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(Re)Conhecer o Desporto - Parte II: Judo

  • Foto do escritor: Duarte Gomes
    Duarte Gomes
  • 14 de abr.
  • 6 min de leitura

É possível que algumas das pessoas que me conhecem já tenham recebido um convite para se juntarem a mim num treino de judo. Bem sei que este tipo de convites são tudo menos usuais; no entanto, sempre considerei o judo um desporto de excelência, daqueles que todos devemos experimentar, pelo menos uma vez na vida. Por essa razão, na qualidade de defensor dos desportos negligenciados, cabe-me a mim tentar convencer os meus amigos a experimentarem esta incrível arte marcial.


Apesar de ser bem mais mediático do que o basebol, em Portugal, o judo permanece como  uma modalidade desvalorizada, sofrendo daquilo a que eu chamo “febre olímpica”, ou seja, uma revitalização popular quadrienal, coincidente com a realização dos “jogos dos deuses”. Ademais, o judo apenas atrai a atenção  do público quando atletas portugueses conquistam resultados relevantes a nível internacional (o que, felizmente, se tem verificado) ou quando polémicas abalam a federação portuguesa de judo (o que, infelizmente, também se tem verificado). 


Contudo, o judo é muito mais do que uma simples modalidade olímpica industrializada. Trata-se de um desporto que, acima de tudo, inspira e ensina. Na sua base encontram-se três princípios: 1) o da máxima eficácia do corpo e do espírito, que contende com a utilização global e racional da energia do corpo, como modo para o tornar mais saudável e útil; 2) o da prosperidade e benefícios mútuos, que diz respeito à importância da solidariedade e ajuda ao próximo; 3) e o da suavidade, segundo o qual a suavidade supera a força bruta. Através destes ideais, o judo proporciona uma cultura de respeito, entreajuda e superação que o tornam um desporto ideal para o desenvolvimento integral do indivíduo – não só a nível físico, mas também mental e ético.


Desfiando o Novelo

O judo é uma arte marcial e um desporto individual [1] de origem japonesa, criado por Jigoro Kano em 1882. Baseia-se em certos princípios, nomeadamente: equilíbrio, técnica e uso estratégico da força do adversário. Em vez de golpes diretos, como acontece noutras artes marciais, o judo foca-se no contacto físico, projeções, imobilizações e técnicas de submissão. Os combates decorrem num tatami (tapete de combate) e possuem uma duração definida (4 minutos); não obstante, se ao fim desses 4 minutos não se tiver decidido um vencedor, a luta continua em formato “golden score”, isto é, o primeiro atleta a pontuar vence.


Os praticantes de judo, denominados “judocas”, utilizam um judogi [2] e uma faixa (obi), cuja cor é indicativa do nível do praticante: no começo  do percurso é utilizada a cor  branca, progredindo-se gradualmente até à cor  preta, mediante a passagem pelas variadas  graduações intermédias. Importa ainda referir que, dentro da faixa preta, existem várias graduações e que, após esta faixa, existem ainda outras, reservadas exclusivamente para aqueles com décadas de prática, dedicação e contributo para o desenvolvimento da modalidade. 


Na sua vertente competitiva, o judo baseia-se na tentativa de conseguir um ippon, a pontuação máxima, que representa uma técnica executada com perfeição – por exemplo,  uma projeção limpa ou uma imobilização por 20 segundos – e que determina, de imediato, o término  do combate. Contudo, quando tal não acontece, é necessário recorrer a pontuações menores, como o waza-ri ou o yuko. Adicionalmente, o combate pode terminar por acumulação de castigos (shidos [3]) ou por hansoku-make direto, resultante de infrações graves, como comportamento antidesportivo, atitudes  violentas ou aplicação de técnicas proibidas.


Cartões Brancos

  • Projeções espetaculares – a espetacularidade do judo reside, sobretudo, nas incríveis projeções executadas pelos atletas. Algumas técnicas, como o uchi-mata ou o yoko-tomoe-nage são especialmente impressionantes de um ponto de vista artístico [4];


  • Combinação de força e técnica – no judo, a brutalidade do contacto físico alia-se à elegância da execução, criando um equilíbrio raro e fascinante. Assim, quer sejas fã de intensidade física e força bruta ou, pelo contrário, valorizes a precisão técnica, o judo tem algo que te vai cativar;


  • Cultura de respeito – para demonstrar este ponto escolho citar a maior judoca portuguesa de sempre, Telma Monteiro: “O judo é uma modalidade que foi criada e inventada no Japão, e que prima muito pelo respeito. Antes de entrarmos num combate, temos sempre de fazer a saudação ao nosso adversário e também à área em que vamos lutar. É uma forma de respeito. (...) No fundo, diante de nós está o adversário, mas também alguém que nos faz ser melhor. [5]”


  • Imprevisibilidade – um combate de judo está sempre a uns segundos de poder acabar, visto que basta um único movimento bem executado para decidir o desfecho do  duelo. Isto leva a que exista sempre alguma tensão competitiva, já que mesmo o atleta menos cotado pode surpreender um campeão mundial;


  • Combinação de culturas e estilos/Inclusividade – não existe apenas uma forma de praticar judo. Desde o judo japonês mais tradicional, passando pelo estilo georgiano, mais físico e com pegas inortodoxas, até ao brasileiro, muitas vezes influenciado pelo jiu-jitsu, esta arte marcial incorpora uma diversidade técnica e cultural, que enriquece cada combate e torna a modalidade verdadeiramente global [6]. Adicionalmente, consoante a categoria de peso, podemos observar diferentes tendências e tipos de luta, que diversificam as competições.



