Como será estudar Direito em Stanford, Cambridge ou Oxford?
Ao contrário das demais áreas do ensino superior, no curso de Direito, os conteúdos programáticos são maioritariamente intransponíveis para uma outra realidade que não a do país em causa. Basta assimilarmos as especificidades de cada ordenamento jurídico para percebermos o quão descabido seria comparar certas matérias. Mas e se nos focássemos nas metodologias de aprendizagem e na organização dos currículos? O que nos terão a dizer a esse respeito universidades como Stanford, Cambridge e Oxford, as três melhores instituições do mundo na área jurídica?
Na sua página web, os The Times Higher Education World University Rankings apresentam-se como as principais tabelas de desempenho global das instituições de ensino superior a nível mundial, dedicando várias páginas à explicação da sua metodologia de avaliação. Essencialmente, a análise efetua-se por meio de uma pesquisa intensiva sobre as missões académicas centrais: ensino, pesquisa, transferência de conhecimento e perspetiva internacional. Quer isto dizer que os seus resultados assentam em treze indicadores de desempenho cuidadosamente calibrados, divididos em cinco áreas: ensino (ambiente de aprendizagem); pesquisa (volume, receitas e reputação); citações (influência da sua pesquisa); reconhecimento internacional (docentes, estudantes e pesquisa); e receitas da indústria (transferência de conhecimentos). Quando aplicadas as determinantes à área jurídica, os resultados apresentados em 2021 realçam três grandes universidades: a universidade americana Stanford ocupa um sólido primeiro lugar pelo terceiro ano consecutivo, à qual se segue Cambridge que, à semelhança de anos anteriores, permanece em segundo lugar, seguindo-se-lhe a também britânica universidade de Oxford.
Stanford
O que fará da SLS (Stanford Law School) uma pioneira no ensino jurídico?
O programa de JD (Juris Doctor), equivalente à nossa licenciatura, possui uma duração de três anos, à semelhança das restantes faculdades de Direito americanas. Apesar de já aí ser introduzida uma vertente prática considerável (como veremos), o primeiro ano é concebido como um ano basilar onde a doutrina assume o protagonismo. Por meio da sua larga reputação nacional e internacional, a SLS proporciona condições de aprendizagem inéditas quando comparadas a faculdades de menor dimensão. O aproveitamento da sua vantagem dimensional passa, por exemplo, pela instituição de uma política de máximo de trinta alunos por turma nas aulas práticas e de aproximadamente sessenta nas restantes aulas (limite de combinação de duas turmas), o que influencia fortemente o desenvolvimento da interação e discussão com o(s) docente(s). As unidades curriculares distribuídas pelos trimestres (outono, inverno, primavera) que seccionam o ano letivo já são bastante vastas quando comparadas à referência de um primeiro ano numa Faculdade portuguesa. Para além das tradicionais disciplinas basilares como Direito Constitucional, este ano de estudo já integra unidades que o currículo português geralmente reserva para os três anos de licenciatura seguintes. É o caso de «Direito Penal», «Direito Processual Civil», «Contratos» (ao qual se deverá associar o nosso «Direito das Obrigações»), e «Propriedade I» (que se aproximará do nosso «Direito das Coisas»). De frequência obrigatória são ainda duas unidades curriculares curiosas e bastante pertinentes no domínio prático: por um lado, «Seminários de Discussão», por outro, «Pesquisa e Redação Jurídica». A primeira destina-se à prática argumentativa, a segunda, a uma integração do estudante no mundo linguístico do Direito, explorando as várias formas de redação jurídica.
Será de realçar a possibilidade de, no segundo e terceiro trimestres, o estudante eleger entre 0 a 5 e 3 a 8 «cadeiras» opcionais, respetivamente. Em jeito de observação, importa referir que, pese embora a sua frequência não seja contabilizada para efeitos de avaliação, os alunos do primeiro ano têm acesso a aulas de educação física e de música.
