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Foto do escritorDaniela Gomes

Mudança de sexo e agora? Entrevista ao Doutor João Décio Ferreira


João Décio Ferreira, o médico que durante 16 anos foi o único no país a fazer operações de mudança de sexo. Reformado do SNS desde 2009, é no Hospital de Jesus, em Lisboa, que o especialista em Cirurgia Plástica e Reconstrutiva atualmente exerce. Fazendo todos os esforços para que os utentes possam ser atendidos com a maior qualidade e garantia de sucesso, Décio Ferreira tirou umas horas do seu dia para nos esclarecer sobre este tema. Boas leituras!

Qual a diferença que podemos traçar entre sexo e género?

Isso é uma confusão que muita gente faz. Ouvimos muitas vezes dizer cirurgias de mudança de género. Não existem tais cirurgias pelo simples facto de que não há neuro-cirurgião que possa mudar o sexo do cérebro. Foi o sexólogo John Money que introduziu em 1955 a distinção terminológica entre sexo biológico e género, definindo género como uma construção social baseada no papel social manifestado por um indivíduo, e sexo o sexo biológico do corpo. Assim, género é a manifestação social do “sexo do cérebro” e sexo é o “sexo do corpo”.


Quando tudo funciona bem, o sexo do corpo é coincidente com o sexo do cérebro. O que sucede é que, embriologicamente, não se formam ao mesmo tempo. A área genital do corpo diferencia-se em masculino ou feminino por volta das 3 semanas da gestação (até aí a genitália do embrião é igual nos embriões dos 2 sexos), já o sexo do cérebro só se forma aos 5 meses de gestação. Não se sabe ao certo o porquê, mas, ou por razões hormonais ou por alterações dos recetores hormonais, o cérebro acaba por se formar de um sexo oposto ao do corpo. Quem descobriu isto foi Henry Benjamin (Endocrinologista e Sexologista), a meio do séc. passado. Vários colegas enviaram-lhe casos complicados em que várias pessoas se sentiam no corpo errado e que tal não era passível de ser corrigido por tratamentos hormonais etc.. Ele descobriu que se tratava de uma discrepância entre o sexo do cérebro e o sexo do corpo e chamou a isso transexualidade. Qual a solução que deu? Simples! Ele disse: “como não é possível mudar o sexo do cérebro, terão de ser os cirurgiões que mudar o sexo do corpo”. O nome correto da cirurgia é pois, cirurgia de mudança de sexo.

Como é que o doutor pensa que tem sido a adaptação da sociedade portuguesa a esta realidade das cirurgias de mudança de sexo?

Até 1995 não eram permitidas estas cirurgias em Portugal, porquê? Porque no código deontológico da Ordem dos Médicos existia uma alínea que não permitia que se amputassem partes do corpo perfeitamente sãs. Ora, o problema começava aqui. Porém, em 1995, aditou-se nesse artigo do Código Deontológico uma alínea com uma exceção para os casos de transexualidade, permitindo que se começassem a fazer as cirurgias de mudança de sexo sem esse entrave. Assim, em 1995, estas cirurgias começaram no Hospital de Santa Maria (Lisboa), pelas mãos do Dr. Godinho de Matos e, em 2005, a “pasta” acabou por me ser entregue por o Dr Godinho de Matos se ter reformado. Era o único sítio onde eram feitas.

Antes disso, também não havia grande conhecimento público do que era a situação, com o tempo é que as pessoas se foram apercebendo do que se tratava. Não era uma maluqueira, como alguns diziam, não tinha também nada que ver com homossexualidade, como outros também pensavam. Eu tenho casos em que foram do sexo do corpo masculino e que depois de operados passaram a ser lésbicas e o contrário também. Ora, nada tem que ver com a orientação sexual, são coisas distintas. Entre os transexuais existe a mesma percentagem de homossexuais que entre a restante população. A única coisa diferente é outra, é um risco que se corre quando lidamos com esta patologia, e a patologia não é a transexualidade (discrepância entre o sexo do corpo e o sexo do cérebro), a patologia é a Disforia de Género, que a discrepância entre o sexo do cérebro e o do corpo gera (podem ver no dicionário: Disforia= Mal Estar, Sofrimento), é essa Disforia que é considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como Doença no seu ICD-11 com o Código de Diagnóstico HA60. O grande problema é que as pessoas simplesmente não sabiam o que era e procuravam encaixar este problema na homossexualidade, o que não tem simplesmente nada a ver.

