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Foto do escritorFrancisco Simões

O fim dos estágios gratuitos

No final do ano passado, o Parlamento aprovou um diploma que alterou as regras de acesso a profissões reguladas por ordens profissionais. Está em causa uma alteração à Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, que estabelece o regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais, e à Lei n.º 53/2015, de 11 de junho, que estabelece o regime jurídico da constituição e funcionamento das sociedades de profissionais que estejam sujeitas a associações públicas profissionais. A nova lei n.º 12/2023 entrou em vigor em abril, faltando apenas às ordens profissionais alterarem os estatutos para incluir estas novas regras.


De entre as principais alterações estão a proibição de atividades reservadas à ordem, a dignificação dos estágios, o reforço das competências do órgão de supervisão (órgão obrigatório das associações públicas profissionais) e a obrigatoriedade de existência de um provedor dos destinatários dos serviços (personalidade independente, designada pelas associações públicas profissionais mas não estando, porém, nelas inscrita, com a função de defender os interesses dos destinatários dos serviços profissionais prestados pelos membros daquelas). 


Uma das medidas que mais tem dado que falar prende-se com os estágios, um dos requisitos comuns para o ingresso na ordem, passarem a ser obrigatoriamente remunerados e a durar, no máximo, 12 meses. O novo art. 8º-A da lei nº2/2013 prevê que “sempre que a realização dos estágios referidos no artigo anterior implicar a prestação de trabalho, deve ser garantida ao estagiário a remuneração correspondente às funções desempenhadas”, devendo a remuneração ser determinada com base nos “critérios constitucionais e legais, nomeadamente o princípio da igualdade de condições de trabalho”. De acordo com Ana Catarina Mendes, Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, o salário dos jovens licenciados que realizem estágios profissionais obrigatórios deve corresponder ao valor do salário mínimo acrescido de 25% (o que corresponde a 950 euros mensais).


Estas alterações não foram bem recebidas pela Ordem dos Advogados. A Bastonária Fernanda de Almeida Pinheiro tem sido uma das principais vozes críticas ao Governo nesta matéria, afirmando que estas alterações “não são contra as ordens, mas sim contra a população". Numa entrevista à SIC, comentou, em relação aos estágios remunerados, que “o Governo, em vez de criar, como deveria, um subsídio a que os estagiários pudessem recorrer, vai fazer com que esses estagiários não tenham acesso a estágio”.

Se a nova medida vier a ser implementada nos estatutos da Ordem dos Advogados, o impacto na vida dos licenciados que pretendem seguir a via da  advocacia será particularmente significativo, tendo em conta a sua especificidade. Não há dúvida de que a atividade dos estagiários constitui uma verdadeira prestação de trabalho, e que em muitos casos ter que trabalhar sem remuneração durante tanto tempo para conseguir terminar o estágio pode constituir um entrave no acesso à ordem. 


Porém, esta medida tem o risco de diminuir o número de advogados dispostos a aceitar os licenciados para o estágio, quer por sentirem que o custo de receber um é superior ao benefício, quer por não serem capazes de os remunerar. Na prática, os estagiários terão apenas lugar nas grandes sociedades de advogados (e sobretudo nas grandes cidades). Não haverá lugar para todos, e mesmo os que lá entram só terão contacto com uma versão da advocacia (não vão conseguir experienciar, por exemplo, como é trabalhar em prática individual). 


O estágio profissional é muito mais do que uma mera condição de acesso à profissão. É, como diz Carmo Afonso, advogada e redatora do Público, uma “passagem de testemunho entre advogados que caracteriza, e enriquece, a profissão”. É na aprendizagem e na experiência que reside o seu valor. 


Deste modo, encontrar uma solução justa em que o estágio seja devidamente remunerado, sem que isso seja impeditivo do acesso à profissão, é o grande desafio que esta lei coloca e que incumbe ao legislador solucionar (começando, desde logo, com a futura lei de alteração dos estatutos das associações profissionais, cuja proposta carece ainda de ser aprovada). 


Francisco Simões

Departamento Sociedade

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