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Foto do escritorIsabel Lobo

GUANTANAMO BAY: baía do esquecimento

A Terceira Convenção de Genebra foi escrita em 1929 e definiu o tratamento de prisioneiros de guerra em 3 pontos fundamentais: obrigação de tratar os prisioneiros humanamente, sendo a tortura e quaisquer atos de pressão física ou psicológica proibidos; existência de obrigações sanitárias (de higiene e alimentação); e respeito da religião dos prisioneiros. Todo o ato de violação pelas nações que ratificaram as Convenções de Genebra (sendo um deles os Estados Unidos) pode conduzir a um processo diante o Tribunal Penal Internacional.


Deixando claro estes princípios, foquemo-nos agora num caso aberrante e esquecido na história da democracia ocidental: a prisão de Guantanamo Bay. A baía de Guantánamo localiza-se ao sul da ilha de Cuba e foi arrendada de forma perpétua pelos Estados Unidos em 23 de fevereiro de 1903, na qual foi construída uma base naval americana. É nesta base naval que foi construída a Prisão de Guantánamo Bay, que ganhou proporções desmedidas logo depois do 11 de setembro, com a estratégia agressiva da War on Terror, promovida pelo presidente estadunidense George W. Bush.


Desta estratégia contra o terrorismo resultou a invasão por parte dos EUA ao Afeganistão, para caçar membros dos grupos terroristas da Al-Qaeda e dos Talibã. Eventualmente, suspeitos de terrorismo foram detidos e todos foram relocalizados para a Base Naval de Guantánamo Bay, tornando-se numa prisão militar. Em janeiro de 2002, o primeiro grupo de 20 combatentes capturados no Afeganistão é levado para Guantánamo, e em 2003 é já um total de 773 prisioneiros. Passados 20 anos, continuam em Guantánamo 39 prisioneiros que nunca tiveram condenação nem julgamento.


O caso de Guantánamo Bay é um legal blackhole, com uma quantidade de acontecimentos aberrantes que, como nunca foram desenhados para ficarem nas mãos da justiça, parecem não ter possibilidade de agora serem tratados dentro do ordenamento jurídico: a manutenção da Base Naval da Baía de Guantánamo não encontra amparo em nenhuma convenção internacional, e, por isso, não há como fiscalizar o que acontece no seu interior; como a prisão não está em solo americano, então o governo americano defendia que para estes prisioneiros não se aplicava o sistema judicial americano (no qual um prisioneiro teria de ser ou libertado ou haver uma condenação); como o presidente Bush definia estes prisioneiros como terroristas e não como prisioneiros de guerra, então estes prisioneiros não estariam ao abrigo da Terceira Convenção de Genebra; o sistema judicial não foi desenhado para haver condenações através do sistema judicial tradicional, mas sim através de tribunais militares que não funcionavam pela presunção de inocência.


Este legal blackhole permitiu que, por um lado, comportamentos criminosos praticados pelos funcionários dos órgãos do Estado não fossem punidos por lei: a prisão indiscriminada de homens Uigures (minoria étnica chinesa), que lá ficaram anos e anos, e no entanto sem nenhuma relação com organizações terroristas; a morte de 4 prisioneiros por suicídio coletivo; abusos sexuais por parte dos médicos da prisão; desrespeito de práticas religiosas (obrigar os prisioneiros a comer carne de porco e a profanar o Alcorão); técnicas de interrogatório torturantes (submarino, a técnica de simular afogamento); o impedimento por parte dos Estados Unidos de que a ONU inspecionasse as condições da base; e inúmeros outros casos.


Por outro lado, o legal blackhole impede também o fechar da prisão. Desde 2003, tem havido um arrastamento dos processos, na medida em que não pode haver (e não querem que haja) transferências dos condenados para prisões dentro do território americano, mas nenhum outro país quer aceitar presos de Guantanamo Bay, e mesmo os indivíduos que nunca tiveram qualquer relação com movimentos terroristas não conseguem voltar para as suas terras natais, onde há agora guerras civis (nomeadamente o Yemen).


Dan Fried, um ex-funcionário dos Negócios Estrangeiros dos EUA, em entrevista, acerca de Guantanamo Bay, disse: “Once you start them outside the rule of law, bringing them in the rule of law is a lot trickier than you think. Don’t throw out the rulebook in a fit of passion. You’ll regret it.” A luta contra o terrorismo deve ser implacável, na luta pelos valores democráticos e de respeito pelo ser humano. Mas se os meios para atingir esse fim desviam-se tanto do objetivo final que acabam por haver semelhanças inegáveis entre o herói e o vilão, será que no final poderá o herói falar moralmente da sua luta, ou orgulhar-se da meta atingida?


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