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Foto do escritorJosé Santos

O poder da concorrência: a Apple TV+ e o streaming

Em novembro de dois mil e dezanove a Apple entrou oficialmente no mercado internacional de streaming. Competindo com gigantes estabelecidas como a Netflix, a HBO Max, a Prime Video e a Disney+, a primeira pergunta que nos surge é bastante simples: porquê? Num mercado cada vez mais saturado, o que distinguiria a Apple TV+ de qualquer uma das outras plataformas? Como poderia competir com catálogos muito mais extensos e originais já sedimentados? Em suma, qual seria a razão que convenceria o consumidor a subscrever à sua plataforma em detrimento de qualquer uma das outras supramencionadas? A resposta foi clara: colocando a qualidade em primeiro lugar. Resta-nos saber, três anos depois, se o objetivo foi cumprido e se a entrada da Apple foi benéfica ao consumidor. Espero que nas próximas linhas possa destrinçar, com alguma proficuidade, algo profundamente subjetivo.


Deveria começar por dizer que sou um adepto fervoroso do streaming. O que é que isto, na prática, significa? Não muito, uma vez que a sociedade vive, em muitos aspetos, completamente só com o streaming (ou para isso caminha a passos largos). Mas, verdade seja dita, a minha adoção foi imediata e transversal desde o primeiro minuto. O conceito de streaming, em oposição à televisão, resignou logo comigo: a liberdade para escolher o conteúdo que pretendemos ver, à hora desejada, sem programações, sem anúncios, com a capacidade para pausar, voltar, adormecer, retomar, tudo à ponta dos dedos foi, sem dúvida, uma inovação revolucionária no que ao consumo de entretenimento concerne. Ora, claro que uma das suas principais vantagens, a priori, foi a de agrupar, numa só aplicação, (quase) todo o conteúdo apetecível a um preço muito competitivo (inferior ao cobrado pela televisão a cabo). Dito isto, no momento em que o mercado se expande e o consumidor passa a ter de subscrever quatro ou cinco plataformas diferentes para ter acesso a todo o conteúdo, não poderemos dizer que a concorrência “defeats all it’s purpose”? Talvez. O preço, como vertente e princípio basilar do streaming encontra-se nulificado, é um facto. O custo para ter acesso a todo o conteúdo disponível é superior ao custo inicial da televisão, ponto final. Não obstante, será um erro analisar todo um mercado à volta do seu preço e será ainda mais míope não considerar os saltos de qualidade e oferta que o consumidor final tem hoje acesso.

Toda esta a análise não é inovadora, aliás, é sabida desde que o monopólio que a Netflix criou começou a desmoronar-se organicamente. Portanto, sabendo que tanto as empresas como os consumidores têm plena consciência desta alteração fundamental, como é que o mercado continua em expansão? Parece-me que a conclusão é líquida: através da concorrência. Todas estas plataformas concorrem pela nossa atenção; todas elas pretendem criar conteúdo que nos vidre a um ecrã e, por consequência, que nos impeça de trocar de aplicação para o conteúdo do vizinho. Esta concorrência natural produz, a cada dia que passa, mais e melhor conteúdo, sendo o consumidor final o beneficiário dessa mesma concorrência.


Nessa senda entra o nosso principal e último interveniente, a Apple TV+. E digo-o com confiança – tendo a Academia para me respaldar com diversos prémios e nomeações. Posso desde já confessar que toda a ideia deste artigo surge de dois originais da Apple TV+ que me deixaram perplexo e profundamente satisfeito pela sua entrada no mercado: Ted Lasso e Severance. Estas, juntamento com The Morning Show, Pachinko e CODA (primeira produção de uma plataforma streaming a ganhar o Óscar de Melhor Filme) fazem um catálogo de originais de elite. Em pouco tempo, a Apple visualizou um trajeto e cumpriu ao máximo: colocou a tónica na qualidade esquecendo a quantidade; preocupou-se pouco com o tamanho do seu catálogo e investiu em produções originais diferenciadas. As nomeações e os prémios são os dividendos desta estratégia.



Adoraria poder ser mais prolixo e contar-vos como Ted Lasso reviveu a comédia de intervenção – trazendo uma componente desportiva à mistura – numa amálgama sensacional de reflexões estoicas; mais prazer ainda me daria explanar todo o conceito de Severance, um science fiction psychological thriller completamente único, onde se explora a dualidade da vida pessoal e laboral – na série, as pessoas voluntariamente decidem colocar um dispositivo no cérebro que lhes permite ser duas pessoas, esquecendo-se quem são na vida pessoal quando trabalham e, de igual forma, esquecendo-se no que trabalham quando voltam à vida pessoal – e o próprio problema do livre arbítrio; mas estando limitado pelas vicissitudes da vida, deixo-vos só estas recomendações e uma reflexão final: ainda bem que a Apple entrou no mercado! E a HBO Max, e a Hulu, e a Disney+; e qualquer uma próxima que tente acrescentar qualidade ao entretenimento, acabando, pouco a pouco, com a hegemonia da Netflix, que parece presa à estratégia de lançar qualquer coisa “and see what sticks”. Sempre pela qualidade, sempre pela concorrência!


José Santos

Departamento Cultural





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