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Foto do escritorFrancisco Paredes

Estranha Forma de Vida

(Pedro Almodóvar, 2023)


Nota inicial: o artigo contém spoilers e críticas irónicas.



Foram precisos vinte e cinco anos para Silva (Pedro Pascal), com o pretexto de rever Jake (Ethan Hawke) — past revisited, permitam-me a adaptação pessoana —, atravessar o deserto, para o visitar. Fê-lo erradamente. Ou tarde demais. “Coração independente / Coração que eu não comando” (Estranha forma de viver, de Amália Rodrigues, interpretado por Caetano Veloso [1]).


Como bons amigos, e homens!, celebram o seu reencontro. Ao jantar, Jake pergunta-lhe por que motivo demorou vinte e cinco anos a visitá-lo, por que razão não o fez antes, sabendo (e bem) que teve tempo para o fazer. “Vives perdido entre a gente / Teimosamente sangrando” (idem). Silva responde-lhe que tentou, mas nunca conseguiu — ah, fantasiosa paixão!


Entre copos e ébrias verdades, passam a noite juntos; vinte e cinco anos depois, dois homens de cinquenta anos ainda se sabem divertir [2]. Mas o romper do dia cava um gigantesco fosso entre si e a noite. A realidade nunca será sonho. E Jake sabe que nunca poderá viver aquela vida com Silva — tal como acontece com Ennis del Mar (Heath Ledger) e Jack Twist (Jake Gyllenhaal) em Brokeback Mountain [3].


Sabe disso e muito mais. A visita de Silva não foi feita com o intuito de o revisitar; foi, antes, feita com o propósito de interceder pelo seu filho, Joe, que matou a mulher do seu irmão, com a qual teve um affair. Tinham ambos segundas intenções: um, proteger os seus; outro, viver uma última vez a sua proibida fantasia. “Vive de vida perdida / Quem lhe daria um condão” (idem).


Chegados aqui, em Estranha forma de vida, Pedro Almodóvar traz-nos, em formato de curta-metragem, um western em parte despido dos arquétipos cinematográficos que conhecemos (recordem-se os cowboys, os xerifes, os bandidos, os bares, as armas, os tiroteios). Aqui, vemos dois homens, velhos, a abordar temáticas (pelos vistos, proibidas) como o amor, o desejo e a sua idílica vida conjugalnão nos esqueçamos do guarda-roupa da Yves Saint-Laurent! —, cujo background é descortinado pela fabulosa interpretação de Estranha forma de vida: “porque não há vida mais estranha do que aquela que se vive de costas para os próprios desejos” (nas palavras do próprio realizador).


A C., por me ter proporcionado esta experiência (recordo-me de lhe dizer «que banger!»), obrigado.


Francisco Paredes

Departamento Cultural


[1] Na curta-metragem, o assíncrono fado (porque é um western) de Amália Rodrigues foi lip synced por Manu Ríos, talvez como uma opção de representação do jovem, orgíaco e efémero amor homossexual.


[2] À data, os jovens Silva e Jake (respetivamente, José Condessa e Jason Fernandéz), dois selvagens pistoleiros, invadem uma adega com algumas prostitutas e disparam contra uma pipa de vinho, ingressando num momento de pura e autêntica luxúria; porém, acabam eles por as descartar, embrulhando-se nos braços um do outro.


[3] Inicialmente, o papel de realizador de Brokeback Mountain tinha sido oferecido a Pedro Almodóvar, que o veio a recusar, por não acreditar nos filmes de Hollywood — tão-só, queriam um western com dois cowboys a ter frustradas relações sexuais a todo o tempo.

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