No momento em que escrevo este artigo, encontram-se ativas, pelo menos, três grandes guerras, classificadas como tal porque causam diretamente 10.000 mortes por ano. Estas guerras acontecem na Ucrânia, na Palestina e em Myanmar, mas as suas repercussões espalham-se pelo mundo- a ameaça de um conflito maior e a instabilidade política.
Para além disso, só em setembro, o nosso país testemunhou incêndios devastadores, seguidos por tempestades e cheias. Nos EUA, o furacão Milton ameaçou destruir o estado da Flórida. Os avisos são claros: a situação climática está pior do que nunca e o mundo como o conhecemos afasta-se cada vez mais.
Estes factos são-nos familiares; são o barulho de fundo dos nossos dias - notícias de morte e catástrofe. Alguns exemplos são as inúmeras reportagens sobre a crise da habitação e sobre a necessidade de mudanças num mercado de trabalho saturado, que nunca falam em soluções, os conflitos entre partidos, as discórdias constantes que já ninguém sabe dizer se são em proteção dos interesses de quem vota ou de quem é eleito.Observa-se a polarização da sociedade através da criação de conflitos mesquinhos que distraem dos problemas reais e da inação de quem detém o poder.
A vida de um jovem de 2024 é marcada pelo stress, como demonstrado por um estudo realizado pelo Professor João Marôco, do Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA), que, com base num inquérito realizado a 1.066 estudantes, indica que mais de metade dos jovens universitários sofre de burnout.
Para não falar no facto de que, segundo um inquérito intitulado "Young People's Voices on Climate Anxiety, Government Betrayal and Moral Injury: a Global Phenomenon" (Vozes dos Jovens sobre a Ansiedade Climática, Traição Governamental e Lesões Morais: Um Fenómeno Global), realizado em 10 países europeus, inclusive Portugal, metade dos jovens entrevistados acreditam que o mundo está condenado devido às mudanças climáticas. A preocupação é tal que quatro em cada dez hesitam em ter filhos, pois temem pelo seu futuro.
Quando olho para as nossas vidas, não vejo nada da despreocupação e da leveza que as gerações anteriores tinham nas histórias que contam sobre a universidade. Vejo a juventude poluída pelo medo do futuro, vejo as mesas das bibliotecas constantemente cheias, ouço as conversas sobre médias, a possibilidade de não conseguir estágio ou de não entrar no mestrado pairando sobre as nossas cabeças como guilhotinas. São constantes as conversas sobre as rendas que não param de subir, sobre os cubículos em que os estudantes deslocados vivem, sobre discussões com senhorios.
Aqueles que já estiveram no nosso lugar dizem que a vida nunca foi fácil, mas será que devia ser assim tão difícil? É justo termos que crescer tão rápido?
A minha resposta é:não. Devemo-nos agarrar à nossa “irresponsabilidade” e, com isto, não quero dizer “não estudem”, “não se esforcem”, “não se preocupem com o futuro”; apenas apelo a que se permitam esquecer, por momentos,da dureza dos factos..
Agarrem-se à juventude que nos tentam roubar; ainda vamos viver muitos anos para nos preocuparmos, com empregos e com a situação político-económica do mundo, mas não vamos reviver o ano em que temos 18, 19, 20 anos.
Digam não à pressão de vez em quando, lutem pelo que acreditam, façam coisas inúteis por fazer, ignorem o culto da produtividade, não leiam mais um capítulo, fechem os livros e abram o coração. Não se esqueçam do que se passa à vossa volta, mas não se deixem consumir. Saibam saborear a liberdade de não fazer.
Digam não à geração que exige de vocês o que não exigiram deles mesmos.
SEJAM IRRESPONSÁVEIS, SEJAM LIVRES, SEJAM JOVENS.
Martinha Carneiro
Departamento Mundo Universitário
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