No dia 24 de fevereiro de 2022, as tropas russas invadiram e atacaram a Ucrânia, levando a uma guerra que se esperava breve; porém, atualmente, ainda dura e parece não pacificar. De facto, é já consensual que a guerra não seguiu os trâmites que Moscovo esperava, visto que Kyiv continua de pé e ucraniano.
Primeiramente, parece importante mencionar que Putin não é a Rússia. No dia 4 de dezembro, o Ministério da Defesa britânico, na sua atualização diária da guerra, revelou que o apoio público dos russos à invasão está a diminuir. Segundo o ministério inglês, um órgão de comunicação russo divulgou dados recolhidos pelo Serviço Federal da Proteção da Rússia, que demonstra que 55% dos russos tendem para conversações de paz com a Ucrânia, ao passo que 25% defendem a continuação da guerra. É importante relembrar que em abril 80% do povo russo apoiava a invasão da Ucrânia.
De acordo com a agência Reuters, já morreram pelo menos 41 mil pessoas, 15 mil desapareceram, 14 milhões estão deslocadas e cerca de 140 mil edifícios foram destruídos. Contudo, os danos reais são incalculáveis, assim como as atrocidades cometidas quer pelo exército russo, quer pelas forças ucranianas.
Nas palavras de Putin, “a operação militar especial” levada a cabo pela Rússia tem como objetivo defender as repúblicas separatistas de Donetsk e Lugansk, assim como “desnazificar” a Ucrânia e garantir que a mesma não adira à NATO. Efetivamente, a Rússia está onde está e não se pode mover, sendo a Ucrânia vista como um “escudo” entre a Rússia e o Ocidente. Desta forma, para evitar o avanço da NATO, a Rússia adianta-se. Este parece ser o raciocínio de Vladimir Putin; no entanto, com a incursão em terras ucranianas, o líder russo não conseguiu que o Ocidente se retraísse, apenas que a aliança progredisse. Isto é, com a ameaça russa, países que declararam neutralidade há várias décadas viram-se obrigados a aderir à NATO, como o caso da Suécia e da Finlândia, que já se encontram em processo de adesão à NATO. Deste modo, com a dita “operação militar especial”, a NATO vai avançar e Helsínquia ficará apenas a 390 km de S. Petersburgo, uma das maiores cidades russas.
Além do mais, a guerra da Ucrânia parece ter unido o Ocidente. Na verdade, a União Europeia respondeu de forma assertiva e firme, tendo, pela primeira vez, enviado armamento em apoio à Ucrânia. Na mesma senda, os Estados Unidos proporcionaram milhões de dólares em ajuda e equipamento militar à Ucrânia. Ademais, as sucessivas sanções mostram a unidade dos países ocidentais neste tema. Porém, vamos ter que esperar para ver se, em algum momento, os europeus vão escolher o conforto ao invés da solidariedade com os ucranianos.
No que toca a avanços no terreno, nos dias iniciais da invasão, o exército russo tomou de assalto a região de Kherson. Seguidamente, as tropas russas lançaram cerco a Kyiv, dando mote a um dos momentos mais célebres do conflito quando o Presidente da República ucraniano, Volodymyr Zelensky, recusou a oferta dos Estados Unidos para fugir do país, proferindo a frase que ficou mundialmente conhecida “Eu preciso de munições, não de uma boleia”. O que é certo é que afrontados com uma forte resistência ucraniana, as forças ocupantes acabaram por se retirar, concentrando os seus esforços na região do Donbass. Um dos pontos fulcrais, na visão russa, é a cidade de Mariupol. A urbanização portuária é de extrema importância para as ambições russas, uma vez que o controlo da mesma proporciona ligação territorial entre a Crimeia e as zonas separatistas do Donbass. Munidos de uma impressionante força bélica, em meados de junho, a Rússia controlava cerca de 20% do território ucrâniano. No entanto, no início de setembro, Kyiv surpreendeu e arrojou um ataque surpresa na região de Kharkiv, recuperando a mesma. Seguidamente, a 9 de novembro, Moscovo ordenou às suas tropas que se retirassem de Kherson.
O inverno está à porta e os russos vão certamente utilizar o frio que se faz sentir em terras ucranianas para fazer sofrer a sociedade civil e pressionar os dirigentes ucranianos. De facto, nos últimos tempos a Rússia adotou a estratégia de bombardear os postos de energia, de forma a que estes não se encontrem operacionais. Neste momento, milhões de ucranianos não têm luz ou água. A nível militar, o inverno poderá servir para os dois lados se reequiparem.
Por outro lado, a vendeta russa não se fica pela Ucrânia. Na verdade, a força ocupante impôs um bloqueio marítimo, o que impossibilitou a Ucrânia de exportar milhões de toneladas de cereais. Apenas com a intervenção da ONU, em meados de julho, com mediação da Turquia, é que foi possível reatar as exportações. Além disso, o regime de Putin faz uso da dependência que a Europa Ocidental tem do gás russo. De facto, em retaliação às sanções impostas pelo ocidente, as exportações do gás provenientes da Rússia tornaram-se mais inconstantes, o que levou à subida dos preços. Os gasodutos Nord Stream 1 e 2 foram danificados por explosões, levando os países europeus a acusar o regime russo de sabotagem.
Neste momento parece impossível prever o desfecho do conflito; contudo, uma coisa parece certa: Putin esperava uma resistência mais ténue. Na verdade, um dos sinais que nos levam a querer que a Rússia esteja débil é a mobilização parcial que o Presidente da Rússia decretou a 21 de setembro. Em face das perdas de terreno, o líder russo viu-se forçado a mobilizar cerca de 300 mil reservistas. Por outro lado, a ameaça de um conflito nuclear paira no ar. A central nuclear de Zaporija, a maior da Europa, está no centro das hostilidades. O ocupante e o ocupado imputam os bombardeamentos à contraparte. A tensão vivida na central nuclear já levou a ONU a enviar uma equipa de especialistas para inspecionar as instalações.
A guerra segue, as vidas perdem-se, as mães russas esperam pelos filhos que não regressarão, muitos fugiram e quando voltarem encontrarão ruínas. “A guerra é um lugar onde jovens que não se conhecem e não se odeiam se matam entre si, por decisão de velhos que se conhecem e se odeiam, mas não se matam.” (ERICH HARTMAN).
André Góis
Departamento Sociedade
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