Desde o começo do FEMFDUP em 2018, primeiro grupo feminista da Faculdade, muito mudou na consciência geral dos estudantes da Academia. Gostamos de pensar que o mundo está a evoluir, mas, por vezes, a mudança demora, e a verdade é que ainda nos falta um longo caminho para atingirmos uma verdadeira igualdade de género, especialmente no mundo universitário. Para debater este tema, o FEMFDUP juntou-se ao HeForShe FDUP na passada terça-feira, 16 de novembro, às 16 horas, numa sessão que integra a Semana Cultural, iniciativa da Associação de Estudantes da Faculdade.
Apresentação das convidadas:
Margarida Pisco, Presidente do FEMFDUP, abre a sessão com um agradecimento à Associação de Estudantes por incluírem o evento na sua iniciativa cultural. Começa depois por contar um pouco da história do seu coletivo, referindo as campanhas de desacreditação de que esta foi alvo desde o seu nascimento e como, apesar das adversidades, o grupo conseguiu crescer e tornar-se numa importante parte da FDUP. Afirma que, quando um grupo de mulheres se junta para partilhar as suas experiências, sempre existirão críticas, especialmente vindas daqueles que têm segredos a esconder. Menciona também a campanha de recolha de testemunhos criada pelo coletivo no ano passado e a grande afluência que esta teve por parte das alunas da Faculdade. Ao citar alguns destes testemunhos, é evidente que grande parte se deve a insultos incitados a alunas, de teor sexual, e a rumores criados com vista a diminuir as mulheres a que se referem. Margarida lembra que este tipo de ataques nem sempre estancam na forma de rumores ou insultos, podendo transformar-se nas sementes de futuros abusos.
Depois foi a vez de Sofia Pequeno, Vice-Presidente do HeForShe FDUP, falar um pouco sobre a sua organização. O HeForShe foi instituído na FDUP apenas no ano passado, mas isso não significa que não se fez notar na Faculdade pelas melhores razões. Os princípios e objetivos do HeForShe FDUP convergem em muito com os do FEMFDUP, variando mais pela forma de ação. Na verdade, o HeForShe FDUP baseia-se muito numa atitude pedagógica, procurando sensibilizar o público geral para as causas feministas, enquanto o FEMFDUP se preza principalmente por ser um “porto seguro” para as vítimas de machismo, dando ênfase à situação concreta. Sofia menciona um projeto desenvolvido pelo Departamento de Pedagogia do HeForShe FDUP no qual representantes do núcleo se dirigem a escolas e falam com alunos sobre as problemáticas da igualdade de género, de forma a completar as suas aulas de cidadania (de notar que, devido à pandemia, não foi ainda possível concretizar este projeto, estando o seu início apontado para brevemente). Fala ainda de um Porto cada vez mais inseguro para as mulheres e na importância da educação para combater o machismo tão vincadamente instituído na nossa sociedade.
Após estas introduções foi tempo de as convidadas responderem e debaterem algumas perguntas pertinentes relativas ao tema:
Quando questionadas sobre as repercussões do machismo na Academia, Margarida não hesita em referir a violência sexual enquanto um dos problemas mais graves e comuns na vida estudantil. Denota a cultura de acessibilidade estabelecida em torno das mulheres universitárias, todo um pensamento generalizado de que “tudo é possível, espera só até à quinta académica”. Claro que tais situações ocorrem também fora do limiar académico, mas realça que, dentro do ambiente universitário, encontramo-nos numa posição privilegiada para discutir estas questões e desconstruir as ideias já tão imbuídas na nossa sociedade.
Sofia completa a resposta ao afirmar como o próprio mundo exterior à academia propicia e facilita estes abusos. Refere que grande parte do comércio noturno nas grandes cidades académicas baseia as suas atividades numa expropriação lucrativa da mulher (dá o exemplo do “Elas à Quarta” no Eskada, discoteca no Porto) - “Estamos a ser usadas como um objeto para atrair lucro”. Refere que sororidade é a palavra-chave para combater a desigualdade, e Margarida completa que a longo termo é fulcral basearmo-nos na educação para verdadeiramente desconstruirmos o patriarcado.
