Luiz Inácio Lula da Silva, ex-metalúrgico, ex-sindicalista, filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT), foi, no passado dia 30 de outubro, eleito Presidente do Brasil contra Jair Bolsonaro, numa eleição absolutamente histórica. Apesar de ter sido uma eleição renhida, com Jair Bolsonaro a conquistar 49,1% do eleitorado, em contrapartida, a candidatura de Lula da Silva foi a que recebeu mais votos de sempre numas eleições presidenciais, conquistando 50,9% do eleitorado. Neste artigo, iremos descobrir o percurso, tão controverso, que trouxe Lula de volta à presidência do Brasil.
ATO I- Origens: o filho da Dona Lindu, o operário metalúrgico e o sindicalista
Luiz nasce a 27 de outubro de 1945, sendo o sétimo de oito filhos de Aristides Inácio da Silva e Eurídice Ferreira de Melo (conhecida como Dona Lindu), um casal de lavradores iletrados. A casa em que Luiz nasceu tinha um chão de terra, sem casas-de-banho nem água potável. Começou a trabalhar aos oito anos, passando por diversos empregos, até ser aprovado, em 1961, para o curso de tornearia mecânica. Posteriormente Lula haveria de dizer que o facto de ter prosseguido estudos terá sido a melhor coisa que lhe havia acontecido. Foi no seu trabalho enquanto metalúrgico que esmagou o seu dedo num torno mecânico, tendo que esperar horas até que o dono da fábrica chegasse e o levasse ao médico, que optou por cortar o resto do dedo mindinho da mão esquerda.
Foi a partir desse momento que tudo mudou para “Lula”, que recebe esta alcunha durante os seus anos enquanto sindicalista. Foi com o seu curso técnico que se tornou metalúrgico, e, em 1968, filiou-se ao Sindicato de Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema. Na altura, e principalmente quando ocorre o golpe de Estado de 1964, que viria a instaurar a ditadura militar, Lula da Silva não se insurge, uma vez que não teria nenhum interesse acerca de política, e só quando começou a gostar e a envolver-se mais nas atividades sindicais, é que ganhou “um mínimo de consciência de classe”. No período 1968-1979, Lula torna-se uma estrela em ascensão do sindicalismo, liderando, em 1979, uma greve de metalúrgicos, que reúne 235 mil trabalhadores, e que paralisa as fábricas em São Paulo.
ATO II- Faz o L: o político, e o presidente mais popular de toda a história do Brasil
No dia 10 de fevereiro de 1980, Lula esteve presente enquanto um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, ainda no período da ditadura militar. Em 1986, foi eleito deputado federal por São Paulo com a maior votação para a Câmara Federal até aquele momento, tendo participado da elaboração da Constituição Federal de 1988. Foi favorável à limitação do direito de propriedade privada, ao aborto, à jornada semanal de 40 horas, à soberania popular, ao voto aos 16 anos, à estatização do sistema financeiro, à criação de um fundo de apoio à reforma agrária e ao rompimento de relações diplomáticas com países que adotassem políticas de discriminação racial. No período de 1989-1998, terá concorrido por três vezes à presidência do Brasil, tendo perdido uma vez para Fernando Color de Mello (PRN) e duas vezes para Fernando Henriques Cardoso (PSDB). Terá sido na campanha de 1989 que viralizou o gesto de “L” para simbolizar Lula, que se mantém até aos dias de hoje. No entanto, em 2002, tudo mudaria.
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Se nas anterior campanhas presidenciais Lula teria mantido posições consideradas radicais, na campanha presidencial de 2002 Lula mudou de estratégia, formando uma coligação muito mais abrangente, abrindo as portas para eleitores de centro-direita, nomeadamente com a escolha de José Alencar, empresário têxtil do Partido Liberal, para seu vice-presidente, e optando por um discurso moderado, prometendo respeito aos contratos e reconhecimento da dívida externa do país, conquistando a confiança de parte da classe média e empresários. A 27 de outubro de 2002, Lula foi eleito presidente do Brasil, sendo posteriormente reeleito para um segundo mandato.
No seu primeiro mandato, a economia do Brasil cresceu rapidamente, com crescimento anual de 3,35% do PIB, uma queda da dívida externa, e uma queda da taxa de desemprego. O seu início de governo chegou a ser elogiado pelo presidente do FMI da época. Lula beneficiou de uma época económica de crescimento, mas acima de tudo, utilizou-a de modo a aprofundar o Estado Social do Brasil: com a economia a florescer, implementou a “Bolsa Família”, um programa de transferência de renda do Governo Federal para assegurar que as famílias mantinham as suas crianças na escola e dar-lhes um meio de quebrar o ciclo da pobreza que se perpetua em famílias pobres. Entre 2003 e 2006, o índice de pobreza caiu de 34% para 25%; a mortalidade infantil caiu para metade; a frequência escolar aumentou; foram implementados programas de saúde nas áreas da medicina dentária, saúde sexual, entre outros. Pelo final do seu segundo mandato, o GDP do Brasil era o maior da sua história, tal como Lula era também o presidente com maior taxa de popularidade de sempre no Brasil, quase 90%.
ATO III- Lula Livre: a Operação Lava-Jato, a prisão, e o renascer das cinzas
Mas o que é bom não pode durar para sempre. Lula elegeu como sua sucessora Dilma Rousseff, mas, para além de não ter o mesmo carisma que Lula , herdou as consequências da crise económica de 2008, levando a uma recessão económica no Brasil, e a sua política económica fê-la perder eleitorado do centro-direita. Mas em 2014, a Operação Lava-Jato iria destruir toda a coligação construída no período do Governo Lula. A Operação Lava Jato, talvez considerada a maior rede de investigação de corrupção alguma vez vista, foi uma investigação governamental que descobriu que muitos políticos de topo dentro do Partido dos Trabalhadores, incluindo Dilma Rousseff e Lula da Silva, estavam incluídos numa rede de corrupção relacionada com a Petrobras, a empresa nacional de petróleo. A popularidade de Dilma Rousseff desceu a níveis históricos até ser eventualmente, em 2016, ser retirada do cargo através de um “impeachment”. Lula também foi implicado no processo, sendo condenado por corrupção em 2017. No entanto, em 2019, o Supremo Tribunal libertou Lula da prisão e anulou as suas sentenças, permitindo que voltasse a candidatar-se à presidência em 2022. Como agora sabemos, a sua popularidade permaneceu (relativamente) intocada, e tornou-se, de novo, presidente eleito do Brasil.
O QUE SERÁ DE LULA DAQUI EM DIANTE?
Na sua foto de celebração pela recém-eleição enquanto Presidente do Brasil, consegue-se ver a sua mão esquerda, com anel de casamento e sem o dedo mindinho, estendida em cima da bandeira do Brasil, sendo talvez uma das imagens mais representativas da sua figura política. No entanto, o Brasil é agora um país extremamente polarizado, com o bolsonarismo extremamente organizado. Resta ver se Lula conseguirá abraçar um país dividido, governando não só para os que votaram nele, mas para os tais 252 milhões de brasileiros.
Isabel Lobo
Departamento Sociedade
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