Nesta linha, a liberdade curricular dos últimos dois anos de curso contrasta com a de um primeiro ano mais rígido: para cumprirem o seu «JD» (licenciatura), os estudantes devem completar todas as disciplinas requeridas do primeiro ano, às quais se deverão juntar 78 unidades eletivas cumpridas durante o segundo e terceiro anos, o que corresponde a um total de 111 unidades curriculares. Neste sentido, o segundo e terceiro anos marcam um período em que o estudante constrói o seu próprio percurso, de modo que as disciplinas escolhidas de entre um catálogo abundante de opcionais, possam ir ao encontro dos seus maiores interesses. Desta maneira, o estudante consegue ir-se aproximando, aos poucos, da sua verdadeira vocação dentro de um curso com saídas profissionais tão vastas.
Cambridge
No seu vídeo promocional, o programa BA (Bachelor of Laws Degree) apresenta os testemunhos de estudantes e docentes. Os primeiros confluem, essencialmente, em três ideias: flexibilidade, atualidade e pensamento crítico. Já a docente Janet O’Sullivan, caracteriza o curso como «Vivo, vibrante e extremamente interessante do ponto de vista intelectual». Ao analisar o plano curricular do programa de três anos percebemos do que falam. De facto, como complemento da vertente teórica, surge uma forte vertente prática estimulada no próprio modo de lecionação. Não se espera que os estudantes se cinjam à «letra negra das regras», mas, acima de tudo, que pensem criticamente, considerando questões como: qual a origem e evolução de uma determinada lei? De que maneira esta se poderá aplicar a novas situações? Quais os propósitos sociais que serve? Será que existem consequências indesejadas? Será que a lei deve ser alterada ou afastada? E estas não são questões «soltas» sem aplicação real, uma vez que são elas que guiam o modo de desenvolvimento e de avaliação de um trabalho ou de uma resposta de exame: em Cambridge a originalidade e o espírito crítico são tanto o ponto de partida, como o ponto de chegada.
No primeiro ano, subsistem quatro disciplinas obrigatórias: «Direito Romano», «Torts» (corresponderá ao nosso «Direito Civil»), «Direito Penal» e «Direito Constitucional». Já no segundo ano, as disciplinas obrigatórias correspondem a «Land Law» (integrado no nosso «Direito das Coisas») e «Law of Contract» («Direito dos Contratos»), juntando-se a estas últimas, três disciplinas opcionais que poderão ser escolhidas de entre matérias variadas. Note-se o facto de, entre essas disciplinas opcionais, se encontrarem ramos do Direito obrigatoriamente abordados em alguns currículos portugueses: é o caso de «Direito Administrativo» e «Direito Internacional Público». Na opinião dos estudantes, esta margem de três disciplinas dadas à escolha de entre uma variedade de opções é uma mais-valia que lhes permite, já durante o segundo ano, começar a personalizar o seu percurso.
Interessante será também salientar que, em Cambridge, o ensino se encontra dividido em dois formatos distintos: «lectures» e «supervisions». Enquanto as primeiras se assemelham ao que correntemente designamos de aulas teóricas, as segundas correspondem a modelos mais personalizados e desenvolvidos daquilo que apontamos como aulas práticas no modelo português. As «supervisions» consistem, assim, em sessões de pequenos grupos - quatro ou cinco estudantes, pelo que é exibido em imagens - onde se interage com o supervisor responsável. Este é um método de ensino que permite clarificar assuntos e debater ideias diretamente com um entendido na matéria. Assim, o momento das «supervisions» é assumido pela Faculdade como uma característica chave na sua abordagem pedagógica.