Eu tive um caso esclarecedor em que uma determinada pessoa nasceu mulher e que, por pressão da família, acabou por se casar, ter filhos, etc., e foi suportando um mal-estar, que não sabia a causa, que a levou ao divórcio, até que ouviu falar na televisão sobre transexualidade e descobriu que havia uma Consulta de Sexologia no Hospital Júlio de Matos. Foi a uma consulta e no fim de algumas consultas e testes acabou por lhe ser diagnosticada Transexualidade e consequente Disforia de Género. Desta feita, foi operada, e então passou a sentir-se bem, no corpo certo, tudo certo, tudo ótimo.Mas é como em tudo, há limites. É importante falar, nunca perdemos nada com isso, mas não devemos aproveitar a situação para abarcar questões que não estão de forma alguma interligadas.

Vejamos a questão da expressão na moda do “trans”. O trans vem de transgéneros, que graficamente e internacionalmente se esquematiza como um chapéu de chuva aberto e sob o qual estão representados todos os Transgéneros. Os Transgéneros vão desde o Travesti até aos Drag Queens, Drag Kings, etc.. Ora, os Transexuais são os que estão na extremidade oposta aos Travestis e são os únicos que sofrem pelo sexo do seu cérebro não coincidir com o de corpo, são os únicos que sofrem de disforia de género. É esta dor, este sofrimento, esta disforia, que é codificada pela OMS como Doença no ICD-11 com o Código de Diagnóstico HA60.


De facto, Trans é o diminutivo de todos os Transgéneros e não só dos transexuais. Mais, se forem ver na Internet, encontrarão um site com 1502 palavras cujo diminutivo é Trans. O “Trans” é, assim, uma moda totalmente idiota ou criada com fins pouco lícitos.

Disforia = «sofrimento, mal estar» qualquer pessoa pode ter por variadíssimas causas, pode acontecer até que um homossexual possa sofrer de disforia, mas todas essas situações são tratável com consultas de psicologia, psiquiatria, etc. Diferente é a Disforia provocada pela Transexualidade, que só é corrigível com cirurgia. A Disforia de Género dos Transexuais é muito grave e gera tanto sofrimento que pode levar mesmo ao suicídio. A taxa de suicídio entre transexuais é substancialmente maior que na população em geral. Felizmente a situação tem vindo a melhorar, mas antigamente era muito complicado, as pessoas sentiam-se totalmente desacompanhadas, perdidas e, por vezes, vitima de assédio moral “bullying”, que no caso passado há anos no Porto da Transexual Gisberta Salce Júnior, culminou em assassinato.

Quando começaram as consultas de Sexologia e se iniciaram as cirurgias na Cirurgia Plástica do Hospital de Santa Maria, o problema melhorou. No entanto, o problema retornou a partir de 2011 quando essas cirurgias terminaram no Hospital de Santa Maria e as pessoas perceberam que a parte cirúrgica não estava a correr tão bem no SNS. Claro está que a coisa tem vindo a melhorar, ultimamente temos tido boas notícias acerca das cirurgias.

Neste sentido, o que pensa o doutor sobre a atual situação gerada pela guerra entre a Rússia e a Ucrânia, em que muitos transexuais apresentam nomes distintos nas suas identificações do sexo que manifestam e, por isso, são impedidos de abandonar o país?

Isso é um problema grave que, apesar de não ser nosso, é preocupante mas que tem de ser resolvido pela Ucrânia. Cá em Portugal isso já é muito fácil desde 15 de Março de 2011. Nesse dia saiu uma lei específica para os transexuais, a Lei n.º 7/2011, de 15 de Março. Com essa lei um transexual que até aí precisava de ter o diagnóstico feito e todas as cirurgias terminadas para interpor uma ação contra o Estado, onde gastaria uns 3 ou 4 mil euros, para só ao fim de 3 ou 4 anos obter finalmente a tão desejada mudança de nome nos documentos de identificação, por intermédio de uma Sentença Judicial. Por vezes, os Juízes resolviam enviar essas pessoas ao Instituto de Medicina Legal para uma peritagem, para verem se estava “tudo feito” e para terem um documento pericial sobre a genitália da pessoa, etc., para garantia se já eram homens ou mulheres, o que era terrível. Chegavam à Medicina Legal, tinham que se despir totalmente, tinham uma quantidade de médicos e outros profissionais que mediam tudo e mais alguma coisa, tiravam fotografias, etc., para fazerem o relatório pedido pelo Juiz.

