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O bairro mata: violência policial e bairros “problemáticos”

Foto do escritor: Filipa SantosFilipa Santos

Na madrugada de 21 de outubro de 2024, Odair Moniz foi alvejado por um agente da PSP durante uma perseguição policial no bairro da Cova da Moura, na Amadora.


A morte deste homem de 43 anos, dono de um café no bairro do Zambujal, desencadeou uma onda de descontentamento que resultou em várias noites tumultuosas na Grande Lisboa.


Com a morte de mais um morador de um dito “bairro problemático”, levanta-se a questão: o bairro mata? 


O Bairro

Nos anos 90, em Portugal, foi lançado pelo Decreto-Lei n.º 163/93, de 7 de maio, o Programa Especial de Realojamento (PER). Este fazia parte de um programa mais vasto de luta contra a pobreza e previa, na cidade de Lisboa, o realojamento de 37.229 pessoas residentes nos 10.030 alojamentos precários identificados em 97 núcleos habitacionais, concentrados e dispersos.


O PER, a maior política de habitação social em democracia, legislada em 1993 e implementada sobretudo nos anos 2000, quis retirar as famílias que residiam em bairros autoconstruídos degradados e realojá-las em habitação social. O programa construiu bairros novos e realojou as famílias, mas criou uma pletora de novos problemas, muito discutidos nos anos 90 e nos anos 2000, que aparentam ter sido esquecidos por todos, exceto pelos membros das comunidades realojadas.

Separou comunidades, quebrou laços  tudo fruto das exigências do próprio plano, que visava desenvolver um ambicioso programa de identificação dos núcleos precários a erradicar, mas que colocou de lado as necessidades subjetivas dos habitantes. Não foram tidas em conta as situações sociais das famílias, os seus laços de pertença e redes de vizinhança (ótimas ajudas para ultrapassar fragilidades), considerando apenas dados quantitativos e nominais das populações a realojar, recolhidos através de levantamentos no terreno conduzidos por equipas interdisciplinares e de um intenso levantamento fotográfico das áreas abrangidas.


Além de ter separado fortes relações comunitárias já cimentadas, o PER ajudou a edificar a concessão de que os bairros e as comunidades que os integram são perigosas, e fê-lo da seguinte forma:


As famílias foram deslocadas para locais estranhos ao seu quotidiano. As novas construções criavam, de facto, melhores condições de habitação para as famílias, mas o PER ignorou a necessidade de criar infraestruturas como transportes e serviços essenciais para qualquer núcleo habitacional, isso resultou no isolamento de populações fragilizadas, segregando-as nos bairros onde habitavam, levando as populações a sentir-se marginalizadas, para além de ter fraturado as comunidades pré-PER.


Tendo em consideração o passado histórico português, a história da periferia dos bairros de Lisboa é a história de comunidades migrantes de antigos territórios colonizados, nomeadamente Angola e Moçambique, bem como de povos itinerantes  “os ciganos”. 

Cita-se um artigo que representa perfeitamente as ideias de marginalização, segregação e relevância da “raça” no discurso “antiperiférico” de Mário Soares.


“Mário Soares iniciou pelo penúltimo dia de Janeiro uma Presidência Aberta na Grande Lisboa. Se existir isso a que se chama de “lisboeta médio” ele terá ficado assustado: a capital está sitiada por dezenas de “Camarates”, bairros de lata cheios de pretos, ciganos, marginais, vendedores de droga” (PÚBLICO, 1993a).


O poder estatal pode não ter procurado segregar as pessoas racializadas, mas foi isso que acabou por acontecer.


A Polícia:

Em 2016, Julia Kozma, responsável pela delegação do Comité Europeu Anti Tortura, afirmou que Portugal estava no “top” dos países do oeste europeu em casos de violência policial e que pessoas afrodescendentes estão mais em risco de sofrer este tipo de violência. Um grande número de acusações de brutalidade policial é feito por pessoas de cor provenientes de bairros periféricos como: Cova da Moura, Quinta do Mocho, Quinta da Fonte, Bela Vista, entre outros.


Em 2020, o Comité Europeu, com base em dados recolhidos em 2019, indicou que “os maus-tratos perpetrados por agentes policiais são uma realidade, e não resultam apenas de ações de alguns agentes transgressores”. Um número considerável de detidos submetidos a maus-tratos durante a detenção por parte de forças policiais (PJ, PSP ou GNR) são, na sua maioria, pessoas afrodescendentes e cidadãos estrangeiros, e identifica “bofetadas, murros e pontapés no corpo e/ou na cabeça, mas também agressões com cassetetes ou paus, insultos verbais e algemas demasiado apertadas” como práticas comuns dos oficiais responsáveis pelas detenções.


Informação retirada de:


A visita deste mesmo Comité em 2022 indicou que os maus-tratos a pessoas por oficiais da PSP e da GNR é ainda uma prática frequente.Ainda indicou que os alegados maus-tratos em causa eram primariamente “chapadas, murros,bastonadas, e pontapés ao corpo quando a pessoa já se encontrava detida”.


Neste relatório, o Comité Europeu para a Prevenção da Tortura (CPT) pede novamente às autoridades portuguesas para reforçar os seus esforços para erradicar maus-tratos policiais.


A lei de talião:

Em Portugal, o discurso sobre os bairros da periferia de Lisboa é sempre acompanhado pela ideia de marginalidade e de criminalidade, e é inegável que esta marginalidade e criminalidade existem verdadeiramente, mas também é inegável que, quanto mais fragilizadas e isoladas se sentirem as comunidades, mais violentas se tornam, violência esta exacerbada pelas forças policiais que se comprometem a “defender os direitos dos cidadãos”.


Violência gera violência, quanto mais violentas forem as forças policiais nos bairros ditos problemáticos, mais violentas serão as populações, e mais força será necessária. 


É uma falácia circular e, simultaneamente, um barril de pólvora.


Filipa Santos

Departamento Sociedade



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