: há crianças que têm apenas o sonho de pintar a parede e dar asas à imaginação, dar vida a uma simples parede.
Que conselhos dão à comunidade estudantil para este Natal?
Eu sinto que há uma diferença grande, não há equilíbrio: ou há malta focada em voluntariado, em fazer novas coisas e desenvolver novas áreas, ou há aqueles que não têm motivação, que lhes custa, que vivem a vida sem pensar em quem está ao nosso lado, sem projetar o futuro. Nesta medida, todas as atividades que fazemos, há sempre uma dinamização das sessões por parte dos voluntários que estão connosco e, neste ambiente, cultiva-se a ideia da ética de partilhar. Se faço uma sessão de educação emocional e se peço para a criança partilhar comigo sobre determinada questão, eu também vou partilhar isso, os meus receios, alegrias ou vontades - há um igual para igual que sinto que faz falta à comunidade estudantil. Necessitam de se libertar, de falar mais de si, de partilhar, porque quando partilhamos as coisas, tudo se torna mais leve e estamos mais disponíveis para dar mais aos outros e de esperar em obter algo em troca.
Há quem diga que ir apenas um dia da semana não tem assim tanto relevo, mas queremos notar que é essa vez que vais que faz a diferença, são essas vezes somadas, que são os dias do Manuel, da Maria, que fazem toda a diferença e é graças aos mesmos que os miúdos evoluem e desenvolvem, porque se fosse só uma pessoa, não iria acontecer.
Os meus conselhos são essencialmente os de olhar mais para o outro, dar mais de nós mesmos e deixarmo-nos levar pelas coisas boas que isso traz. O voluntariado traz muito mais do que competências. Há uma série de competências que de forma informal vão conseguindo desenvolver e nota-se isto no dia-a-dia, em que por exemplo um voluntário chega atrasado todos os dias, mas percebe depois que é preciso ali, então cria consciência de que também a sua presença será importante para o mundo do trabalho, de chegar pontualmente e perceber quando deve ser assertivo. Há capacidades que o voluntário desenvolve inconscientemente, porque é interiormente que nos transformamos. Quanto tu te dispões a dar, a sair da tua zona de conforto, és capaz de melhorar e de te transformares, como por exemplo alguém que não sabe o que é trabalhar com crianças e é desafiada a fazê-lo.
Como é que a nossa comunidade vos pode ajudar nesta época? Como é que podemos participar nos vossos projetos?
Sendo voluntário. Não é apenas estudar com as crianças ou ajudar a fazer trabalhos de casa, sendo nosso voluntário há uma infinidade de coisas que podem fazer: podem partilhar e desenvolver estratégias de aprendizagem que tenham experienciado e aplicá-las. Há sempre margem de integração de novas ideias, parcerias, criar pontes entre as organizações e criar uma coisa mais sólida e mais consistente para as crianças. Além do mais, o voluntário pode ser monitor nas atividades de pausa letiva, pode fazer parte do nosso Departamento de Marketing e de Relações Externas e aí, nesse plano, reconheço que as redes sociais são importantes para a divulgação do trabalho. Tivemos necessidade em ter alguém para desempenhar essa tarefa. Estamos a empoderar pessoas neste sentido: os voluntários percebem no que é que são bons e se é em redes sociais, então ficam no Departamento de Marketing; se é a fazer angariações de fundos, sendo uma pessoa dinâmica, então junta-se ao Departamento de Relações Externas; se gosta de lidar com crianças e jovens, participa enquanto mentor.
Quem não tiver disponibilidade para ingressar na equipa, há sempre possibilidade de divulgação com um maior número de pessoas, mostrar o nosso trabalho, ou ainda poder participar na nossa campanha de apadrinhamento. Qualquer pessoa pode ser padrinho do nosso projeto, em que recebe feedback de tudo o que estamos a fazer, podendo fazer uma contribuição de quantia mensal ou anual para ajudar a implementar atividades. Temos ainda uma série de outras necessidades que não são tão contínuas, como o facto de proporcionarmos lanche às crianças todos os dias, há sempre necessidade de leites, bolachas. Neste momento, não está a ser necessário, mas talvez na Páscoa será.
Há muito por onde se pode ajudar. Para quem queira se juntar à causa: https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSdkg6SKCePwAyGSeiZnBs3QRbqXkHMi91AcZhVp4i7XduQYjQ/viewform?usp=send_form
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