Felizmente, nem todos os Juízes faziam isso, que era puramente diabólico. Participei nos Tribunais como Testemunha em quase 30 desses julgamentos. Com a Lei n.º 7/2011 bastava um diagnóstico clínico para ir junto da CRC para mudarem de nome e sexo, sem mais nenhum problema. Isto já era possível mesmo sem terem as cirurgias todas feitas. Bastava o diagnóstico.

Em 2028 foi criada uma nova lei, a Lei n.º 38/2018 com o pretexto de ser uma Lei muito necessária para os Transexuais, que de facto já tinham uma desde 2011 que lhes resolvia totalmente o problema dos documentos de identificação e não sentiam qualquer necessidade de outra Lei. Ora, a nova lei ficou tão bem feita que se aplica a toda a população portuguesa em geral, sendo Trangéneros ou não.


Com a Lei n.º 38/2018 eu próprio já posso ir a uma Conservatória do Registo Civil amanhã e ficar a chamar-me Maria e ter legalmente o sexo feminino e o conservador não pode dizer nada. Nem o diagnóstico de Disforia de Género é necessário. Aliás, a lei tem um número interessante, o número 1 do 7º em que se diz : « 1- Têm legitimidade para requerer…mudança...do sexo no registo civil…maiores de idade e que não se mostrem interditas ou inabilitadas por anomalia psíquica,...». Como o Conservador do Registo Civil não está habilitado a fazer diagnósticos Médicos e muito menos diagnósticos Psiquiátricos, todos os casos em que o Conservador não tiver exigido à pessoa um Atestado Médico comprovativo da sua saúde mental, as mudanças de sexo e nome nos documentos já feitos até hoje dessas pessoas podem ficar sem efeito.

Como é um processo cirúrgico de mudança de sexo, como se processa e mais ou menos quanto tempo demora até que esteja concluído?

Uma mudança de sexo, se for de masculino para feminino, é complicada, mas não tão lenta como a de feminino para masculino porque aqui a principal cirurgia, a genital, é feita de uma vez. Pode haver necessidade de pequenas correções secundárias, mas essencialmente é feita de uma vez, é uma cirurgia de 8 a 10 horas. Pode ser complementada com outras cirurgias a nível mamário, facial, etc., quando necessário, para adaptar melhor os caracteres sexuais secundários.

Há várias técnicas desde meados do séc. passado e quase todas as que se fazem pelo mundo fora usam a pele do pénis para, ao invertê-la, fazer a vagina. Retiram-se os testículos, “desmonta-se” todo o pénis, deitamos os corpos cavernosos fora, que são o que dá a ereção num pénis normal, e depois ficamos com a pele do pénis e uma parte da glande em continuidade com o pedículo dorsal do pénis (estrutura que tem as veias, artérias e nervos que vão pelo dorso do pénis até à glande e lhe dão sensibilidade). É com este pequeno pedaço da glande que se faz o clitóris. Na verdade, embriologicamente, os tecidos que dão origem à glande são os mesmos que dão origem ao clitóris. Anatomicamente o clitóris não é mais que um micro-pénis sem uretra.

Depois, cria-se um espaço entre a uretra para a frente e o reto para trás, o espaço onde fica a vagina na mulher, e inverte-se a pele do pénis para dentro desse espaço e obtém-se assim uma cavidade vaginal. Claro que essa “vagina” feita com uma pele do pénis fica seca, sem lubrificação, diferente de uma vagina natural, pois a parede de uma vagina natural é uma mucosa e não uma pele seca. Por outro lado ao usar a pele do pénis para fazer a vagina fica-se sem essa pele que é necessária para fazer os pequenos lábios da vulva que, tal como o pénis, não têm pelos, os grandes lábios são feitos com a pele do escroto que tem pelos como os grandes lábios vulvares. Esta é a técnica mais difundida. Quando a pele não chega, por norma usa-se uma parte ou toda a pele do escroto. É claro que quando se usa a pele do escroto, essa vagina fica forçosamente com pêlos lá dentro, o que não é muito estético, ou higiénico. Fica um ambiente vaginal um pouco estranho.

