Um modo de ensino diferente, uma realidade completamente nova e inesperada. A crise pandémica despoletada pelo vírus COVID-19 metamorfoseou o quotidiano confortável e pacífico que já era rotina, revolucionando, nomeadamente, os moldes do ensino em Portugal. De salas de aula e auditórios repletos de estudantes, passamos a testemunhar um silêncio verdadeiramente ensurdecedor, protagonizado por «buracos negros» na plataforma «Zoom». Cadernos rabiscados com notas foram substituídos por apontamentos perfeitamente corrigidos feitos a computador. Os convívios, onde abraços calorosos eram uma constante, converteram-se em meros «olá’s» com distanciamento social. E, assim, a nossa vida mudou.
Os ajuntamentos que tiveram lugar no final do ano de 2020, em virtude das festividades, foram o erro crasso que levou ao disparar do número de casos de COVID-19, que confinou a comunidade estudantil portuguesa ao ensino à distância durante aquilo que parece ser uma eternidade. Efetivamente, neste contexto de emergência e isolamento social, o regime de ensino telemático figura como a única solução viável para, de forma quase imediata, viabilizar a continuidade de aquisição de conhecimentos por parte dos alunos, tentando operar no sentido de eliminar o sentimento generalizado de «vida em suspenso» – certo é que, este «novo mundo» produziu um impacto colossal na vida de todos os estudantes. Com efeito, o ensino à distância deverá ser analisado sob dois prismas distintos: primeiramente, importa referir que, tendo em conta as circunstâncias atuais, o regime de aulas online parece ser o único artifício de que nos podemos servir para garantir a aprendizagem dos alunos. No entanto, e atendendo ao «reverso da moeda», esta poderá não ser a solução mais eficaz, já que a capacidade de concentração dos estudantes em casa é sensivelmente inferior àquela que é detida em regime presencial, visto que, no conforto do lar, são inúmeros os fatores distrativos que pairam, ao passo que uma sala de aula sugere um ambiente propício ao foco e atenção. Para além disto, nada substitui a interação aluno-professor, que é condição essencial para a envolvência do estudante na matéria lecionada, bem como para a apreensão dos conceitos essenciais. Refira-se ainda o cansaço dos estudantes tanto de um ponto de vista físico, como mental, na medida em que as horas passadas em frente a um computador são inúmeras e a falta de contacto com colegas poderá desencadear situações de instabilidade psicológica.
É manifesta a preferência da generalidade dos estudantes e docentes pelo regime de aulas presenciais, não só pelo facto de haver uma possibilidade de intervenção quase imediata, que possibilita o esclarecimento de dúvidas no momento, mas também porque a componente prática de alguns cursos é dificultada num regime exclusivamente online. Ademais, note-se a dificuldade dos professores que, perante esta nova realidade, se deparam com adversidades constantes, tendo em conta que a sua formação principal se concretiza num contacto direto com os alunos. Sem o envolvimento físico e ativo tanto do corpo docente, como do corpo estudantil, poderá ser colocado em causa o fundamento de transmissão de informação científica tal como foi concebido desde os primórdios da história do ensino. Neste sentido, fala-se de um verdadeiro desafio à transmissão e absorção de conhecimento.
O direito à educação, que constitui um direito fundamental, surge contemplado no artigo 74º da Constituição da República Portuguesa e tem como escopo primordial a formação de cidadãos livres, ativos do ponto de vista cívico, solidários e responsáveis. Vivendo sob égide de um Estado de Direito, é notória a pretensão constitucional de um direito global ao ensino «[…] com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar.», como plasmado no artigo 74º/1 da lei fundamental. Refira-se ainda que, à luz do artigo 74º/2 da Constituição da República Portuguesa, o ensino deverá contribuir para a «[…] superação de desigualdades económicas, sociais e culturais […]». Com efeito, o regime de aulas telemáticas poderá acarretar um desvirtuar destes preceitos constitucionais, tendo em conta, sobretudo, as condições materiais (dispositivos tecnológicos) que o modelo de aulas à distância reclama para desenvolver um trabalho eficaz. Deste modo, o ensino online implica, indubitavelmente, custos acrescidos para as famílias: requer equipamentos eletrónicos sempre disponíveis, uma ligação à internet estável e relativamente rápida, que permita o descarregar de fichas de trabalho, ferramentas auxiliares de estudo e ficheiros relevantes. Note-se, nesta senda, a incontornável desvantagem para as famílias socialmente desfavorecidas, em particular para aquelas que tiverem um maior número de crianças em idade escolar – com rendimentos mais baixos, terão menos dispositivos tecnológicos disponíveis e piores condições de ligação à internet. De acordo com dados da Eurostat, da OCDE e do Conselho Nacional de Educação, Portugal é um dos países europeus onde a desigualdade de acesso a aparelhos eletrónicos e internet ainda é uma realidade presente, que se agudizou com a situação pandémica atual. Refira-se que as assimetrias de acesso à tecnologia comportam uma vertente geracional: os jovens estão mais familiarizados com os dispositivos eletrónicos comparativamente aos mais velhos, em virtude do envelhecimento generalizado da população portuguesa – e uma vertente territorial, que distingue o «mundo urbano» do «mundo rural»: o facto de a internet cobrir quase a totalidade do solo português não significa que a sua distribuição seja homogénea, sendo o meio rural negativamente afetado.
Face à eventual ausência de condições materiais, é urgente a implementação e correspondente efetivação de mecanismos no sentido de dissipar esta deficiência. Destaque-se a criação de salas de computadores comunitárias (sempre no cumprimento das regras sanitárias que a situação excecional motivada pelo COVID-19 exige), o financiamento de dispositivos eletrónicos a famílias carenciadas, a providência de locais seguros para que os alunos consigam ter um bom aproveitamento das aulas, na medida em que alguns poderão não ter, em casa, um ambiente propício ao estudo. Todavia, deve referir-se que estes instrumentos não têm uma concretização prática inteiramente eficiente, funcionando como meros apontamentos teóricos – assim, o auxílio oferecido àqueles que têm mais dificuldades não passa de letra morta.
Efetivamente, poder-se-á considerar que a aprendizagem da generalidade do corpo estudantil está a ser comprometida em virtude do modelo telemático adotado, já que a falta de contacto com outras realidades dificulta, em grande parte, o processo de interiorização de toda a informação transmitida em contexto de aula. A título de sugestão de instrumentos que permitam o melhoramento do regime de ensino à distância, salientam-se: o encurtamento do período de lecionação, de modo a potenciar a concentração e eficiência na aquisição de conhecimentos; a abertura de fóruns de esclarecimento de dúvidas em tempo real, que aumentaria o dinamismo das aulas; uma adaptação dos conteúdos expostos e dos modelos de avaliação em face da nova realidade.
«[…] Assisto à minha passagem, / Diverso, móbil e só, / Não sei sentir-me onde estou. […]» – já Fernando Pessoa aludia à incerteza inerente à existência humana, que tão bem se coaduna com a situação pandémica que atravessamos. Apela-se à observância das recomendações da Direção-Geral de Saúde, cumprindo escrupulosamente o período de confinamento. Há que fazer um esforço para que o «amanhã», por mais distante que pareça, seja melhor – até porque «[…] Tudo vale a pena / Se a alma não é pequena. […]»
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