A SdDUP, Sociedade de Debates da Universidade do Porto, nasceu em janeiro de 2011, tornando-se a primeira implementadora do Debate Competitivo Universitário em Portugal. Soma mais de 800 associados, indo desde alunos e alumni até aos docentes desta instituição. A sua direção é atualmente composta por 30 membros ativos.
Com a presente situação pandémica, a SdDUP viu-se obrigada a enfrentar novos desafios. De forma a compreender melhor a sua atual dinâmica, o Jornal Tribuna esteve, no passado dia 16 de março, à conversa com a Diretora do Polo do Centro Histórico, Catarina Barreirinho.
Como surgiu a Sociedade de Debates da Universidade do Porto?
A SdDUP surgiu da junção de dois núcleos: o Núcleo de Economia e o Núcleo de Direito. É, aliás, desta realidade que surge o facto de do curso de Direito se somar sempre um considerável número de membros. Estes dois núcleos existentes agiam como dois clubes de debates, sendo que já neles encontrávamos a nossa atual base de atividade. Estes acabaram por se fundir e, mais tarde, alargaram-se à comunidade da Universidade do Porto. Neste momento, encontramo-nos a celebrar os nossos dez anos de existência.
Para aqueles que não se encontram a par da vossa atividade, como vos descreverias?
Uma Sociedade de Debates é, tal como o nome indica, uma organização que apresenta uma forte componente de debate. No entanto, é importante esclarecer que, apesar de haver uma evidente associação à vertente do Debate Competitivo, temos ainda outras ofertas, tais como formações e palestras. Estas são, não só destinadas à composição interna da Sociedade, como também à comunidade exterior.
Em relação à organização interna, a SdDUP está dividida entre a Presidência (Presidente, Vice-Presidente, Secretário Geral e Secretário Adjunto), Departamento de Formação e Eventos, Departamento de Marketing e o Departamento dos Polos. Os Polos encontram-se divididos em três: Polo do Centro Histórico, Polo do Campo Alegre e Polo da Asprela.
A nossa missão, enquanto SdDUP, é «colocarmo-nos nos sapatos do outro e tentar perceber qual é a sua perspetiva». Procuramos desenvolver o espírito crítico, o respeito e a tolerância.
Atualmente, todos procuramos juntar-nos a grupos académicos que nos proporcionem ferramentas úteis à vida futura. Quais são as skills que a SdDUP proporciona?
Vivemos num contexto em que é gritante a necessidade de o sujeito se exprimir. No entanto, ele nem sempre sabe como o fazer, o que gera um discurso por vezes pouco correto ou menos pacífico. Então, a Sociedade de Debates procura ensinar a dialogar com mais facilidade, mostrando como é fácil verbalizar as nossas convicções. Quem a nós se junta desenvolve, inevitavelmente, a componente da oratória, da retórica e da persuasão.
Aqui aprende-se a transmitir sabedoria através da palavra e não através da violência. Não é preciso falar mais alto para se ter razão, é sim preciso saber convencer. Isto passa por um desenvolvimento de raciocínio, que mais tarde se traduz num modo de pensar e que, numa fase final, se transforma na verbalização das nossas convicções.
O mundo laboral procura pessoas que se consigam expressar bem verbalmente e o trabalho da SdDUP incide precisamente nisso. Aqui, aprendemos a vencer a nossa timidez inicial, a enfrentar plateias e a lidar com a pressão. Isto tudo acontece através dos nossos debates regulares e torneios. Estas soft skills nem sempre conseguem ser colmatadas pelas Faculdades, sendo importante que os estudantes as consigam adquirir noutros espaços. Estas componentes pré-laborais são cada vez mais relevantes e é urgente que não as ignoremos. É crucial que saibamos falar sob pressão, trabalhar sob pressão, desenvolver pensamento crítico de forma rápida e enfrentar grandes públicos.
Nos debates regulares, por exemplo, sai uma moção e nós temos apenas quinze minutos para a trabalhar. Tudo acontece naquele curto espaço de tempo. A Sociedade de Debates ensina-nos a pensar sobre questões que são fraturantes na sociedade. Ao vivermos num mundo universitário tão competitivo e focado no estudo, é importante que não se deixem de lado os temas atuais. Há imensas coisas a acontecer e a nossa atenção também deverá estar centrada nisso.
Procuram debater, então, temas da atualidade? Estes surgem através de um processo coletivo de brainstorming?
Falando no meu polo, o Polo do Centro Histórico, posso afirmar que tentamos sempre conjugar os temas entre o ICBAS, a FDUP e a FFUP, que são as faculdades que dele fazem parte. É importante que os temas abranjam a área de formação dos vários cursos e que reflitam questões fraturantes. Os temas que procuramos trazer são, de facto, atuais. É um processo coletivo e também cumulativo. Por vezes, surgem temáticas que não têm relevância naquele momento, mas, como se costuma dizer, «nada se perde, tudo se transforma», pelo que esses temas acabam por ficar guardados até que seja a altura ideal para os trazer à mesa redonda. Para além da sua atualidade, procuramos que os temas tenham sempre um “50/50”. Na semana passada, por exemplo, o Polo da Asprela trouxe a debate o conflito entre Israel e a Palestina. É curioso, pois na nossa atividade pré-covid não existia ainda a ideia de debates temáticos. Este foi um método adotado para cativar e que, felizmente, se tem traduzido numa boa adesão.
O facto de este Grupo Académico ir para além das portas da FDUP é curioso e pouco comum. Ele chega a imensas Faculdades. O que motiva tantas pessoas, de cursos e de realidades diferentes, a fazerem algo que as une?