Depois, há quem use uma parte do intestino grosso, o cólon sigmóide, que faz uma curva antes de chegar ao reto, e retiram daí um retalho, uma porção desse intestino com vasos e nervos que estão ligados ao fundo do abdómen e trazem-no cá para frente para fazer a vagina. Fecham uma das extremidades, a que fica a fazer o fundo da vagina e a outra extremidade fixam-na na pele correspondente à abertura exterior da vagina. Assim já têm algo com lubrificação porque o intestino tem lubrificação. Mas uma vagina feita desta maneira tem inconvenientes. Esse pedaço de intestino vem com todos os nervos, os sensitivos e os do sistema simpático e parassimpático que continuam a atuar. Como quando comemos, há um estímulo das glândulas intestinais para a produção de muco etc.. Quando a pessoa come, estimula a produção das glândulas de todo o intestino e, logo, também aquelas que produzem muco nas vaginas feitas dessa maneira. Caricaturando, uma pessoa com uma vagina feita dessa maneira ao comer um pastel de nata pode babar-se pelas pernas abaixo.

Conheço algumas pessoas que sofrem deste problema, mas queixam-se também de um outro, porque a reconstrução feita com intestino grosso continua a ter o cheiro típico da zona onde passam as coisas “que são para deitar fora”, o cheiro a tripa. Este método não me agradava.

Criei então outra técnica, usei o jejuno para fazer a vagina. O Jejuno é uma parte do intestino delgado, que tem características especiais. É uma zona do intestino onde, ao contrário do cólon, são raríssimos tumores, é uma zona resistente a bactérias e a fungos, é uma mucosa que se renova totalmente a cada 3 a 5 dias, também cicatriza muito bem e, além disto, retirar do jejuno, que tem 4,5 a 5 metros de comprimento, uns 15 cm a 20 cm não é significativo. Com este excerto de jejuno conseguem-se vaginas com alguma lubrificação. Ficamos, assim, com toda a pele do pénis para a construção da vulva, pequenos lábios etc., o aspeto fica muito mais natural.

Esta é uma cirurgia grande, de 8 ou 9 horas, mas por norma só uma será necessária. Em alguns casos, podemos ter de fazer pequenas correções uns 4 a 6 meses depois, mas é só.

Claro que há outras cirurgias, a hormonoterapia não é suficiente para o desenvolvimento mamário, por exemplo, a pessoa pode querer um peito maior, alterar as feições para ficar mais feminina, etc.

E quanto ao passar de mulher para homem?

Esta é mais complexa, para além das mamas não vamos tirar outras coisas “visiveis”, pois só tiramos os “invisíveis”: o útero, os ovários e a vagina. Nestes casos temos principalmente que construir o que não temos, toda a zona genital Masculina. Temos, assim, várias cirurgias para fazer um pénis. Para isso, o que se faz mais pelo mundo fora são os retalhos livres. Retira-se uma parte da pele e tecido adiposo subcutâneo com as artérias, veias e nervos que vão para lá, depois suturam-se (cozem-se) todos estes elementos a outros que estão na zona genital e o retalho fica com circulação e acaba por ganhar sensibilidade e fica-se assim com o volume de um pénis. O que mais se faz pelo mundo fora é tirar do antebraço esse retalho para fazer o pénis.

Quando se retiram retalhos do braço, do antebraço, do grande dorsal, do membro inferior, etc., para fazer a uretra do pénis usa-se normalmente um retalho de pele. Há cirurgiões que nem fazem uretra e a pessoa fica a urinar pela uretra feminina. Quando a uretra é feita com pele é uma uretra que fica com pêlos, glândulas sudoríparas, glândulas sebáceas, etc., o que não é o ideal, pois fica mais sujeito a infeções, etc.

