Maio: o mês dos 99%
- Inês Barbosa
- 24 de mai. de 2023
- 3 min de leitura
Maio iniciou-se com o dia do trabalhador, o 49.º celebrado após a ditadura do Estado Novo. O feriado em questão surgiu em Chicago, nos Estados Unidos, em 1886, com uma manifestação de 500 mil pessoas a pedir melhores condições de trabalho. Acabou por se alastrar por vários países sendo, atualmente, uma data celebrada internacionalmente.

A maioria das pessoas tem de trabalhar para sobreviver. Aliás, não falamos de uma maioria mas de uma esmagadora maioria: 99%. E quem não tem de trabalhar, digamos de uma forma clara, vive à custa do trabalho dos outros. Há, portanto, uma necessidade comum a milhões de pessoas: o trabalho. Veremos como é, então, tratada esta força essencial ao funcionamento do mundo.
A propósito do dia 1 de maio, a Pordata, base de dados estatísticos da Fundação Francisco Manuel dos Santos, analisou a situação laboral dos portugueses. Spoiler alert: não é a melhor. Alguns dos pontos mais importantes da análise são os seguintes:
Nos cinco setores que geram mais riqueza em Portugal (indústria transformadora, imobiliário, retalho, administração pública e saúde) os trabalhadores ganham salários abaixo da média nacional (1294 euros). Diria que a distribuição não está bem calculada;
As mulheres recebem menos 224 euros por mês que os homens. A maior diferença salarial encontra-se em áreas como a justiça, o desporto e a cultura, em que os homens ganham, em média, mais 2409 euros que as mulheres. Nas profissões mais qualificadas também existe gap salarial: entre diretores e gestores de empresas, os homens recebem, por mês, mais 1070 euros que as mulheres;
Portugal tem uma produtividade 25% inferior à média europeia, sendo o quarto país dos 27 membros com menor produtividade no trabalho, segundo dados provisórios de 2022, avançados pelo Eurostat.
Vemos, portanto, que o cenário não é o mais risonho.
Muito se tem falado, ultimamente, da Agenda do Trabalho Digno, que entrou em vigor, de modo a celebrar a data, no passado dia 1. Há, portanto, alterações à lei laboral, que passam, resumidamente, pelo alargamento do direito ao teletrabalho aos pais com filhos com deficiência, doença crónica ou doença oncológica, independentemente da idade, pelo aumento do valor das compensações por despedimento coletivo e por extinção de posto de trabalho, que vai passar dos 12 dias de retribuição base e diuturnidades por ano para 14 dias por ano e pelo impedimento das empresas em recorrer a outsourcing (contratação externa) no ano seguinte a terem feito despedimentos coletivos ou despedimento por extinção de posto de trabalho.
Mais importante do que fazer uma descrição extensiva das medidas aprovadas, importa saber se foram medidas necessárias e que respondem a problemas efetivos dos trabalhadores. Ora bem, partindo do facto de que esta nova legislação foi apenas aprovada com os votos favoráveis do PS, contando com votos contra do BE, do PCP e da IL, e a abstenção do PSD, do Livre, do PAN e do CH, e já é alvo de críticas pela CGTP e pela UGT, diría que apenas o PS vê nela algo positivo.
João Leal Amado, Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e um dos nomes mais importantes do direito do trabalho, considera que a Agenda fica aquém das expectativas. Aliás, diz que “é frouxa, é até algo pífia, em muitas das alterações que traz”. Apesar de apresentar críticas, Leal Amado diz-nos que a legislação não apresenta um retrocesso na lei laboral portuguesa, nem olha para os direitos dos trabalhadores com hostilidade. Apresenta até um avanço significante no âmbito do trabalho prestado nas plataformas digitais, no sentido de clarificar a qualificação jurídica da atividade que é prestada via apps, combatendo certas teses e opiniões que defendem que os estafetas ou motoristas são prestadores de serviço autónomo ou até microempresários. Claramente não o são.
Leal Amado, no final do seu artigo no Público, afirma algo interessante: a Agenda “despiora” a nossa lei do trabalho. A meu ver, que triste é que nos contentamos com o “despiorar” das situações, das condições, das realidades. Com tanto que poderia ter sido melhorado, com avanços ainda por fazer e com os trabalhadores e trabalhadoras sempre na linha da frente a dar o corpo a políticas que não os favorecem particularmente, penso que o PS poderia ter sido muito mais ambicioso com a sua maioria absoluta que permite tanta coisa!
Inês Gomes Barbosa
Departamento Fazer Pensar
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