A crise imobiliária e os estudantes
Texto dedicado aos novos caloiros deslocados da FDUP, provavelmente em situação problemática para encontrar casa
“Colocados, mas desalojados”. Estas foram as palavras da presidente da Federação Académica do Porto, Ana Gabriela Cabilhas, relativamente ao problema que os estudantes enfrentam na hora de procurarem residência universitária. Porque é que não conseguimos encontrar casa?
Os números não escondem o problema: relativamente a 2021, a queda na oferta de quartos para estudantes chega aos 80%, e os preços praticados aumentaram 10% face ao ano passado. O preço médio de um quarto no Porto é agora de 324 euros, mais 74 euros que o ano passado. Todos os estudantes o sentem, o aparelho político não o nega, mas nada está a mudar radicalmente o panorama da crise imobiliária. Não se prevê que a escalada dos preços diminua, o que implica que, se nada for feito, os estudantes sejam literalmente expulsos do ensino universitário por preços incomportáveis de habitação. A pergunta que se põe é: como foi que chegamos a este estado?
A falta de alojamento pode ser explicada com base em alguns fatores: queda de oferta, interesse noutro tipo de mercado por parte dos senhorios, e falta de oferta pública. Portanto, a falta de oferta é agora especialmente sentida numa retoma pós-pandemia, em que o mercado não conseguiu acompanhar a rapidez com que retomou a procura de casas. Paulo Barros Trindade, presidente da Associação Profissional das Sociedades de Avaliação, justifica a falta de oferta com o aumento do preço das matérias-primas e a falta de mão de obra na construção.
No entanto, não é este o fator principal que afeta os estudantes, mas sim a preferência que os senhorios têm agora por outro tipo de inquilino. A Associação Lisbonense de Proprietários explica a queda no número de quartos com a retoma do turismo e os chamados “nómadas digitais”, que trabalham remotamente e escolhem Portugal para viver. A receita dos senhorios com o alojamento local e os nómadas digitais é bem maior do que a arrendar quartos para estudantes. Diana Ralha, presidente da mesma associação, admite: “é mais seguro e mais rentável arrendar a trabalhadores deslocados: têm mais poder de compra, podem ser feitos contratos de duração mais pequena e não está enraizada a prática de incumprimento do pagamento de renda.”. No entanto, Diana Ralha enfatiza: “antes de mais, cabe ao Estado, através da Ação Social das Universidades e das autarquias onde os grandes pólos universitários se localizam, garantir soluções de alojamento para os estudantes deslocados. (…) Não cabe aos privados a função de garantir casa aos universitários, (…) têm sido os privados a garantir esse direito, com o Estado sem oferecer soluções aos portugueses e às novas gerações.”
Então se não cabe aos privados a função de garantir casa aos universitários, vamos ver o que garante o Estado aos estudantes: quase nada. A oferta pública de quartos para estudantes universitários continua a cobrir apenas 15% do número de estudantes deslocados. A construção de novas residências universitárias esteve parada à espera da assinatura dos contratos de financiamento com verbas do Plano de Recuperação e Resiliência, no valor total de 375 milhões de euros, mas que continuará a ser insuficiente para a construção de 12 mil novas camas anunciadas pelo Governo.
Joana Mortágua, deputada pelo Bloco de Esquerda, fez uma análise sucinta do problema: “Por isso, quando a ALP anuncia a decisão concertada dos proprietários de não colocarem as suas casas no mercado de arrendamento, nós somos obrigados a perguntar: 'Porquê?' E a única resposta que interessa é: 'Porque pode'. Porque o Governo deixou os estudantes à mercê do mercado de arrendamento inflacionado e especulado. Porque viu esse problema a agravar-se nos últimos anos e pouco ou nada fez. Porque não criou serviço público. Porque numa coisa os liberais têm razão: o mercado é assim, não reconhece direitos nem ajuda ninguém, esse é o papel do Estado."
Num mercado onde o interesse privado reina e o Estado cronicamente não consegue cobrir os problemas, quem sofre são os estudantes, somos nós. Somos colocados numa posição de subordinação: sem poder de compra, sem poder político, sem interesse para a classe política porque pouco influenciamos os seus votos. Os resultados estão à vista: somos deixados à mercê da corrente, onde o destino final é a elitização do ensino, aberto apenas a quem tem dinheiro para o fazer. Até quando?
Isabel Lobo
Departamento Sociedade
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