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Foto do escritorBeatriz Loureiro

Oh vizinha, cá ainda se faz bom cinema

Reflexão sobre o telefilme Vizinhas


«Vieste passar o Natal?» «Vim para ficar.» Conto a história de duas vizinhas, duas amigas de infância inseparáveis: João e . De uma maneira ou de outra, a vida encarrega-se sempre de as juntar. Protagonizado por Margarida Carpinteiro e Natalina José, este telefilme – Vizinhas (aposta da RTP e da Ukbar Filmes) – é inspirado no livro Prantos, Amores e Outros Desvarios, de Teolinda Gersão.



Ouve-se o vento, os verdes movimentam-se ao seu ritmo. Correm, jovens, até ao topo do moinho, João e Zé. Do alto, o sol quente da alvorada (da vida) ilumina as promessas feitas.


Qual o verdadeiro significado da palavra opostos? Depois de ver este filme, diria João e Zé. Se João é paciente, compreensiva, age como o seu coração manda, quer ir a Lisboa ver o Rossio iluminado; Zé é irreverente, de ideias fixas, é o tudo ou nada, quer ir a Lisboa à feira popular comer algodão doce, andar nos carrosséis e beber cerveja. Mas uma coisa têm em comum: desde miúdas partilham o desejo de sair do Zêzere e partir rumo à capital.


É precisamente a personalidade que as trai: a essência inconciliável de cada uma leva a melhor. Zangam-se, porque a vontade de uma e de outra se dispersa por caminhos distintos: João, refém de um amor jovial arrebatador, quebra a promessa de as amigas fazerem a sua vida em Lisboa – perante isto, Zé, sedenta de liberdade e inconformada com o rompimento do pacto por João, segue para a capital sem olhar para trás.


Assim se passam algumas décadas. O tempo e a vida avançam.


A verdade é que a idade começa a pesar. As maleitas da velhice começam a denotar-se. Toca a todos, é inevitável. Zé, doente e cansada da azáfama «alfacinha», regressa ao Zêzere e João, que lá se manteve, recebe-a de braços abertos – «Ainda fazes o café assim?». Eram frequentes os episódios de confusão mental de João. Depois de muita insistência da família, esta aceita o seu destino: ir viver para o lar da vila. Não tardou muito até que Zé fosse para lá também.


Será que é possível recuperar o tempo perdido, recuperar algo que já não volta? João e Zé mostram que sim. Chegadas ao fim da vida empenham-se em efetivar a promessa que há muito fizeram: ficar juntas para sempre.


Ouve-se o vento, os verdes movimentam-se ao seu ritmo. Caminham, velhas, até ao topo do moinho, João e Zé. Do alto, o pôr do sol (do final do dia, do final da vida) deixa a descoberto a realização das promessas outrora feitas.


«Sabes, a vida é que nos traz e a vida é que nos leva. Eu estou preparada. Quando chegar a minha hora, vou […]. Mas, até lá, fico aqui contigo


Vizinhas é absolutamente brilhante nas analogias que compreende – desde a paleta cromática associada a cada momento da vida de João e Zé, até às estações do ano em que a juventude e a velhice são retratadas, passando pela constância dos sons dos pássaros e do vento, quase como se nunca tivessem saído do mesmo sítio, apesar de a vida ter passado. O estágio da adolescência, de reconhecida fluidez e mutabilidade, é apresentado numa imagem de tons quentes, alaranjados. O avançar da idade, que traz sensatez, mas não rouba a essência, é reproduzido em tons mais frios, mas nunca caindo no pálido. A jovialidade de João e de Zé é da primavera, do verão. A velhice das amigas, ao contrário do expectável, não é do inverno, mas do outono, em que réstias do sol de tempos quentes antigos ainda iluminam os fins de tarde. O chilrear dos pássaros é constante. O vento sopra agora como outrora soprava.


«Juntas?» «Sempre.» é a promessa que acompanha todo o percurso de vida de João e Zé: de mãos dadas, da infância à velhice. É talvez um certo fado que as encaminha, inevitavelmente, para a eterna amizade. Começa e termina assim, Vizinhas, disponível na RTP Play.


Cá ainda se faz bom cinema.


Beatriz de Oliveira Loureiro

Cultural





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