Um juiz negacionista que apela à desobediência civil. Um docente de Direito, adorador de Trump, que espalha teorias da conspiração nas redes sociais. Uma manifestação que reúne mais de 3 mil pessoas sem máscaras e sem cumprir o distanciamento social em Lisboa.
Se já conhecíamos os “médicos e jornalistas pela verdade”, surgem agora os “juristas pela verdade”, liderados por Rui Fonseca e Castro, juiz e “ativista anti-confinamento”, entretanto já suspenso preventivamente pelo Conselho Superior da Magistratura, que resolveu desafiar o diretor nacional da PSP, Magina da Silva, para uma luta de MMA, corpo a corpo, ora não estivéssemos nós na Idade Média.
Num vídeo colocado nas redes sociais, o juiz refere que tem "uma proposta para o senhor Magina para resolver isto como homens (…) Se eu ganhar, o senhor Magina vai à televisão e vai dizer: eu sou um idiota, um fantoche, um pau mandado do Governo e só estou neste cargo por ser maçon".
"Seja um homem e aceite este desafio", conclui Rui Fonseca e Castro. Na passada sexta feira, dia 16 de abril, no âmbito de um processo disciplinar que levou à sua suspensão, o juiz depôs no Conselho Superior da Magistratura. Acusou o inspetor Vítor Ribeiro de pertencer à Maçonaria. Queria depor de cara descoberta, tendo que optar pela viseira. E teve uma receção entusiástica por parte de um rebanho de negacionistas que decidiram alinhar os chacras desmascarados à porta do Conselho Superior da Magistratura. Nada como ter gente que apoie a nossa imbecilidade. Até há um hino de apoio. E uma tour pelo país.
Em Santa Maria da Feira, cerca de cem apoiantes do ‘senhor juiz’ receberam-no efusivamente com beijos e abraços. De acordo com o Jornal de Notícias, um dos presentes, vociferou a seguinte reflexão: "Quando o Estado de Emergência acabar vamos ter uma ordem ex-constitucional, uma ditadura". Mas o juiz preparou um discurso. Ora atentemos:
"Se outrora era a liberdade de um povo que estava em jogo face ao domínio de uma potência estrangeira denominada Reino de Leão e Castela, hoje é a liberdade do mesmo povo ameaçada por uma política sistemática de supressão de direitos fundamentais e pela inexistência de uma Justiça independente que puna os corruptos e que nos defenda das arbitrariedades do poder"
Em entrevista à agência Lusa, António Joaquim Piçarra, Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e por inerência presidente Conselho Superior da Magistratura, admite que as posições do juiz negacionista, nomeadamente contra o uso de máscaras e medidas de confinamento, são corrosivas para a imagem da justiça: "As pessoas não compreendem como é que uma pessoa dessas está a exercer funções (…) deve existir um maior rigor na seleção da entrada dos candidatos à magistratura”, propondo a realização de exames psicológicos aos alunos do Centro de Estudos Judiciários (CEJ).
O mais recente Relatório de Segurança Interna (RASI) salienta a aproximação entre grupos de extrema-direita e negacionistas da pandemia:
"Nos extremismos políticos, apesar de a pandemia ter obrigado ao cancelamento de muitas das atividades tradicionais (reuniões, conferências, concertos), o confinamento imposto aumentou o tempo de exposição da sociedade em geral, e dos jovens em particular, aos meios online e abriu um leque de oportunidades para que os movimentos radicais de extrema-direita disseminassem conteúdos de propaganda e desinformação digital, com vista a aumentar as suas bases de apoio, galvanizar os sentimentos antissistema e a reforçar a radicalização com base xenófoba, recorrendo ao discurso apelativo da violência e do ódio, num momento em que a sociedade portuguesa é, também, confrontada com fenómenos de polarização ideológica. Neste contexto pandémico, também se aproximaram de movimentos sociais inorgânicos, nomeadamente dos grupos negacionistas da pandemia".
Infelizmente, os órgãos de comunicação social ainda promovem estes tresloucados, fazendo-se depois de desentendidos com o crescimento da extrema-direita, como acontece com o professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, João Lemos Esteves, que dissemina notícias falsas e delírios difamatórios sem contraditório. De acordo com um artigo de investigação da jornalista Bárbara Reis, do Público, "O mundo de João Lemos Esteves gira à volta de Trump, Ventura, QAnon, fake news, pseudojornais, Israel e acusações delirantes”.
Mais recentemente acusou José Pacheco Pereira de ser um espião e um terrorista ao serviço do Irão: “O Ayatollinho Pacheco tem medo do que nós sabemos sobre o seu potencial envolvimento com o Movimento BDS e com organizações terroristas, financiados pelos seus donos iranianos, e sobre o que ele terá feito…”. O historiador vai apresentar uma queixa crime contra o jurista: “uma coisa é liberdade de opinião, outra é inventar ‘factos’ para difamar”.
A pandemia trouxe treinadores de bancada especializados em epidemiologia, virologia e Direito. Delírios coletivos, sobreposição de falsidades. Não interessa a explicação racional e complexa que é apresentada. A minha ignorância vale tanto como o teu conhecimento. O mentiroso conhece a verdade, mas esforça-se para a deturpar. Os aldrabões estão-se a marimbar para a verdade. Como diria Hannah Arendt, “num incompreensível mundo em constante mudança as massas chegaram a um ponto onde, ao mesmo tempo, acreditam em tudo e em nada”.
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