Aproxima-se um novo ano e com ele a generosidade que acompanha o calor do Natal e a esperança num futuro melhor que renasce. Assim, abraçamos a solidariedade que se impõe nos tempos controversos que vivemos e procuramos conhecer uma “história de amor”, pelas palavras de Diogo Mendes, Cofundador da U.DREAM.
A U.DREAM conta com 9 anos de atividade e acredita ter descoberto um bom plano para mudar o mundo. Já se encontra em 4 cidades do país - Porto, Braga, Lisboa e Aveiro e procura despertar a liderança em jovens do ensino superior, através do serviço social aliado ao desenvolvimento pessoal.
Como é que nasceu este desafio? O que despertou a criação de um projeto de intervenção e liderança social?
O projeto U.DREAM, como eu costumo dizer, é uma história de amor e, como todas as histórias de amor, começou com uma grande paixão que nos faz viajar 8/9 anos atrás. Éramos um grupo de estudantes universitários da Faculdade de Economia da Universidade do Porto (um pouco estranho na altura) e a ideia surgiu por parte do CEO atual, Diogo Cruz, motivado por um experiência pessoal, algo traumática diria, pois esteve internado devido a uma tuberculose, entregue aos hospitais e às pessoas que o rodeavam.
Por isso, como estávamos motivados a pertencer a uma empresa júnior, decidimos criar, por força da motivação que o Diogo tinha em ajudar crianças que estivessem na mesma realidade que ele tinha estado, um projeto que, por um lado se apresentava como uma empresa júnior, já que iríamos junto de empresas oferecer o nosso talento académico, em troca daquilo que necessitávamos para ajudar crianças.
Portanto, a U.DREAM começa por ser uma empresa júnior social, onde propúnhamos um acompanhamento de 3 meses no domicílio dessas famílias e, no fim, realizávamos o que chamávamos de “dia de sonho”, marcado pela magia de um sonho, conjugada com todo o auxílio, a longo prazo, da família.
Entretanto, como todas as histórias de amor não vivem só de paixão, chegámos à conclusão, que precisávamos de mais, ou seja, não estávamos a ver no mundo a mudança que queríamos. E como costumo dizer “mudar o mundo, para nós, é um assunto muito sério” e, para isso, percebemos que a forma mais sensata de o fazer era através da educação, nascendo assim o programa que temos vindo a desenvolver.
Focando no grande crescimento da organização, como justificas esta enorme adesão ao projeto? O que o torna tão especial?
A U.DREAM acaba por ser uma experiência muito completa, uma vez que sempre procuramos trazer para este projeto um bocadinho de tudo o que havia de bom em projetos anteriores.
Por um lado, a oportunidade de servir que, por si só, já é especial, porque, quando dedicamos um pouco de nós ao outro e a nossa dimensão se torna secundária, surge em nós uma sensação muito humana que, para mim, é a forma mais fácil de ser feliz. Por outro lado, procuramos colmatar algumas falhas do ensino formal, como a dimensão emocional, a área das relações ou do autoconhecimento. Está aqui na sua base uma ideia muito simples – “de que me serve ser ótimo a realizar serviço social, quando, na verdade, não sei quem sou? Quando não sei ter uma relação saudável com a minha família e amigos?” Procura-se, num líder social, um nível de congruência tal que, em primeiro mão, entende a sua essência e o seu caminho e, em segunda mão, se dedique ao desconhecido.
Aliás, procuramos pessoas que consigam “servir, inspirar e sonhar” – servir na medida em que os jovens entendam os problemas da comunidade e procurem uma solução, procurem inspirar o mundo e as pessoas que estão ao seu redor e, por fim, sonhar, ou seja, procurar o seu caminho, o seu propósito. No fundo, começamos a ver o serviço como um meio para atingir um fim que, neste caso, é o próprio estudante que é o verdadeiro beneficiário do nosso projeto.
Enquanto cofundador deste projeto, há algum desafio ou obstáculo que se destaque ao longo deste percurso?
Claro que sim. Um deles foi, obviamente, o financiamento, aliás, continua a sê-lo. É sempre difícil criar um projeto social, porque ou dependes de donativos (e, mesmo assim, tens que ter uma rede suficientemente inovadora para conseguir captar investimentos), ou dependes de um acrescento de valor à comunidade (prestação de serviços, vendas de produtos, etc). Inicialmente, começamos pela venda de um cartão de sócio e hoje somos financiados pelo Fundo Europeu pelo 4º ano consecutivo. Provavelmente, se não fosse este fundo, o projeto não existia noutras cidades.
