1. Enquanto estudantes de Direito, uma parte da nossa comunidade vê a questão da remuneração dos estágios como prioritária e essencial. Há quem diga, porém, que essa remuneração obrigatória leva a uma dificuldade acrescida no acesso ao estágio, dada a diminuição da oferta. Tendo em conta a sua experiência na área do Emprego, como encara esta situação e posicionamentos?
Esta é uma questão muito relevante e a forma como a colocam é muito interessante porque esse é um dos principais argumentos utilizados, por exemplo, pelas sociedades de advogados para travar esta medida. A minha resposta é muito simples: se uma empresa, qualquer que seja o seu ramo de atividade, tiver um modelo de negócio que só é lucrativo, ou é mais lucrativo, por assentar em trabalho não remunerado, então esse modelo de negócio não é sustentável. Eu considero que todas as formas de trabalho têm de ter uma remuneração e que essa remuneração tem de ser digna, que permita uma vida digna. E, por isso, os modelos de negócio que não assentem neste princípio estão condenados ao fracasso. Não há nenhum estudo que comprove que a atribuição de uma remuneração aos estágios seja um obstáculo à sustentabilidade financeira das empresas. Pelo contrário, a remuneração é não apenas uma questão de justiça, como um veículo de motivação e de verdadeira emancipação dos jovens, o que gera, naturalmente, retorno na economia, contribui para economias mais fortes e mais robustas e, consequentemente, países mais desenvolvidos.
2. Foi um dos negociadores da legislação que aplicará o Cartão Europeu das Pessoas com Deficiência. Qual é, na sua opinião, o impacto que este passo tem na vida das quase 90 milhões de pessoas com deficiência que existem na União Europeia? Quais os principais desafios que surgiram durante as negociações?
Na verdade, são dois cartões: o novo Cartão Europeu para Pessoas com Deficiência e o Cartão Europeu de Estacionamento. A sua aprovação tem um impacto muito significativo porque vai reconhecer direitos inalienáveis das pessoas com deficiência que já são reconhecidos a pessoas que não têm deficiência. No fundo, quando uma pessoa com deficiência estiver, agora, a viajar ou a visitar outro país da União Europeia, poderá ter, através destes cartões, o reconhecimento dos direitos que são atribuídos ou reconhecidos no Estado-membro para onde a pessoa se desloca. Para dar um exemplo muito prático e de mais fácil compreensão: se a pessoa for de Portugal para a Bélgica, e na Bélgica estiver previsto que as pessoas com deficiência têm entrada gratuita nos museus, este cartão permite fazer esse reconhecimento e a pessoa passará a poder entrar nos museus de forma absolutamente gratuita, tal como os nacionais desse Estado. Isto é um avanço muito significativo porque, até hoje, muitas pessoas com deficiência tinham muita dificuldade em ver reconhecido o seu próprio estatuto de pessoa com deficiência e, muitas vezes, viam negado o acesso a esses direitos. No que se refere aos principais desafios, tivemos infelizmente um grande revés. Nós gostaríamos que este cartão fosse aplicado para situações temporárias em que há uma transição de uma pessoa com deficiência de um país para o outro. Ou seja, se uma pessoa decidir mudar de residência e passar a residir noutro país da UE, durante o processo de reconhecimento que será necessariamente obrigatório fazer no país de destino, este cartão serviria como reconhecimento temporário da pessoa com deficiência que garantiria o acesso aos benefícios sociais que estivessem associados no país de proveniência. Infelizmente isto não foi possível, mas conseguimos um alargamento deste cartão para os períodos de mobilidade,isto é, se uma pessoa com deficiência estiver a participar num programa de mobilidade europeu, este cartão não terá só a duração dos três meses prevista para as situações normais, mas terá a duração de todo o programa de mobilidade em que a pessoa estará inserida.
3. Este ano realizam-se as Eleições para o Parlamento Europeu, que serão certamente muito importantes tendo em conta o impacto direto que a União Europeia tem sobre os Estados-Membros - a título de exemplo, estima-se que cerca de 80% da legislação interna dos Estados-Membros provenha de fontes europeias, direta ou indiretamente. Apesar disto, nas últimas Eleições Europeias, em Portugal, a taxa de abstenção foi de 68,6%. Acredita que nestas eleições a taxa de abstenção pode diminuir?
Eu acho que nós temos de abandonar, de uma vez por todas, a ideia de que a Europa é uma coisa distante, que está lá longe, que Bruxelas é uma realidade afastada de Portugal. Como dizem, e bem, grande parte da legislação nacional é hoje proveniente da transposição de diretivas ou da aplicação dos regulamentos europeus o que, por si só, já demonstra a grande importância que o processo legislativo europeu tem nos Estados-membros. Mas tenho uma esperança adicional. Infelizmente - e no meu caso reforço o “infelizmente” - tivemos eleições legislativas há muito pouco tempo no nosso país. Isto pode significar que o habitual fenómeno de as pessoas transporem para as eleições europeias os debates que dizem respeito às realidades nacionais tenha sido esvaziado pela realização destas eleições legislativas há tão pouco tempo. Tenho alguma esperança que isto signifique que possamos concentrar o debate das eleições europeias sobre os temas que são da competência da União Europeia e que, com isso, possamos envolver os cidadãos a participar neste processo eleitoral, mostrando claramente que a sua participação tem influência no resultado e, acima de tudo, tem influência nas políticas que poderão vir a ser seguidas ao longo dos próximos cinco anos, sendo o Parlamento Europeu um importante co-legislador ao nível europeu.
