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  • Foto do escritorDuarte Gomes

O Dilema dos Grammys

“Ano novo, vida nova”, ou no caso dos Grammys “Ano novo, déjà-vu. De facto, apesar da passagem dos anos e das inúmeras críticas, a Recording Academy parece manter a sua posição de avaliadora da mediocridade.


Vamos lá, talvez esteja a ser um tanto injusto; a verdade é que a época das premiações é um momento importante, durante o qual os artistas são recompensados pelo seu trabalho árduo e os melhores álbuns e músicas lançados naquele ano são reconhecidos como tal. Mas será que é isto que realmente acontece? Bom, quiçá até aconteça em certas categorias; no entanto, quando nos focamos na maior das distinções, a de Melhor Álbum do Ano (Album Of The Year – AOTY), parece-me que a Academia não tem tomado as melhores decisões, mostrando-se previsível e um pouco alienada da realidade.


Neste artigo e, usando por base o vídeo de Harrison Renshaw (Alfo Media) The Best & Worst of Grammy Nominations (Album of the Year), vou analisar as mais recentes edições da premiação, mais especificamente, o prémio de melhor álbum, para perceber as tendências e se a academia tem ou não premiado os artistas que mais merecem a tão cobiçada distinção.


Para poupar aos leitores cerca de dez minutos de vídeo (o que não significa que não recomende a sua visualização, porque recomendo vivamente), o que Renshaw afirma é que, na sua visão, para um álbum ser apontado ao galardão, tem de ser ou adorado pelos fãs, ou adorado pela crítica, sendo que o ideal seria, obviamente, um consenso entre ambos os contingentes. Pois bem, com isto em mente, o autor, a partir de websites como o Metacritic, o Album of the Year e o Rate Your Music, obteve a média das classificações dadas pelos críticos – onde se incluem desde freelancers de renome, como The Needle Drop, até publicações como Pitchfork e Rolling Stone –, assim como a média das classificações dos fãs/ público em geral, que resulta de milhares de avaliações realizadas nos websites supramencionados.


O que se pode observar através desses números é que raramente os Grammys nomeiam os melhores álbuns do ano para a categoria que diz premiar os melhores álbuns do ano, optando, ao invés, por escolher projetos medianos, êxitos comerciais, de artistas estabelecidos. A mesma regra se aplica para a escolha do vencedor, caindo a maior parte das vezes, ou para aqueles álbuns que mais sucesso geraram ou para aqueles de artistas mais reconhecidos. Estes LPs (long-plays) são fáceis de digerir – “radio friendly” –, geralmente mais simples, tendo, portanto, maior potencial de agradar ao público em geral. Esta tendência leva a um círculo vicioso em que os artistas mais famosos são mais nomeados, o que os torna ainda mais famosos e, consequentemente, com mais probabilidade de voltarem a ser nomeados; é tornar os ricos ainda mais ricos. Em detrimento, ficam fora do espetáculo ou relegados para categorias secundárias os artistas menos populares, aqueles que chamariam menos pessoas e que fariam menos manchetes, mesmo que sejam esses os álbuns que, efetivamente, marcaram o ano.


Posto isto, e partindo da premissa de Renshaw, fui também eu analisar os números dos “melhores álbuns” ao longo dos últimos três anos. A ideia é perceber se as conclusões tiradas em 2020 continuam relevantes quatro anos depois, ou se a Academia tem feito esforços para mudar. Para tal, utilizei o mesmo método já anteriormente discutido, tendo obtido os dados através do website Album of the Year.



Começando pela edição de 2022, referente, de um modo geral, ao ano civil anterior, podemos observar certas tendências, desde logo, o facto de se continuarem a nomear, acima de tudo, superstars. Doja Cat e Kanye West caem na mesma categoria aqui: dois artistas com álbuns comme ci comme ça, mas que, devido à sua popularidade, conseguem a nomeação; já a colaboração entre Tony Bennett e Lady Gaga consegue um lugar puramente na base do name recognition, enquanto a nomeação de Justin Bieber é apenas absurda. Numa outra categoria, temos também superstars, mas com álbuns superiores: Lil Nas X lançava o seu primeiro projeto (depois de ter lançado mil versões da mesma música), assim como Olivia Rodrigo, a recém-chegada estrela cadente que tomou o mundo da música de assalto no ano anterior. Ainda nesta categoria incluiria Taylor Swift e Billie Eilish, os dois LPs que, tal como mostra o gráfico, mais agradam ao modelo. Por fim, ficamos com dois artistas: H.E.R, uma já querida da Academia, tendo vencido no ano anterior o prémio Song of the Year, e Jon Batiste, aquele que, dentro de todos, seria o menos conhecido para o público geral (eu incluído). A verdade é que, contrariando as tendências dos anos anteriores, Jon Batiste efetivamente venceu o prémio com um álbum que agrada bastante ao nosso modelo. Na realidade, isto tem muito mais que se dizer, por exemplo o facto de Batiste ser muito admirado por outros músicos e ter bastantes contactos no mundo da música. Todavia, não posso negar que a sua vitória tenha sido justa, principalmente tendo em conta os adversários contra quem competia.


Dito isto, a verdade é que são ainda bastantes os álbuns que poderiam ter substituído os projetos medíocres (ou simplesmente maus) de músicos já estabelecidos. Sometimes I Might Be Introvert de Little Simz, Jubilee de Japanese Breakfast e Blue Weekend dos Wolf Alice são tudo LPs adorados quer pelo público, quer pela crítica, de artistas nunca nomeados para premiações deste calibre, que a academia podia ter tido em consideração antes de apontar aos nomes do costume. Já Tyler, The Creator venceu, na mesma noite, Kanye West, na categoria de melhor álbum de Rap, com CALL ME IF YOU GET LOST, no entanto ficou excluído da categoria principal, categoria à qual Kanye foi nomeado, uma decisão que, sinceramente, não faz o menor sentido.