Outro desafio é manter a motivação dos voluntários e, principalmente, o compromisso. Face a isto, pusemo-nos no lugar dos estudantes e tentamos perceber o que é que eles procuram, porque, efetivamente, não podemos assumir que o compromisso está sempre presente só pela atividade que estamos a desenvolver. Portanto, fomos criando alguns alicerces que, no fundo, são necessidades que todos os estudantes têm – todos os estudantes gostam de conhecer pessoas novas, gostam de ter momentos sociais, gostam de sentir emoções fortes, por isso tentamos criar este tipo de momentos como forma de incentivo.
Um último desafio foi perceber que num projeto social, nós temos que nos apaixonar pelo problema, não pela solução, porque, muitas vezes, a solução que temos em mãos não resolve o problema. Por vezes, torna-se duro, mas a nossa prioridade é resolver os problemas que mais se justifiquem atualmente. Se a problemática mudou, então, temos que adaptar a nossa ação nesse sentido.
No fundo, foi um processo de grande aprendizagem.
A U.DREAM acredita que os jovens são o melhor plano para mudar o mundo e oferecem uma experiência que visa transformar o mundo ao contrário. Enquanto cofundador da U.DREAM como vês este mundo? Este projeto mudou a forma como o vês? De que maneira é que te marcou?
Na verdade, confesso que, inicialmente, não havia tanto serviço em mim. Era uma pessoa com valores, com uma boa educação, mas foi algo que foi muito cultivado graças a este projeto.
Uma das principais transformações foi, sem dúvida, a empatia. Penso que é isso que o mundo precisa – algo tão simples quanto perceber as diferentes realidades que estão à nossa volta, entender que por detrás de alguém, há uma história. As experiências de serviço tornam-nos, efetivamente, mais humanos e com uma maior tolerância e sensibilidade perante o outro. E tudo isto se reflete na nossa vida, seja na forma como falamos sobre certas temáticas, seja na forma como educamos os nossos filhos. De facto, se percecionássemos de forma diferente o mundo em que vivemos, seria óbvia a necessidade de dar um bocadinho de nós ao outro.
Uma outra grande transformação prende-se com a congruência pessoal, ou seja, transpor a felicidade, a generosidade e a empatia que resulta do serviço para a nossa vida pessoal.
É, também, por estas razões que vejo a U.DREAM como uma experiência inovadora. Para mim, foi essencialmente entender essas outras realidades, levando a ter um comportamento diferente perante a sociedade.
Em relação à forma como eu vejo o mundo, eu não acredito que o mundo esteja estragado, apenas está virado do avesso e o seu maior problema é esta falta de empatia que existe. De facto, parece de admitir que havendo uma mudança no paradigma educativo, ou seja, havendo uma integração de experiências diferentes já no ensino básico, grande parte dos problemas que hoje nos afetam diretamente iriam ter outra perspetiva. Temos um novo mundo à nossa frente e, inegavelmente, nós, jovens, somos o futuro deste mundo.
Aliás, nos últimos 20 anos no planeta Terra, aconteceram coisas fantásticas, mas ninguém fala delas, porque elas não vendem jornais. Por exemplo, mais de metade da população que vivia em pobreza extrema deixou de viver, assim como 80% das raparigas no mundo inteiro terminaram o ensino primário, para além de todas as crianças no mundo serem vacinadas pelo menos uma vez. E estes são dados com os quais não nos cruzamos diariamente, mas que nos enchem de esperança para continuar a acreditar em projetos como a U.DREAM. A nossa equipa, nestes anos, conseguiu ver coisas incríveis a acontecer na vida de tantas pessoas, talvez seja essa a minha maior fonte de fé para um mundo melhor e, pelo mesmo motivo, considero estes projetos educativos um motor para capacitar os próximos pais e profissionais no mundo.
Como marcam esta diferença social? Há algumas experiências que consideres especial e que queiras partilhar?
Eu acho que as experiências mais poderosas a nível emocional acabam por ser, por força da sensibilidade, as que envolvem crianças. Feliz ou infelizmente, essas experiências foram-me construindo, também, naquilo que eu sou hoje.
