Finda a licenciatura em Direito, abre-se um leque infindável de saídas profissionais por que os estudantes recém-licenciados podem enveredar. Ainda que haja uma ampla variedade de escolha, as que recebem o prémio de mais ovacionadas são, sem dúvida, a advocacia e a magistratura. Não retirando a importância à primeira, debruçar-me-ei na magistratura, com os olhos postos e atentos às novas mudanças que se avizinham.
O acesso a esta carreira tão nobre, é sabido, sempre se pautou por uma extrema dificuldade no seu processo de recrutamento, de maneira que, até se chegar à aguardada ocasião de se vestir a beca, o pobre estudante terá de marchar longos e árduos anos. Não obstante a atratividade, o número de candidatos tem vindo a decrescer exponencialmente, muito devido ao desincentivo relativo à morosidade e exigência da formação, à incerteza quanto ao local onde os futuros juízes serão colocados, além da existência de outras carreiras que, não exigindo um percurso tão longo, são financeiramente mais atrativas no imediato.
Estas determinações diziam-se estritamente necessárias para assegurar a formação de magistrados capacitados, na sua função nada benévola de trabalhar para o engrandecimento da Justiça, que se requer competente. João Cura Mariano, atual presidente do Supremo Tribunal de Justiça, a julho do presente ano, já assinalava a premência de alteração no regime de ingresso à magistratura, apontando o “anacrónico regime legal de acesso ao CEJ” como a principal razão deste fenómeno, recordando, ainda, que em 1983, ano em que ingressou no CEJ, existiam 2500 candidatos para 60 vagas, contrapondo com o presente, em que apenas 523 juristas se candidatam para 103 vagas.
Isto posto, na tentativa de mitigar o crescente desinteresse - que, confesso, embora seja a minha área de predileção, também a mim me tocava um pouco quanto a alguns dos pontos acima enunciados -, tem sido anunciado pelo Governo um conjunto de novas exigências de acesso, a maioria após a proposta de lei que altera o ingresso nas magistraturas e a formação no Centro de Estudos judiciários (CEJ).
Sem dúvida que a medida que mais debate gerou foi a que exige dos estudantes apenas uma licenciatura em Direito pré-Bolonha ou uma licenciatura pós-Bolonha com mestrado, requerendo unicamente, quanto a esta última, a parte curricular, sem a dissertação. Ora, tem-se contestado que, ao que parece, o Governo não olhou a meios para atingir os seus fins - de facto, pergunto-me: será este o caminho a seguir? Será diminuindo as qualificações exigidas que os juristas olharão com maior êxtase para a magistratura como uma carreira promissora? Fará sentido sacrificar, em certa medida, a Justiça, que deve imperar num Estado de Direito, em prol de uma maior captação de candidatos? Realmente, tal poderá, a longo prazo, gerar uma perda de qualidade na jurisprudência - problema já latente nos dias de hoje, em comparação com passado -, além de fomentar uma maior impreparação àqueles que são os protagonistas dos julgamentos, julgamentos esses que requerem, e dadas as constantes mutações e desafios com que o Direito se tem defrontado, rigor, profissionalismo e adequação nos julgados. Estes são valores que devem andar de braço dado com o Estado de Direito democrático. Esta ideia acentua-se com a retirada da prova de temas culturais, económicos e sociais, além de, na prova oral, se dispensar a abordagem a temas de Direito Administrativo e Direito Económico. Ainda que a Ministra da Justiça Rita Júdice tenha garantido que as medidas não diminuiriam o grau de exigência, resta-nos esperar para ver.
Apesar disto, creio que o Ministério da Justiça foi bastante assertivo quanto à previsão de instalação de um novo polo do CEJ em Vila do Conde, divulgado em janeiro de 2023, já que, e retornando às medidas recém-publicadas (ainda que não tão recente como as referidas supra), se repercutiu num aumento de 60 vagas confirmadas já para 2025. Finalmente, parece que se caminha não só para um investimento que contribuirá para ampliar o universo de interessados para o setor, problema tão alarmante e que se expectava vir a agravar-se com o decorrer dos anos, mas também para um combate à centralização dos serviços na capital. Afinal, Portugal e, em específico, os magistrados portugueses, não se confinam a Lisboa e arredores. Nada melhor que o tempo para provar que a frase emblemática de Eça - “Portugal é Lisboa, o resto é paisagem” - vai, paulatinamente (porventura, mais devagar do que o desejado), perdendo a sua força nos dias atuais.
De acordo com o disposto no art. 31.º, n.º 5 do Estatuto do Auditor de Justiça, a bolsa recebida pelos auditores de justiça, isto é, estatuto que se consegue através da celebração de contrato de formação entre o candidato habilitado no concurso e o CEJ, revela-se insuficiente (diria utópica) para se viver, com todas as despesas que isso acarreta na cidade portuguesa mais cara e onde a crise da habitação mais vincadamente se revela. Esta conjuntura é atenuada pela descentralização para o Porto, mas também pela atribuição de uma bolsa de formação, as despesas de deslocação pagas pelo CEJ e a segurança social do Estatuto do Bolseiro de Investigação, sendo que, quanto a este último, abrange seguro de acidentes de trabalho, o transporte e apoia futuros magistrados com menor poderio económico, o que creio que, com efeito, possa aliviar eficazmente parte do desinteresse relativo aos enormes custos que a deslocação cingida a Lisboa acarreta.
Enfim, não obstante a quantidade dos magistrados, problema que não deixa de ter a sua extrema relevância e que merece célere resposta, julgo que prima a qualidade dos mesmos, em prol de um bem maior. Que os nossos futuros magistrados nunca deixem de conseguir desempenhar, com mestria, a nobre responsabilidade de dizer o Direito e de dar resposta às exigências que um futuro tão desafiador invoca, com a consciência de que deixarão rastos. Em tempos de seca, que a Justiça floresça sempre.
Diana Pinto
Departamento Mundo Universitário
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