José de Sousa Saramago foi, como sabemos, o único Nobel da Literatura da língua portuguesa. Porém, além do destaque assumido na literatura nacional e internacional, não deixou de ter uma intervenção política bastante ativa e polémica.
A primeira aparição política de Saramago remonta a 1948-1949 quando este, num ato corajoso, apoia o general Norton de Matos à presidência da República, em oposição ao candidato do regime, o general Óscar Carmona. De facto, o apoio de Saramago viria com um grande custo pessoal, tendo este sido afastado do seu emprego na Caixa de Abono de Família do Pessoal da Indústria da Cerâmica.
É no Partido Comunista Português que encontra a sua casa política, tendo-se tornado militante do mesmo em 1969, período em que se acentuava a crise do regime do Estado Novo. Aliás, o fervoroso militante comunista em nenhuma circunstância esconde ou mitiga a sua condição de membro do PCP, evidenciando-a orgulhosamente. No seu regresso a Portugal, após o anúncio do Prémio Nobel, vimo-lo afirmar: “Eu hoje com o prémio posso dizer, que para ganhar o prémio, não precisei de deixar de ser comunista”.
Após a Revolução de Abril, Saramago entra, pela mão do PCP, no Diário de Notícias, passando a exercer funções como Diretor-Adjunto do jornal. No Diário de Notícias, o escritor publicou 95 crónicas intituladas de Os Apontamentos, onde o autor se destaca pelo compromisso com os ideais comunistas, proferindo elogios a Vasco Gonçalves e criticando Mário Soares e o fascismo. O curto período do Nobel na direção do Jornal de Notícias ficou marcado pelos saneamentos políticos que tiveram lugar no “Verão Quente” de 1975. O Diretor-Adjunto do jornal foi considerado o protagonista do despedimento de 24 jornalistas, na sequência da apresentação, por parte de 30 redatores, de um abaixo-assinado que defendia a revisão da linha eleitoral. A liderança de Saramago não durou um ano, terminando em finais de novembro de 1975, por força do Golpe Militar de 25 de novembro.
“Sem emprego uma vez mais e, ponderados as circunstâncias da situação política que então se vivia, sem a menor possibilidade de o encontrar, tomei a decisão de me dedicar inteiramente à literatura” (Autobiografia do site Fundação Saramago).
Em 1990, o escritor integrou a lista da coligação “Por Lisboa”, composta pelo PS, PCP, MDP/CDE e Os Verdes, tendo sido presidente da Assembleia Municipal de Lisboa, aquando da presidência de Jorge Sampaio à Câmara de Lisboa. No entanto, o mandato de Saramago revela-se efémero, uma vez que o Nobel demitir-se-ia passado um mês, em março do mesmo ano. Ademais, indicado pelo PCP, foi candidato ao Parlamento Europeu entre 1987 e 2009, sempre em lugares não elegíveis.
A vida de Saramago foi marcada por polémicas, sendo que, no campo político, não foi diferente. Ateu convicto, o escritor não fugiu ao confronto com a Igreja Católica. No ano de 1991 publicou O Evangelho segundo Jesus Cristo, tendo a obra não só incomodado os patriarcas da Igreja Católica, como também alguns membros do governo. No ano seguinte à publicação, António Sousa Lara, secretário de Estado e da Cultura à época, veta a apresentação da obra para o Prémio Literário Europeu. Nas palavras do dirigente: “O livro não representa Portugal nem os portugueses”. Após o choque com Sousa Lara e com a Igreja Católica, Saramago deixa Portugal e fixa residência em Lanzarote.
Enquanto membro do Partido Comunista, foi tudo menos um militante obediente. Efetivamente, em 1988, antes do XII Congresso do PCP, juntamente com outros escritores e intelectuais como Barros Moura, José Luís Judas e Pina Moura, firma o documento que ficou conhecido como Terceira Via, o qual impugnava a liderança de Álvaro Cunhal. Reclamava uma maior democracia interna e advertia para a necessidade de mudanças ideológicas estruturais. Em 1996, apoia a candidatura presidencial de Jorge Sampaio, ainda antes da realização da reunião da Comissão Política do PCP, que efetivaria a renúncia de Jerónimo de Sousa em detrimento do antigo presidente da Câmara de Lisboa.
Apoiante do regime cubano de Fidel Castro, não se ausentou de criticar e desaprovar irrefutavelmente o fuzilamento de três dissidentes cubanos que haviam tomado um barco para tentar fugir para os Estados Unidos. Escreveu, num artigo publicado no El País, “Até aqui cheguei. De agora em diante Cuba seguirá o seu próprio caminho, eu fico”.
Por fim, uma das suas últimas polémicas envolveu declarações que fez ao Diário de Notícias, em 2007. Efetivamente, o escritor argumentou que os portugueses só teriam vantagens se o território luso fosse integrado em Espanha e que o mesmo acabaria por suceder: “Não vale a pena armar-me em profeta, mas acho que acabaremos por integrar-nos”.
Rebelde, inconformado e controverso são alguns dos adjetivos que descrevem o Nobel português. José de Sousa Saramago viveu leal a si e aos seus ideais, não bateu palmas a quem não fosse digno delas, não cedeu passagem a quem não a merecesse e não se vergou a nenhum homem.
@João Francisco Vilhena
André Góis
Departamento Sociedade
Comentarios