Lembro-me do Ivo, um menino que acompanhamos, e da sua família que teve oportunidade de conhecer o Cristiano Ronaldo. Passado uns meses, acabou por falecer.
Existem histórias em que me senti um verdadeiro super-herói para algumas famílias quando, na verdade, só dediquei um pouco do meu tempo, chateei umas empresas e trouxe a minha energia e, de repente, tornei-me num mundo para eles. Existem outras que nem sempre têm o mesmo final feliz e que colocam em perspetiva as nossas prioridades, fazendo-nos perceber que, realmente, existem coisas que não valem a pena a nossa energia. Por vezes, e relembro agora uma família que temos acompanhado, nos sítios onde esperas mais lágrimas, são os sítios onde encontras mais amor. E são estas realidades que trazem um olhar de humildade e generosidade ao mundo. De alguma forma, penso que as experiências que acabam por ser mais marcantes acabam por ser a que nos permite uma relação direta com as famílias, pelos melhores e piores motivos.
Face à situação pandémica, em que medida é que esta influenciou e tem influenciado a atividade da U.DREAM?
Tem sido um desafio muito grande.
No que toca ao serviço, tivemos que abandonar o nosso modelo clássico que exigia a nossa presença (quer nos lares, quer nos domicílios) e tentamos adaptar de uma outra forma. Face às exigências que se impõem, procuramos quais as organizações que estão ainda a trabalhar na sequência da covid e tentamos integrar nessas mesmas organizações os nossos voluntários. Apesar disso, é também uma mudança que nos irá trazer grandes lições para o futuro, porque, nestes termos, parece de admitir que a colaboração é a nova inovação. Um outro problema respeita aos voluntários, quer na sua disponibilidade, quer na sua motivação. Existe uma maior dificuldade por parte destes em se manter ativos nos projetos adicionais à faculdade. Temos ultrapassado isto com bastante tolerância e flexibilidade e, portanto, vamo-nos tentado adaptar as nossas formações e os nossos momentos à realidade de cada estudante. Temos vindo a adaptar o nosso programa e esperar que melhores tempos venham.
O que reserva o futuro para U.DREAM?
A brincar e, na mesma medida, a falar muito a sério, a finalidade de qualquer projeto social é deixar de existir, já que isso implicaria que o problema que procuramos resolver já se encontra solucionado, como por exemplo, todas as universidades terem um programa como a U.DREAM.
Neste momento, o nosso grande objetivo é consolidar o programa e garantir que temos resultados, para que, daqui a um ou dois anos, pudermos dizer que, por força do nosso programa, gerou-se um determinado impacto, quer na sociedade, quer nos nossos voluntários. Também procuramos garantir que estamos no maior número de cidades universitárias portuguesas e, quem sabe, num espaço de 2 anos, internacionalizar. A visão final do projeto é sempre a solução do problema que enfrentamos.
Para quem esteja interessado na pertença a este projeto, que qualidades é que estão à procura?
Penso que podemos resumir em duas coisas muito simples – em primeiro lugar, têm que ter alguma relação com o serviço, ou seja, tem que ser uma pessoa sensível a estas temáticas e que vejam neste serviço uma forma de estar e, em segundo lugar, têm que ser pessoas com compromisso, uma vez que estamos a entrar na vida de muitas pessoas que não pediram para nós lá estarmos. No fundo, procuramos algo que não se vê em currículos - os corações. Queremos trabalhar com pessoas boas e humildes, pessoas que acreditem que podem fazer uma diferença e que sonhem com um mundo melhor.
O processo de seleção começa com um primeiro questionário numa fase inicial, onde procuramos recolher algumas informações sobre o tipo de pessoa que se está a candidatar (não só perceber a ligação que têm com o serviço, mas também entender um pouco daquilo que são as suas relações e perceber a visão que o candidato tem sobre o mundo). Posteriormente, há uma sessão de apresentação que permite aos candidatos saberem um pouco mais sobre o projeto e perceberem se realmente é algo que lhes interessa. A partir daqui, existem umas atividades de grupo, aliadas a algumas entrevistas individuais e, por fim, realiza-se uma entrevista final.
Face à pandemia em que vivemos, enquanto jovens, temos que sonhar. Temos que tocar aquela estrela, mesmo que seja impossível. Temos que perceber qual é o nosso propósito. Temos que ser a voz da mudança.
Afinal, temos em nós todos os sonhos do mundo, porque não começar?
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