Eu faço de outra maneira. Uso a mucosa da vagina para, com ela, fazer o que vai ser a futura uretra. Fica uma uretra feita de uma mucosa, fica com maior qualidade, não tem pêlos, glândulas sebáceas e sudoríparas. As uretras feitas pelos que usam retalhos livres para construir um pénis deitam fora a mucosa vaginal, que é o que há de melhor para fazer uma uretra. Como não faço retalhos livres, que deixam um defeito muito grande na zona de onde se retiram, faço uma faloplastia, com uma técnica de um cirurgião inglês em 1958/1959.


Esta cirurgia subdivide-se em várias:


Primeiro a histerectomia e a vaginectomia, e ao mesmo tempo com a mucosa da vagina faz-se logo no abdómen, na zona onde mais tarde será formado o retalho que vou usar para fazer o pénis. Fica uma espécie de “piercing” com um comprimento de cerca de 14 a 18 cm.

2 ou 3 meses depois faz-se um retalho tubular centrado a essa uretra já feita, o tal “piercing”. Fica-se como que com uma pega no abdominal, um retalho com duas extremidades ligadas ao abdómen e o meio livre. Depois, com intervalos de cerca de 1 mês e meio, esse retalho vai sendo posto numa posição que permita ligar uma das extremidades à zona genital, sendo necessário, para isso, umas 3 pequenas cirurgias com anestesia local. Por fim, uma das extremidades solta-se e fixa-se na zona genital, a uretra do retalho (feita com a mucosa vaginal) acaba por ficar ligada ao prolongamento da uretra original.


Depois de tudo cicatrizar, a outra extremidade do retalho é solta da parede abdominal e fica-se com um pénis, feito com pele e tecido adiposo e uma uretra feita com mucosa vaginal, depois podemos desenhar uma glande para um aspeto mais natural e colocamos umas próteses vasculares para fazer uma construção de uns corpos cavernosos fixados nos ossos da bacia e dentro dos quais se colocam próteses penianas, esses pénis acabam por ganhar sensibilidade devido a reinervação através dos nervos do clitóris que fica colocado na base desse pénis, aliás, uma pequena parte da pele do clitóris fica a aparecer na parte superior da base desse do novo pénis, com toda a sua sensibilidade inicial. Esta cicatriz abdominal é bem menor do que a dos retalhos livres. Pode confundir-se com uma cicatriz de uma cirurgia abdominal, não sendo assim estigmatizante, nem provocando limitações funcionais, como a resultante dos retalhos livres do braço ou da perna.


Mas já fiz uma vez uma faloplastia com um retalho livre que penso ter sido o primeiro em Portugal. Foi em 1991, num jovem que tinha perdido o pénis aos 7 meses de idade por mordedura de cão, em que empreguei um retalho livre do braço, uma técnica que tinha visto em 1989 no Serviço de Cirurgia Plástica da Universidade de Lubliana, diferente da técnica do retalho do antebraço que usam agora e com muito menos sequelas estéticas e funcionais.

A título de curiosidade, há mais pessoas que nasceram mulheres a quererem passar para homem, ou o contrário?

A nível mundial, temos um caso F-M para 3 M-F, mas em Portugal não é assim, tem sido aproximadamente o contrário.

Quanto aos requisitos para obtenção da cirurgia, como funciona?

Tem de se fazer um diagnóstico que está estabelecido numa publicação, que é da responsabilidade da “World Association of Transgender Health”, que pública com o nome “Standards of Care”, com as regras de diagnóstico e tratamento estabelecidas por Henry Benjamin e adaptada ao longo dos anos por vários especialistas dessa organização.

Nos “Standards of Care” estabelece-se como deve ser a equipa que faz o diagnóstico, que contém médicos, sendo pelo menos um psiquiatra, e psicólogos. Quanto ao diagnóstico, primeiro a pessoa é estudada no sentido de detectar a incongruência entre sexo do corpo e do cérebro. Essa incongruência deve estar presente e estabilizada pelo menos por um período de 2 anos, mas isto não é necessário seguir no sentido estritamente literal.


Para o diagnóstico da pessoa a primeira equipa que fez o estudo, quando chega a um diagnóstico, encaminha essa pessoa para uma segunda equipa independente, para essa equipa dar uma segunda opinião, se as opiniões forem coincidentes, está feito o diagnóstico, senão passa-se a uma terceira equipa que confirma ou não a diagnóstico.


