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Filosofia do Adepto

  • Foto do escritor: Gabriela Baltazar
    Gabriela Baltazar
  • 28 de abr.
  • 3 min de leitura

Não há uma lógica que justifique o motivo pelo qual alguém grita, chora ou salta por causa de um grupo de pessoas em competição. O desporto move paixões que desafiam a razão, é  capaz de unir pessoas que nunca antes se viram e de paralisar um país inteiro entre o apito inicial e final do árbitro. E, mesmo sem explicação racional, isso acontece em, praticamente, todos os pontos do globo. Acontece com quem nunca praticou desporto, mas vive cada partida como se fosse uma final. Acontece com quem vai aos estádios todas as semanas. E, com isto, surge uma inevitável questão: porque é que apoiamos tão intensamente? Afinal, porque é que somos adeptos?


Se consultarmos um dicionário, adepto define-se como aquele que é apreciador, fã ou apoiante de um clube desportivo ou de um desportista”. No entanto, será apenas isso?


No fundo, ser adepto de um clube é uma forma de nos ligarmos a algo que nos transcende. É algo imprevisível e atípico, na medida em que ganhamos sem jogar e perdemos sem culpa. Apoiar algo que gostamos é inerente à  natureza humana, e no desporto não é diferente. Não é por acaso que dizemos “o meu clube”, “a nossa seleção”, pois nestas expressões colocamos  um sentimento de pertença, uma certa identidade. Sempre que alguém diz ser do Sporting, Benfica ou Porto, não está apenas a expressar a sua preferência desportiva  - está também a dizer algo sobre quem é. O mesmo ocorre nos  clubes regionais, como o Braga ou o Vitória de Guimarães, que representam cidades inteiras, onde o orgulho é vivido com a mesma intensidade. 

O desporto cria  um idioma comum entre desconhecidos, que se reconhecem através de um simples cântico, cachecol, celebração ou cor da camisola.  ​​​


Ser adepto é, igualmente, uma herança emocional. Ninguém nasce adepto - torna-se. E, quase sempre, por influência de alguém. Herdamos os clubes dos avós, dos pais e crescemos com camisolas que nos chegavam aos pés, com gritos dos golos vindos da sala, com discussões nos jantares de família. Há um lado profundamente afetivo na forma como vivemos o desporto. Há todo um ritual em torno de ser-se adepto, como se estivéssemos a invocar algo. E, de certa forma, estamos mesmo: estamos a invocar e a manter vivo um elo, uma ligação simbólica com quem partilha connosco esta paixão. 


Em Portugal, torcemos fervorosamente porque o desporto - especialmente o futebol - está no coração da nossa cultura. Somos um país que vive esta modalidade de forma intensa. No “país do Cristiano Ronaldo”, assim apelidado por muitos estrangeiros, o futebol não é um mero  desporto: é um espaço de expressão nacional, uma identidade coletiva que já faz parte do quotidiano de um típico português. Está presente nas conversas de café, nas tardes de domingo, nas varandas enfeitadas com cachecóis. Portugal é um país apaixonado pelo jogo. Talvez seja por essa razão que fazemos tanta questão de celebrar os nossos heróis, não só pelos títulos que conquistam, mas porque nos representam lá fora, levando consigo o  nome de Portugal, fazendo-nos sentir grandes. E até quem não acompanha assiduamente o desporto, acaba por senti-lo nos grandes momentos: nos jogos da seleção, nas finais, nos clássicos nacionais. Ser adepto em Portugal é, assim, uma característica cultural transversal a  todas as idades, géneros e classes sociais. 


Há algo de estranho e bonito em ser-se adepto. Somos fiéis a algo sobre o qual não detemos o mínimo de influência. Não tomamos decisões táticas, não treinamos, não fazemos contratações, não entramos em campo. Mas, mesmo assim, vivemos como se o resultado fosse nosso. É um amor imperfeito e contraditório, feito de  frustração e felicidade, discussões e festejos. Contudo, é também pautado por uma lealdade incondicional. É um amor que não exige vitórias para se manter vivo. É um amor que se transmite entre amigos, entre gerações, entre desconhecidos. 


Está enraizado na alma do adepto português o gosto pela vitória. O golo no último minuto, a taça levantada, o estádio a vibrar. Ainda assim,  o que nos prende não é só isso. É o sentir. Sentir que fazemos parte de algo. Sentir que aquele sofrimento é partilhado. Sentir que aquela vitória também é nossa. 


Somos adeptos porque, de certa forma, o desporto é uma metáfora da vida: há luta, há injustiças, há superação. Nem sempre os melhores triunfam e, por vezes, os mais improváveis surpreendem os gigantes. Cada acerto no poste é uma nova oportunidade, cada jogada é uma nova aprendizagem. Há sempre esperança e, principalmente, há sempre o próximo jogo. 


Gabriela Baltazar

Departamento Desporto

 

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