«A forma como isto foi encoberto é tão incrível como a história em si», afirma William Eugene Smith, depois de se aperceber da dimensão do esquema engendrado pela empresa japonesa.
Ganância, negligência e silêncio, são as palavras que melhor descrevem a tragédia que assombra a pequena vila piscatória de Minamata desde 1956. Como tantas outras catástrofes humanitárias, também esta se perdeu nas brumas da memória da humanidade, algo que o realizador Andrew Levitas tentou remediar com o filme O Fotógrafo de Minamata, que ressuscita o trabalho do fotógrafo de guerra William Eugene Smith, no início dos anos 70, interpretado por Johnny Depp naquela que foi, para muitos, a sua melhor performance de sempre. Depp apresenta-se praticamente irreconhecível, cujas feições desaparecem atrás da barba grisalha, óculos e olhar envelhecido característico de Eugene Smith, essência que o ator consegue incorporar como nenhum outro.
O filme de Andrew Levitas age como um memorial audiovisual para os milhares de vítimas esquecidas da “doença de Minamata”, assim apelidada em 1956 por um médico que pouco ou nada sabia sobre a patologia, classificando-a como uma doença epidémica de origem desconhecida que atacava o sistema nervoso central. No entanto, com a ajuda fotográfica de William Eugene Smith, agora sabemos mais sobre esta doença que não era bem uma doença, cuja origem não é de todo desconhecida.
Por volta de 1950, a fábrica de uma das maiores empresas químicas japonesas da época, a Chisso Corporation, começou a descartar os seus resíduos tóxicos nas águas que banhavam Minamata, resíduos estes ricos em mercúrio, que, por sua vez, se alojaram na vida marinha que servia de alimento basilar desta população, totalmente dependente da pesca e do consumo de peixe.
Este consumo de mercúrio começou por demonstrar os seus efeitos nos gatos que se alimentavam da pesca, que apresentavam um quadro de espasmos e outros comportamentos anómalos, que levaram as populações a acreditar que os seus gatos estariam a cometer suicídio, já que muitos tinham tendência de cair para o oceano. Pouco tempo depois, o cenário tomou proporções tenebrosas, já que se verificou que esta “doença” não era restrita aos gatos, à medida que os sintomas se espalharam pelo povo de Minamata, cujo sistema nervoso entrou em declínio: as extremidades tornavam-se dormentes, a visão e audição dúbias e os músculos pareciam atrofiar. A este quadro clínico acrescentam-se convulsões, lesões cerebrais graves e decadência dos órgãos: as pessoas de Minamata estavam a cair que nem tordos.
Além disso, a intoxicação por mercúrio tornou-se tão severa que passou a ser uma doença congénita – as grávidas que ingeriam o peixe contaminado transmitiam a doença para os fetos, que, por sua vez, já nasciam com o quadro anteriormente elencado. Estima-se que cerca de 1000 pessoas tenham falecido por consequências diretas da intoxicação e mais de 65 mil pessoas reivindicaram compensações pecuniárias à Chisso Corporation.
Este filme inclui, também, o início do fim de Eugene Smith, que, em 1972, durante a cobertura de uma manifestação às portas da fábrica da Chisso, foi atacado por colaboradores da mesma, tendo ficado gravemente ferido, acabando por falecer em 1978, devido a sequelas das quais nunca conseguiu recuperar. De facto, O Fotógrafo de Minamata mostra, de forma ímpar, os tentáculos da avareza e da corrupção ao mais ao mais alto nível, expondo os esforços e manhas da Chisso para conseguir perpetuar um dos mais graves desastres químicos da segunda metade do século XX durante 15 anos.
Esta obra bibliográfica procura mostrar aquilo que foi a doença de Minamata através da lente de W. Eugene Smith, que, com a sua fotografia caracteristicamente crua e inconformada, sem nunca abandonar o preto e branco, conseguiu dar uma voz àqueles que não a tinham, abafados pela ganância e pelos interesses financeiros que sempre falaram mais alto do que os gritos por ajuda daqueles que viam a sua família a definhar diante dos seus olhos.
Mais do que um filme, O Fotógrafo de Minamata é um memorial para todos os que não tiveram a oportunidade de contar a sua história ao mundo, que capta de uma forma brilhante, tanto o povo afetado pela negligência dos poderosos, como a relação de Eugene Smith com a síndrome de stress-pós-traumático, provocada pelo seu trabalho enquanto fotógrafo de guerra no Japão durante a 2ª Guerra Mundial; é também representada a sua história de amor com Aileen Smith, fotógrafa, escritora e companheira até ao fim da sua vida, responsável por convidar Smith para fotografar Minamata.
“A photo is a small voice, at best, but sometimes – just sometimes – one photograph […] can lure our senses into awareness. Much depends upon the viewer; in some, photographs can summon enough emotion to be a catalyst to thought.” – W. Eugene Smith
Beatriz Morgado
Departamento Cultural
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