Todas estas regras são para evitar falsos diagnósticos que levam a cirurgias irreversíveis e que depois se o diagnóstico não foi o correto acabam frequentemente em suicídio.

Estabelecido o diagnóstico, inicia-se o processo cirúrgico. Antigamente era necessário o utente enviar para a Ordem dos Médicos os 2 diagnósticos para ser autorizada a cirurgia, mas agora, de há uns meses para cá esta necessidade foi eliminada. Claro que isto tem vantagens e inconvenientes, o diagnóstico não pode ser instantâneo, não pode ser feito numa semana, nem em dias, podendo mesmo levar a erros muito graves. Devemos ter sempre em consideração que quando o diagnóstico não está certo e se passa à fase cirúrgica acaba, muitas vezes, em suicídio.

Claro que todas estas operações permitem parcialmente “voltar atrás”, mas não mais será o mesmo: uma faloplastia não é um pénis biológico, uma reconstrução mamária não é uma mama biológica, uma vagina reconstruída não é uma vagina biológica, etc..

Quem se submeter a este procedimento fica necessariamente infértil?

Em 2011, uma Deputada de um Partido do Parlamento Nacional disse na Discussão Parlamentar do Projeto de Lei n.º 7/2011, de 15 de Março, estar contra a esterilização obrigatória em transexuais, porém, também disse ao mesmo tempo que não queria que estes mantivessem a capacidade de se reproduzirem. Foi uma Deputada do PSD que manifestou a posição do PSD desta maneira “inequívoca” e esclarecedora...

Deixam efetivamente de se poder reproduzir.


No caso de masculino para feminino, como para transformar a genitália tem forçosamente de se ficar sem pénis e testículos a pessoa fica, portanto, fisicamente estéril. No caso de feminino para masculino, forçosamente temos de tirar útero e ovários, portanto, a pessoa fica fisicamente estéril. Hoje já se fala em transplantação de útero.

Há, contudo, a possibilidade de se guardar gâmetas. Vejamos o caso de um transexual masculino para feminino que guarda espermatozoides, para que depois possa ter filhos biológicos. Ora, esse homem que agora fica mulher, das duas uma, ou se junta com um homem e não vai poder usar esses espermatozoides para engravidar esse homem, ou então passa de homem a lésbica e se junta-se com uma mulher e aí já poderá usar os seus espermatozóides (conservados) para ter os ditos filhos biológicos dos dois. Existe ainda uma terceira possibilidade de usar esses espermatozoides numa barriga de aluguer.


Nos casos de transexualidade de feminino para masculino, se uma mulher que passou a homem guarda os seus óvulos para ter filhos biológicos, se se juntar com uma mulher não os pode usar, podem é esses óvulos ser fecundados in vitro num Banco de Esperma e colocados no útero da companheira.

Quanto aos transplantes de órgãos, a questão ainda é muito duvidosa. Estar a tomar medicação para não haver rejeição do órgão, ao mesmo tempo que se está a desenvolver um embrião lá dentro... É complexo.

Quais os riscos mais comuns neste processo cirúrgico de mudança de sexo?

Na questão dos retalhos e enxertos, como tudo na vida, podem sempre ocorrer contratempos. Alguém que diga que tudo corre sempre bem, não está a dizer a verdade toda. Ninguém é infalível e a biologia por vezes parece fugir à lógica.

Pode mesmo haver perda desses retalhos, ou da pele do pénis, por exemplo. Mas o cirurgião tem de ter sempre uma alternativa para corrigir o problema.

Pensa que ainda vai ser possível avançar mais em termos tecnológicos nestas cirurgias?

Os transplantes são sempre uma possibilidade futura, mas, tirando isso, uma grande parte do caminho já está feito. E claro, os transplantes envolvem um grande cuidado, ainda há a probabilidade de rejeição.


Vimos há pouco tempo notícias na América de transplante de caras em traumatizados que perderam a face e vimos também notícias de perdas desses transplantes apesar dos tratamentos anti rejeição.


Por outro lado, a terapêutica anti rejeição não é totalmente inofensiva.


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