Da figura da mulher e o misticismo
Do grego delphís ou delphínos deriva Delfina, feminino de Delfim ou Delfino. Etimologicamente, reconduz-nos a Delfos, a antiga moradia do Oráculo[1]. Durante muito tempo, por obra de Zeus na incessante busca pelo ponto médio da Terra, a cidade grega foi apelidada de “umbigo do mundo[2]”. Mais, curiosamente, nestes nomes todos reside a raiz delph—, que significa “útero[3]”.
Múltiplas eram as formas como Norberto Ribeiro, em Olhos que Comiam Medo, podia caracterizar Delfina, mas, preterido por um ímpeto maior, entendeu que seria mais realista apresentá-la como uma mulher atormentada ou, então, desapiedadamente amaldiçoada.
Desde o momento em que foi concebida, debate-se infortunadamente com o porquê do dom (ou da maldição) que carrega no seu seio[4]: os que cruzam o olhar com o seu sentem uma vontade inexplicável de lhe despejar em cima todos os males que os sufocam.
Muito sabiamente, Norberto Ribeiro narra alguns dos episódios da vida de Delfina e, com um bisturi — as suas palavras —, “disseca o que mais de humano existe nas pessoas”. Com uma lâmina de grande precisão, rasga aquilo que medeia o real e o onírico, vasculhando pelas entranhas[5] do Homem os seus medos crus, as suas frustrações, os seus remorsos, as suas dúvidas existenciais.
Obstinado e despido de pudor, o autor caminha até ao âmago[5] do que é ser humano, até ao que lhe é mais visceral[5].
Francisco Paredes
Departamento Cultural
Definições:
[1] Oráculo: divindade consultada.
[2] umbigo do mundo: local onde se manifestam os principais eventos.
[3] útero: microcosmo feminino; símbolo de poder, essência e amor.
[4] seio: génese da conceção; íntimo.
[5] entranhas, âmago, visceral: recesso; centro; profundo.
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