Oxford
À semelhança de Stanford e Cambridge, no programa BA da «escola jurídica» de Oxford o regime instituído pauta-se por uma razoável flexibilidade, o que se reflete, por exemplo, no facto de não estabelecer, à partida, um conjunto total de disciplinas, todas elas obrigatórias e destinadas a cada ano de lecionação em particular. Ao invés, à cabeça dos três anos de ensino jurídico, são definidas unidades curriculares obrigatórias, sendo que, fixadas algumas no primeiro ano, as restantes são distribuídas pelos segundo e terceiro anos. Nos dois primeiros trimestres do primeiro ano exige-se a aprovação a quatro «cadeiras»: «Introdução Romana ao Direito Privado», «Direito Constitucional», «Direito Penal» e «Programa de Pesquisa Jurídica e Habilidades de Mooting I (isto é, técnicas de debate e argumentação)»; já para cumprir entre o último trimestre do primeiro ano e o final do terceiro, surgem oito unidades obrigatórias: «Direito Administrativo», «Direito dos Contratos», «Direito da União Europeia», «Jurisprudência», «Land Law», «Programa de Pesquisa Jurídica e Habilidades de Mooting II», «Torts» e «Trusts law». Neste programa curricular, a possibilidade de escolha de opcionais, por sinal, limitada à eleição de apenas duas de entre um vasto e interessante catálogo, ocorrerá apenas no último ano de curso, pelo que se assume um regime ligeiramente mais rígido do que na vizinha Cambridge.
Contudo, é de salientar a atualidade das disciplinas opcionais oferecidas, de entre as quais se contam: «Direito do Ambiente», «Direito dos Media», «Direito da Medicina e Ética», «Direitos Humanos», «Copyright, Patentes e Direitos Associados», «Filosofia Moral e Política», entre outras. Um dado interessante a sublinhar é que apenas existem exames públicos no primeiro e no último ano do curso. Excetua-se um outro momento de avaliação que consiste num ensaio sobre a jurisprudência, a realizar nas férias de verão entre o segundo e terceiro anos.
Concluída esta análise, ainda que sintética, do que de melhor podemos encontrar no mundo do ensino jurídico, chega o momento de refletir sobre os potenciais contributos destes modelos de lecionação para uma futura reforma dos cursos de Direito em Portugal.
Em síntese, o que parece ser mais urgente:
Flexibilizar os currículos. COMO? Por meio de uma condensação de conteúdos que integram as disciplinas obrigatórias e, sobretudo, do estabelecimento e/ou multiplicação de disciplinas opcionais. Como visto anteriormente, o sistema eletivo de disciplinas constitui um incentivo a que o estudante trilhe o seu caminho individual e diferenciado, oferecendo-lhe uma bagagem específica e mais esclarecedora no momento da decisão profissional.
Promover o espírito crítico e a criatividade, não só no ambiente de lecionação, mas também na própria avaliação. COMO? Em contexto de «sala de aula», uma opção viável poderia passar por instituir uma disciplina exclusivamente destinada à discussão e debate de leis, projetos-lei, acórdãos, etc., sob a orientação de um docente, à semelhança da disciplina «Seminários de Discussão» de Stanford, ou, se possível, por meio de momentos equivalentes às «supervisions» de Cambridge. Quanto ao reflexo na avaliação, premiar a originalidade, avaliando certos conteúdos teóricos através da expressão crítica fundamentada e direcionando as perguntas para esse tipo de análise.
Dar voz à atualidade. COMO? Deixando que assuntos atuais se entranhem nos conteúdos programáticos, por um lado, forçando o abandono de certos aprofundamentos teóricos supérfluos; por outro, criando conteúdos letivos atualizados. Isto porque atualizar a lecionação do Direito também significa colocar os alunos perante os novos problemas jurídicos que surgem a cada instante, o que só será verdadeiramente praticável se existir um momento ou uma disciplina destinada pura e simplesmente ao debate desses assuntos ainda «quentes» nas esferas nacional e/ou internacional.
Somos, assim, levados a subscrever as palavras de alunos de Cambridge, fazendo votos de que o futuro do ensino jurídico em Portugal valorize e coordene estas três determinantes de peso: flexibilidade, atualidade, pensamento crítico.
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