A SdDUP contribui para a construção de uma Academia mais coesa e mais dialogante. Ela proporciona uma maior tolerância no diálogo das várias perspetivas existentes. Apesar de sermos de cursos diferentes, vamos todos para o mundo do trabalho. Isto é algo que nos é comum. Queremos todos saber exprimir as nossas convicções e aprender a lidar com o facto de a nossa perspetiva nem sempre ser a mais correta. É isso que a Sociedade de Debates faz: dá-nos uma perspetiva global, que exige a abertura de horizontes por parte da Academia. É fundamental sair do conforto académico e procurar aprender cada vez mais sobre os diversos temas.
Qual é o vosso papel na Universidade do Porto?
A SdDUP tem excelentes parcerias com a Universidade do Porto. Um notável exemplo disso é o nosso Debate Inaugural, que marca o início de mandato, que é sempre realizado na Reitoria, espaço que nos é cedido pela Universidade. Temos a felicidade de trabalhar com pessoas distintas, que se encontram sempre dispostas a ajudar naquilo que for preciso.
Consegues escolher uma característica essencial para o sucesso na arte de debater que não passe pela boa oratória?
Debater é, acima de tudo, respeito e tolerância. A este propósito, relembro o provérbio popular «foram-nos dados dois ouvidos e uma boca para que ouvíssemos mais do que aquilo que falamos». Se nós não formos capazes de ouvir, nunca seremos capazes de aprender. Se nos limitarmos a falar, nunca conseguiremos adquirir sabedoria e nunca a conseguiremos transmitir.
Procuram qualidades específicas em quem esteja interessado a juntar-se a vocês? Ou seja, é preciso ser bom falante ou alguém mais tímido também tem lugar na SdDUP?
Eu creio que não existe nenhuma qualidade específica. O importante, para além do querer fazer parte, é saberem quem verdadeiramente são. A SdDUP proporciona um desenvolvimento a nível pessoal, que é indispensável à nossa vida futura, desenvolve a capacidade de audição, de oratória, de persuasão, entre outras. Essas não são características necessárias a priori. A única qualidade que procuramos, em quem se pretende juntar a nós, é que sejam pessoas transparentes. A partir do momento em que alguém mostra quem realmente é, já percorreu metade do caminho necessário. O resto vem por acréscimo e natural aprendizagem.
Falando agora da situação pandémica, têm conseguido adaptar bem os vossos debates ao modelo digital? Se sim, como?
A nossa principal mudança foi a redução de dois debates semanais para apenas um. Chegámos à conclusão que seria preferível manter a qualidade e não sobrecarregar os nossos membros. Felizmente, estes moldes ultrapassaram por completo as nossas expectativas iniciais. Com as atuais contingências, tivemos de mudar radicalmente para debates integralmente telemáticos. Os departamentos tiveram de se reinventar. Não foi muito fácil no início, porque possuíamos poucas hard skills nesta matéria, mas acabou por correr tudo bem. Tivemos, por exemplo, cerca de 80 pessoas a assistir ao nosso debate inaugural, o que suplantou imenso as nossas expectativas. A única componente que se encontra um bocadinho mais parada é a dos Debates Internacionais, mas isso acaba por ser natural.
Em termos de adesão, notas alguma diferença desde que a vossa atividade passou a ser telemática?
Noto, sim. A nossa audiência aumentou. Tentamos sempre dinamizar os debates para quem assiste através de um computador, e, curiosamente, são várias as pessoas que o fazem. Há vantagens que advêm naturalmente dos debates telemáticos, como por exemplo, a não deslocação e a possibilidade de ter a câmara desligada. Quem quer assistir pode fazê-lo num dos seus momentos de lazer, enquanto toma, por exemplo, o seu café. Isto permitiu uma componente enorme de diversidade, que acabou por alargar os nossos horizontes.
A força da palavra, tão crucial em debate competitivo, enfraquece com o digital?
É evidente que é diferente debater presencialmente e debater online. Não conseguimos gesticular, estar próximos dos nossos colegas e deixar transparecer as nossas crenças através da nossa segurança corporal. Muito curiosamente, isto fez com que a força da palavra se tenha fortalecido. Como as nossas expressões não são tão visíveis, como não nos fazemos sentir tão facilmente, acabamos por compensar no nosso discurso, enaltecendo o tom de voz e utilizando expressões mais fortes.
Diz-se que o objetivo da oratória não é a verdade, mas sim a persuasão. O que pensas disto?
Tem de existir sempre uma sensibilidade de cultura geral. Se o que estivermos a dizer não for assumidamente verdade, será fácil para a oposição contestar. Mas, isto não impede que a ideia que não é acolhida pela maioria não o passe a ser. Se atentarmos em nomes de referência, como Barack Obama, percebemos que o que verdadeiramente distingue um bom orador é a sua capacidade de ser persuasivo. A persuasão serve para que aquela que nem sempre é a nossa verdade interior o aparente ser. É ainda importante que se esclareça que, muitas vezes, não existe “A” verdade, mas sim várias verdades, entrando aqui a componente da persuasão. Esta não tem de agir como uma skill negativa, porque não o é. Configura, aliás, uma ferramenta que poderá vir a ser muito importante no nosso futuro. O nosso lema é «ao Bom, ao Belo, ao Amor, e, talvez, à Verdade», e acaba por ser esta a resposta perfeita à pergunta.
Por fim, que mensagem gostarias de deixar a quem se deseja juntar à SdDUP?
Os meus três grandes pilares são o trabalho, a confiança e a diversão. Não devemos procurar ou só trabalho ou só diversão. Devemos tentar encontrar um equilíbrio entre ambos, e este, juntamente com a confiança, fará com que nos sintamos realizados. É isso que a SdDUP preconiza: trabalhemos para sermos a nossa melhor versão. Por isso, nunca deixem de trabalhar e de procurar a diversão. A conjugação dos dois é a mais poderosa arma para o sucesso.
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