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  • Foto do escritorEunice Galvão

Eu menstruo, mas não destruo

No dia 31 de março celebrou-se o dia da visibilidade trans, data dedicada à enaltação da transexualidade, bem como da discriminação que as pessoas transexuais enfrentam diariamente.


Atualmente, as pessoas transexuais não sofrem tanta discriminação como quando se começou a falar sobre este assunto. Contudo, esta aparente melhoria não significa que tudo esteja bem, e exemplo disso são os vários episódios de vandalização do cartaz da iniciativa “Eu menstruo”, projeto desenvolvido pelos dois grupos feministas da faculdade, o FEMFDUP e o HEFORSHE FDUP, em conjunto com a AEFDUP. Este projeto visa combater a pobreza menstrual através da disponibilização de produtos de higiene menstrual nas WC da FDUP e da AEFDUP, e,  como referido nos cartazes afixados em todos os WC, todas as pessoas que menstruam podem ajudar e ser ajudadas. Não obstante a promoção da interajuda e sororidade, parece que alguns membros da comunidade universitária não concordam com estes valores, visto que é já a segunda vez em que assistimos à vandalização destes mesmos cartazes. Estes atos consistiram em riscar a expressão “todas as pessoas que menstruam”  substituindo-a por “mulheres”, o que denuncia, de alguma forma, a transfobia do autor. 


Tal como o FEMFDUP e o HEFORSHE FDUP destacaram nas suas notas de repúdio, nem todas as mulheres menstruam, assim como nem todas as pessoas que menstruam são mulheres. Por exemplo, na gravidez e na menopausa, as mulheres (cisgénero) não menstruam, e não é por isso que deixam de ser mulheres. Além disso, há mulheres (cisgénero) adultas com diversas condições médicas, em consequência das quais não menstruam.  Veja-se o caso da doença da amenorreia, ou da histerectomia (remoção cirúrgica do útero). Esta análise do conceito de “pessoa que menstrua” pode parecer um pouco exagerada, uma vez que todos os grupos de mulheres acima mencionadas alguma vez menstruaram na sua vida. Mas a verdade é que, de facto, existem mulheres que nunca menstruaram durante toda a sua vida, e será por isso que são menos mulheres? Será que devemos reduzir a mulher à sua capacidade de menstruar ou à falta dela? 


Por outro lado, veja-se o caso de uma mulher transexual, alguém que não se identifica com o género masculino que lhe foi atribuído pela sociedade desde que nasceu. Apesar de uma mulher transexual poder optar por uma transição de género, realizando uma operação cirúrgica, nunca poderá menstruar. 


Relativamente a outras pessoas que menstruam e que não são necessariamente mulheres, veja-se o caso dos homens transexuais com útero e das pessoas não binárias,  que não se identificam com a divisão binária de género homem/mulher.


Retomando a discussão sobre os vários atos de vandalismo ocorridos no seio da nossa comunidade estudantil, concluímos que poderão ameaçar, de algum modo, direitos fundamentais, como a liberdade de expressão e o direito ao livre desenvolvimento. A identidade de género é algo pessoal, e, por isso, deve ser proporcionado na nossa Faculdade um ambiente seguro para cada um explorar a sua identidade da forma que entender. A vandalização do cartaz não contribui para a construção deste ambiente que a FDUP ambiciona ter, muito pelo contrário, torna-se um obstáculo.


Seria inconcebível equacionar que, numa faculdade de Direito, o direito à liberdade de expressão e o direito ao livre desenvolvimento pessoal não pudessem ser respeitados. Cada indivíduo tem o direito de expressar a sua opinião, que deve ser, atenta e respeitosamente, ouvida. Contudo, a liberdade do outro começa onde a nossa acaba, pelo que opiniões e  críticas construtivas serão sempre bem-vindas na nossa Faculdade. Porém, críticas destrutivas, que têm como único objetivo discriminar os seus destinatários, não podem ser toleradas.


Na minha opinião, aqueles cuja identidade de género se reflete no seu corpo, devem abster-se de realizar comentários maldosos sobre a transexualidade por não  compreenderem totalmente quem passa por estas situações, acabando, muitas das vezes, e eventualmente sem a intenção disso, por serem insensíveis para o destinatário das suas intervenções. Comentários desta índole apenas contribuem para tornar a nossa sociedade mais infeliz e fazer com que se desenvolva em torno de valores negativos, como a discriminação, a intolerância e o desrespeito. Em vez de tentarmos impor limites à liberdade dos outros, devemos procurar destruir os limites que impomos à nossa própria mente. Devemos olhar menos para os outros e mais para nós, de forma a procurarmos a nossa felicidade em vez de tentar impedir a dos outros.


Além disso, é errado pensar que estes atos de vandalismo prejudicam a causa. Quantas pessoas já tinham reparado que o cartaz afixado utiliza a expressão “pessoas que menstruam” em vez de “mulheres”? Quantas pessoas é que já tinham pensado que nem todas as pessoas que menstruam são mulheres? Eu posso afirmar nunca ter pensado nas respostas a estas questões antes. Por isso, em vez de nos focarmos nos danos que estes atos causaram, vamos antes pensar nesta situação como uma oportunidade de aprendizagem, uma oportunidade para percebermos que a luta contra a discriminação das pessoas transsexuais é ainda um caminho longo e duro de percorrer, e que valores como a compreensão e a empatia são uma necessidade urgente na nossa sociedade.


Eunice Galvão

Departamento Mundo Universitário



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