4. Um inquérito divulgado pelo Parlamento Europeu em 2019 concluía que a insatisfação com a política em geral era a principal razão apontada para a taxa de abstenção recorde, em Portugal, nas últimas Eleições Europeias, seguida do desconhecimento relativamente à UE ou às Eleições Europeias. Contudo, de acordo com o Eurobarómetro de 2022, Portugal é o Estado-Membro com maior confiança na União Europeia. Na sua opinião como é que estes dois dados contraditórios se coadunam? Que estratégias adotar para quebrar esta distância entre a UE e Portugal?
Há um dado em relação a 2019 que eu acho que é muito positivo e que importa realçar. Nós tivemos, de facto, um aumento da abstenção em termos relativos. Ou seja, em termos percentuais, relativamente ao universo de eleitores, a abstenção aumentou. Mas em termos absolutos, foram votar mais pessoas comparativamente com as eleições anteriores, e isto inverte uma tendência que, em Portugal, tinha sido sempre de diminuição do número total de votantes face à eleição anterior. Este sinal é muito positivo e eu espero que nós, em 2024, consigamos manter esta tendência e possamos aumentar novamente o número de pessoas que votam nestas eleições. Para o bem e para o mal, as últimas eleições legislativas registaram um recorde absoluto no número de pessoas que alguma vez votaram numas eleições em Portugal e eu espero que possamos manter esta tendência e chamar as pessoas a participarem também nas eleições europeias. Como dizem, e bem, os níveis de abstenção nas europeias contradizem muito com aquilo que é o sentimento que os portugueses manifestam de grande adesão e de grande identificação com o projeto europeu. Teremos, por isso, de concentrar todos os esforços nesta campanha eleitoral para debatermos os temas que dizem respeito à competência da UE, explicar às pessoas quais são as propostas concretas que cada um dos partidos políticos tem nas diferentes áreas - do ambiente à saúde, passando pelo comércio internacional, pela defesa, pelas relações externas, trabalho, direitos sociais, agricultura, e tantos outros. Estas questões têm de ficar muito claras na cabeça das pessoas de modo a que possam conhecer realmente quais são os posicionamentos políticos daqueles que vão eleger para os representar. E isso é determinante para a composição global do Parlamento e determinante para orientar aquilo que serão as posições assumidas pelas maiorias criadas no Parlamento Europeu, que definirão aquilo que será o nosso futuro comum no seio da UE.
5. Numa tónica mais pessoal e menos institucional, sabemos que o dia-a-dia de um eurodeputado é, em parte, diferente de um deputado de um Parlamento Nacional. Quais são as partes do seu trabalho que mais «gozo» lhe dão?
O trabalho de um deputado ao Parlamento Europeu é, como já foi sendo evidenciado, de uma extraordinária importância não só pela dimensão e simbolismo deste projeto, que é um projeto unificador, de paz e de democracia na Europa, mas também pelo impacto que tem na vida real e no dia a dia das pessoas. Ao contrário daquilo que repetimos muitas vezes, até de forma automática, Bruxelas não está lá longe e, de facto, o trabalho que se faz nas instituições europeias tem aplicação direta e efetiva no quotidiano de cada um de nós. Portanto, fazer parte deste processo legislativo encerra um sentimento de grande privilégio e de grande responsabilidade porque posso contribuir com as minhas ideias e convicções, posso participar no processo de auscultação dos eleitores, dos representantes, das associações, do setor empresarial, para que possa informar a minha posição e, dessa maneira, dar o meu contributo em todo este processo legislativo. Mas destacaria também uma das partes que eu considero mais gratificante do meu trabalho: a possibilidade de contactar com muitas pessoas muito diferentes, com passados e proveniências culturais totalmente distintas, com visões completamente diferentes daquilo que é o nosso presente, o nosso sentimento de união e identidade comuns e, com isso, enriquecer a minha própria visão sobre aquilo que eu acho que deve ser o projeto europeu. Ter esta partilha constante, sobretudo com os mais jovens, e envolvê-los como parte ativa deste processo, não apenas passivas, mas sobretudo ativas, é sem dúvida uma das partes que eu mais aprecio no trabalho no Parlamento Europeu enquanto deputado.
Muito obrigada!
Inês Oliveira e Diana Reis
Departamento Grande Entrevista
Martina Pereira e Clara Castro
Direção
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