Em relação ao ano seguinte, temos mais do mesmo, com grande parte das nomeações a resultarem mais do nome que encabeça o projeto do que da qualidade do mesmo – o que se comprova principalmente com a nomeação hilariante dos Coldplay. Todavia, é na escolha do vencedor que esta edição perde por completo a sua credibilidade. Com alguns dos melhores álbuns da década a serem nomeados, na forma de RENAISSANCE de Beyoncé e Mr. Morale & The Big Steppers de Kendrick Lamar, tudo apontava para que um dos dois saísse vitorioso. De facto, tudo indicaria que esse seria o resultado, não fosse a completa descredibilização dos resultados a que nos tem habituado a Academia: na face de dois projetos intemporais, decidiu, portanto, ficar-se pelo perfeitamente aceitável e seguro sucesso comercial que foi Harry's House; um disco que não peca pela qualidade, mas simplesmente não está ao nível dos outros já mencionados.


É ainda de destacar a primeira nomeação de sempre de um álbum totalmente em espanhol, Un Verano Sin Ti de Bad Bunny; contudo, ficou por nomear um outro álbum latino de relevo, MOTOMAMI, da autoria de Rosalía. Outros dos meus snubs seriam novamente Little Simz e o seu disco NO THANK YOU e o Ants From Up There dos Black Country, New Road.



Chegamos, assim, finalmente, à mais recente iteração dos Grammys, realizada no passado mês de fevereiro. A concorrer este ano tivemos: Jon Batiste, com um projeto aquém daquele que apresentou dois anos antes; boygenius com The Record, um disco indie, muito querido pelos críticos; o retorno de Miley Cyrus à mainstream media, com Endless Summer Vacation; Lana del Rey, com um excelente LP para continuar a sua sequência de bons álbuns; Janelle Monáe, com uma gravação que deixou um pouco a desejar (até pelo tempo limitado – apenas 32 minutos); Olivia Rodrigo, com o seu segundo álbum, GUTS, naquela que é apenas uma pedra no seu caminho para dominar a música pop; Taylor Swift, com uma coletânea que alguns dizem ter sido ofuscada pelas suas regravações e tour internacional e, por fim, SZA, com aquele que é o meu projeto favorito de todos, SOS – um hino ao R&B, com hits atrás de hits, parcerias de bom gosto e a certeza de que, quando a recompensa é de extrema qualidade, a espera (que, neste caso, foi de cinco anos) vale a pena.


No seguimento desta introdução e, olhando para o nosso gráfico, podemos concluir que, ao contrário do que aconteceu no ano anterior, temos vários candidatos ao prémio com pontuações semelhantes: SZA, Olivia Rodrigo, Lana del Rey e boygenius seriam todas, segundo o modelo, excelentes escolhas. Porém, como provavelmente já perceberam, os Grammys não premeiam apenas na base de qualidade, sendo tão ou mais importante o sucesso comercial e a personalidade por detrás da música. Por este motivo, a vencedora da noite foi Taylor Swift, a maior artista do ano, a mais ouvida, a mais falada, mas não a que lançou o melhor álbum do ano. 


Concluindo, são várias as ideias que retiro deste exercício: desde logo, os Grammys dizem ser a celebração da música, todavia, são apenas a celebração de parte da indústria musical – a parte que lhes dá jeito, aquela que vai atrair mais espectadores e mais media, o topo do topo. Trocamos a celebração da música pela celebração dos famosos. E sim, podem-me dizer que é justo vencer o artista que mais vendeu/o que foi mais ouvido e que esta pode ser uma métrica para perceber a qualidade de um álbum; no entanto, as plays e as vendas não representam tanto a qualidade, mas sim o número de fãs que um artista tem. Se fôssemos atribuir estes prémios com base neste critério, Drake, Bad Bunny e BTS teriam prateleiras de estatuetas douradas.


Para além disto, são também favorecidos aqueles que não se aventuram em novos conceitos; se o teu estilo de música de eleição é metal, punk, clássica, hip-hop experimental, afrobeat ou jazz não esperes ver os teus artistas prediletos num palco dos Grammys a lutar pelos prémios principais. Estas categorias são praticamente exclusivas ao pop e seus vizinhos.


Numa última nota, quero deixar claro que o modelo no qual este artigo se baseou é longe de ser perfeito (apenas utiliza a opinião de uma pequena percentagem de ouvintes, que pode não traduzir as opiniões das massas; pode deixar de fora certas reviews, entre outros problemas); daí que, este artigo, mais do que uma palavra final, baseada em dados irrefutáveis, seja uma análise crítica que não deixa de trespassar parte das minhas opiniões, apesar de não ser esse o principal intuito. Para finalizar, quero apenas deixar a ideia de que, por muito que queiramos gostar destes award shows, é exatamente e apenas isso que eles são: espetáculos, que têm como principal objetivo vender e fazer dinheiro; é a utilização da retórica de que os gostos não se discutem para perpetuar os mesmos artistas que vão gerar mais receita para que o espetáculo possa continuar a existir e a dar palco a esses artistas. O mérito é, tal como os excelentes álbuns, secundário.


Duarte Gomes

Departamento Cultural

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