Ocidental Praia Lusitana

Ao contrário do que acontece no basebol, o desporto visado na primeira parte desta rúbrica, o judo é um desporto face ao qual  nos podemos orgulhar enquanto portugueses. Apesar de não sermos uma potência mundial, Portugal conta com  vários campeões europeus e medalhados mundiais e olímpicosDestacam-se, entre eles,  Nuno Delgado, o primeiro português a conseguir uma medalha olímpica nesta modalidade em 2000, tendo sido também o primeiro campeão europeu da nossa nação, em 1999; Telma Monteiro, a judoca portuguesa mais medalhada de sempre, com cinco títulos europeus, cinco medalhas em campeonatos do mundo e uma medalha de bronze, nos Jogos do Rio, em 2016; e Jorge Fonseca, o primeiro - e até agora único - campeão mundial português, tendo conquistado o título em 2019 e, novamente, em 2021. Destaco ainda Patrícia Sampaio, não só pelo que que já conquistou - o que inclui uma medalha de bronze nos últimos jogos olímpicos e excelentes resultados no circuito mundial de judo, como a vitória no Grand Slam de Paris, em fevereiro deste ano - mas sobretudo pelo que ainda poderá alcançar, pois o  seu potencial é enorme e o futuro (esperemos, brilhante) promete muito.


Porém, nem tudo são rosas no panorama nacional do judo. A verdade é que, nos últimos anos, várias polémicas têm assolado este universo. Em 2022, a Federação Portuguesa de Judo (FPJ) esteve no centro de uma controvérsia, quando vários judocas portugueses, nomeadamente a campeoníssima Telma Monteiro, assinaram uma carta aberta onde acusaram a FPJ e, mais concretamente, o seu presidente, na altura, Jorge Fernandes, de atitudes opressivas e discriminatórias. A situação  agravou-se quando, pouco tempo depois, a Federação despediu a selecionadora nacional, Ana Hormigo, decisão que o Tribunal do Trabalho de Sintra considerou “ilícita”. Ainda nesse mesmo ano, Jorge Fernandes foi destituído do cargo de presidente da FPJ, na sequência da violação do Regime Jurídico das Federações Desportivas, nomeadamente por ter contratado o próprio filho para assumir funções na Federação e por acumular funções como treinador num clube de judo – situações consideradas incompatíveis com o papel  que desempenhava. Mais recentemente, a sede da FPJ foi alvo de buscas, no âmbito de uma investigação relacionada com  “a gestão do anterior presidente”.


Apesar da ocorrência de episódios menos positivos, nos últimos anos, Portugal tem acolhido várias competições internacionais, nomeadamente o Campeonato da Europa de 2021, o Campeonato do Mundo de Juniores de 2023 e um grand prix, desde 2022, o segundo tipo de prova mais importante do circuito mundial. Infelizmente, em 2025, em consequência da débil situação financeira da FPJ, que enfrenta uma dívida na ordem de centenas de milhares de euros, não houve possibilidade de se realizar este torneio.


Antes de terminar, gostaria de retirar este sabor amargo e voltar a mencionar o potencial do judo como modalidade desportiva, não só para quem assiste, mas também para quem o pratica. Apesar de todos estes problemas, Portugal é um excelente local para aprender e praticar judo: existem inúmeras escolas de qualidade, uma rede sólida de clubes e a oportunidade de aprender com alguns dos melhores atletas do mundo. 


Dito isto, para finalizar, deixo, novamente, um apelo a que deem oportunidade a novos desportos. Mesmo para quem diz não gostar de desporto, lembrem-se que só sabemos se gostamos de comida quando a provarmos. Divirtam-se, sejam felizes e, para quem quiser um cheirinho do que pode ser o judo, deixo aqui uns links que vos podem despertar a curiosidade.



[1] Apesar de poderem existir competições por equipas, os combates de judo são sempre entre 2 atletas.


[2] O judogi é o termo japonês para o uniforme tradicional usado no judo.


[3] Um shido é uma advertência dada por infrações menores, a saber: passividade excessiva ou saída do tatami. Após o terceiro shido, dá-se hansoku-make e o atleta perde o combate.


[4] No final deste artigo poderão encontrar alguns vídeos que contém estas técnicas, bem como outras que demonstram a espetacularidade do judo.


[5] Estas palavras de Telma Monteiro foram retiradas de uma entrevista que deu à Revista “Saúde”, em 2020. Fica aqui o link para aceder a este conteúdo: https://www.revistasauda.pt/noticias/Pages/A-saudacao-no-tatami.aspx 


[6] Estas palavras de Telma Monteiro foram retiradas de uma entrevista que deu à Revista “Saúde”, em 2020. Fica aqui o link para aceder a este conteúdo: https://www.revistasauda.pt/noticias/Pages/A-saudacao-no-tatami.aspx 

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