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Lady Bird: O insaciável desejo de voar mais alto

Foto do escritor: Eunice GalvãoEunice Galvão

O mês de setembro marca o início de um novo ano letivo da faculdade e, com ele, mais uma tentativa minha de provar a utilidade das agendas em papel. Depois de adquirir a minha nova agenda e passar por várias páginas cheias de autocolantes, que sei que nunca usarei, deparei-me com uma página para preencher informações sobre mim. Nesta página pedia que eu indicasse qual era o filme da minha vida. Escrito e dirigido por Greta Gerwig e protagonizado por Saoirse Ronan, Lady Bird é a resposta a esta pergunta.


Lady Bird conta a história de Christine McPherson, uma adolescente que vive na pequena cidade de Sacramento (na Califórnia) e que vê a sua ida para a faculdade como uma oportunidade de fugir do “fim do mundo” onde vive. O filme acompanha a jovem no seu último ano da escola secundária, assim como as felicidades e angústias a ele associadas. O desejo de ser popular, as dores dos primeiros amores e as discussões com a sua melhor amiga são temas que marcam o último ano escolar de Christine, que é tão singular que não gosta de ser tratada pelo seu nome verdadeiro, tendo decidido dar a si mesma o nome de Lady Bird (tal como diz no filme, I gave it to myself. It´s given to me, by me).


Um dos temas mais marcantes deste filme é a conturbada relação que a protagonista partilha com a sua mãe, Marion. Lady Bird quer sempre mais e mais. Nada para ela é suficiente e Marion não compreende este desejo insaciável da sua filha de ter o mundo a seus pés, o que gera várias discussões entre elas.


Podemos escolher os nossos amigos, procurando criar laços com pessoas com as quais nos identificamos. Com os pais não é bem assim. Quando nascemos, não podemos escolher os nossos pais, assim como não os podemos descartar da nossa vida. Por mais antagónicos que sejam, os pais e os seus filhos estão sempre unidos pelo amor incondicional que sentem um pelo outro e, por mais difícil que seja, têm de aprender a coexistir. Simplesmente são-nos atribuídas aleatoriamente duas pessoas que deverão ser os responsáveis por cuidar de nós, com os quais teremos de viver até sermos autossuficientes e, sobretudo, financeiramente independentes. Pessoas com quem não nos identificamos podem ser simplesmente descartadas, cortadas da nossa vida. Com a família não é bem assim.


Neste caso, Lady Bird tem uma mãe que não podia ser mais diferente dela. Parece impossível pensar que alguém tão ambicioso e sonhador como Christine veio de alguém com os pés tão bem assentes na Terra como Marion. Por este motivo é que a protagonista e a sua mãe estão sempre a discutir, porque simplesmente não entendem a maneira de ser uma da outra. Quem dera a Marion que Lady Bird não fosse assim, com a mania de que é diferente, recusando-se a aceitar aquilo com que qualquer pessoa estaria perfeitamente satisfeita e achando que o mundo gira à sua volta. E quem dera a Lady Bird que a sua mãe também não fosse como é e que não tivesse sempre algo a apontar em relação a ela. 


Tudo isto culmina numa cena que não poderia descrever de forma mais simples e quase perfeita muitas das relações entre mãe e filha. Lady Bird vai com a sua mãe comprar um vestido para o baile de finalistas e dá por si a dizer que desejava que Marion gostasse dela. A mãe responde-lhe de forma carinhosa que é obvio que a ama, ao que Lady Bird replica “Mas tu gostas de mim?”. 


Amar, mas não gostar. A primeira vez que pensei nisto pareceu-me impossível. Primeiro, é preciso gostar de alguém para este sentimento evoluir para algo tão forte como o amor. Contudo, nas relações entre pais e filhos não parece ser assim. Os pais amam os seus filhos mesmo antes de eles nascerem, antes de os conhecerem. Só à medida que vamos crescendo é que os nossos pais nos começam a conhecer, podendo assim decidir se gostam, ou não, daquilo que verdadeiramente somos.


Quando vi Lady Bird achei que era um dos filmes que melhor retratava uma parte bastante significativa da minha vida: a vontade de ir viver para a grande cidade, discussões com a mãe e horas dedicadas ao teatro amador são três das coisas que eu e Christine temos em comum. Ao ler vários comentários e críticas a este filme, fiquei genuinamente surpreendida com a quantidade de pessoas que também se sentiam aqui retratadas. Tudo isto me permitiu concluir que Lady Bird não só me representa a mim, mas também uma grande parte dos adolescentes e a nossa busca incessante por independência, compreensão e, sobretudo, por aceitação.


Eunice Galvão

Departamento Cultural

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