Mais tarde, quando é discutido se os homens podem também sofrer de machismo, Margarida avisa do cuidado que se tem de ter ao falar de machismo contra homens e utiliza um exemplo relativo a homens homossexuais para justificar a sua posição: explica que o patriarcado é um sistema político e opressivo que perdura há milénios por se apoiar no benefício do homem em troca da subordinação da mulher. A base do patriarcado é, então, a família heterossexual estereotipada (na qual a mulher é associada a trabalhos domésticos e o homem é o chefe de família). Ora, os homens homossexuais desafiam essa lógica e são por isso atormentados pelo sistema patriarcal. No entanto, em muitos outros setores das suas vidas irão sempre beneficiar do patriarcado, nomeadamente nos mercados de trabalho e diferenças salariais. Por esta razão, apesar de afirmar convictamente que homens podem perfeitamente apoiar a causa feminista e de referir que tanto o FEMFDUP como o HeForShe FDUP aceitam membros independentemente do género, avisa que dissociar o feminismo de uma luta de mulheres é uma ideia perigosa.
Sofia corrobora ao dizer que, para um homem ser verdadeiramente feminista, terá de ter uma mente aberta de modo a perceber que, para verdadeiramente se desconstruir a desigualdade de género, terá de abdicar dos benefícios que até então colheu, mesmo que, inadvertidamente, fruto de uma sociedade patriarcal.
Em resposta a uma questão relativa à violência no namoro, Sofia refere que uma parte importante do projeto do HeForShe FDUP nas escolas se deverá a sensibilizar os jovens para esta problemática. Afirma ainda que, desde o começo da pandemia, os casos de violência no namoro e de violência doméstica se têm intensificado de forma preocupante, principalmente devido aos ambientes de grande stress e enclausuramento provocados pela quarentena, o que agrava ainda mais a necessidade de sensibilizar as pessoas para este tema.
Foi também referido que ambos os grupos estão a trabalhar em conjunto para organizar uma recolha de material higiénico feminino de forma que todas as mulheres tenham acesso a produtos higiénicos nas casas de banho da faculdade. Todavia, esta iniciativa tem vindo a encontrar alguns opositores, que baseiam as suas críticas num eventual patrocínio de marcas de produtos higiénicos. Margarida responde que, numa situação de aperto, nenhuma mulher se preocupa com a marca dos produtos que usa, e que esta medida teria em vista facilitar a vida das mulheres na faculdade.
Quando uma aluna refere como o “feminismo branco e europeu toca em prontos que não tangem a mulher negra ou a mulher imigrante”, Margarida rapidamente afirma que essas variáveis do feminismo têm, de facto, grandes diferenças. Assim, enquanto coletivo, é importante que a sua organização aborde estas questões, lembrando que qualquer mulher que deseje partilhar a sua experiência no seio da FEMFDUP o pode fazer, independentemente da sua origem (refere a xenofobia que muitos estudantes imigrantes enfrentam). No entanto, a título pessoal, considera debater sobre estas problemáticas algo que não lhe cabe a si, uma vez que nunca experienciou pessoalmente os problemas inerentes a esse tema.
Sofia explica que o HeForShe FDUP procura sempre atingir um público abrangente e representar todas as pessoas. Denota, por exemplo, que o feminismo não é apenas relativo aos géneros binários, mas que abrange todo o espetro de géneros, sendo importante enquadrar todo o tipo de pessoas nos eventos do Núcleo. Afirma que o feminismo é um movimento muito mais global do que a mera igualdade de género, uma vez que se relaciona também com as mais diversas problemáticas e temas, desde o racismo, à identidade de género e movimentos LGBTQ+.
Quando a pergunta “Sentem que a vossa organização recebe o reconhecimento que merece?” surgiu, Margarida responde que viu o seu grupo crescer muito desde 2018, e que este teve, neste ano letivo, o maior número de inscritos desde o início da sua história. Denota o programa de mentoria feminista e o seu sucesso como o feito do coletivo de que mais se orgulha, e espera que um dia a FEMFDUP seja responsável pelo surgimento de mais juristas feministas.
“O mais importante não é o reconhecimento, mas sim gerar interesse pela causa” responde Sofia. Acrescenta ainda que, a título pessoal, uma das maiores vitórias do HeForShe FDUP foi o sucesso inesperado de um evento online organizado no ano passado relativo aos direitos de pessoas transgénero.
A conversa terminou, portanto, pouco depois das 18 horas. No entanto, todos os presentes sentiram que se poderia ter prolongado por tempo indeterminado, tal a enormidade do tema. É, de facto, inegável que ainda nos falta percorrer uma longa e árdua estrada enquanto sociedade. Todavia, ao olhar para trás, podemos também refletir sobre o quanto já andámos, e reconfortar-nos em saber que, embora devagar, estamos pelo menos a andar para a frente.
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