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Os iranianos trouxeram a Revolução ao país

  • Foto do escritor: Jornal Tribuna
    Jornal Tribuna
  • 19 de mai. de 2024
  • 5 min de leitura

Para entender a Revolução Iraniana de 1979 é preciso primeiro entender os seus antecedentes. Antes dos Pahlavi, o Irão, na altura denominado Pérsia, foi governado pela dinastia Qajar e antes desta pelos Safávidas. Estes últimos foram responsáveis por duas das transformações mais importantes do país: os Qajars deram ao clero muçulmano o poder político, e os Safávidas tornaram o islamismo xiita a religião oficial da Pérsia.


A maioria dos muçulmanos do mundo são sunitas, mas os xiitas são uma parte relevante do seu universo, tanto que formam o grande grosso dos muçulmanos no Irão e no Iraque. Os primeiros acreditam que Abu Bakr, o primeiro califa, foi corretamente escolhido, enquanto os segundos defendem que Ali deveria ter sido o primeiro califa. É esta diferença que leva os xiitas a verem-se como a fação dos oprimidos que se levanta contra os ricos e poderosos, que remete para o padrão de justiça definido pelo profeta.


Em 1906, a ação revolucionária forçou, de entre outros, os dirigentes da dinastia Qajar a aceitar uma Constituição, e fez com que o islão xiita fosse oficializado como religião de Estado, ao mesmo tempo que seriam protegidos e assegurados os direitos das minorias. Esta revolução, com a retirada do apoio do clero e devido às manobras imperialistas russas e britânicas para assegurar o domínio da região, não teve sucesso.


Em fevereiro de 1921, num ambiente pós Primeira Guerra Mundial e devido à descoberta de petróleo no Médio Oriente, as rivalidades europeias começaram-se a intensificar. Os ingleses estabeleceram a Anglo-Persian Oil Company, nos dias de hoje conhecida como British Petroleum (BP) e ajudaram Reza Shah a encabeçar um golpe na tentativa de transformar a Pérsia num estado secular moderno de estilo ocidental. Durante a Segunda Guerra Mundial, e sob a pressão de uma invasão britânica e soviética, Reza Shah abdicou do poder, tendo o seu filho Mohammed Reza Shah assumido o seu lugar, no qual permaneceu até 1979 – período da dinastia real Pahlavi.


Após o segundo grande conflito mundial, os britânicos permitiram uma maior participação popular no governo iraniano. O principal partido a beneficiar desta foi o Tudeh, o partido comunista nacional. É em 1951, com a eleição a primeiro-ministro de Mohammed Mossadegh, que a experiência democrática supramencionada de transformação do país vê o seu fim. Mossadegh levou o parlamento a nacionalizar a indústria petrolífera, afetando diretamente os interesses ingleses. Os afetados irão exercer pressão sobre os americanos no sentido de um esforço conjunto para terminar este processo socializante e proteger os lucros da BP. Mossadegh acaba mesmo por partir para o exílio em reação aos protestos contra o seu governo. Estes foram encorajados pelo clero xiita, atitude que é potencialmente analisada como estranha, já que a fação assumia uma postura radical contra a opressão.


Quem sai reforçado no seu poder do Golpe de 1953 é o Xá, Mohammed Reza Shah. Este ficou na memória popular como um autocrata que, para sufocar a dissidência, se serviu de uma polícia secreta, a Savak, que procedeu à censura, a aprisionamentos e à tortura de presos políticos. A liderança do Xá viu, de 1962 a 1975, e de entre outros, melhorias socioeconómicas, nomeadamente na indústria e na educação; e a população aumentou ao mesmo tempo que a mortalidade infantil diminuía – a chamada Revolução Branca. 


Apesar dos desenvolvimentos supramencionados, persistia um generalizado descontentamento com as condições de vida, a perda de poder de compra e a ameaça de desemprego misturados com a desilusão e raiva face ao regime. As manifestações iniciais desta conjuntura começaram após a publicação de um artigo crítico de Khomeini através de um jornal iraniano a 7 de janeiro de 1978. É fulcral apontar que não havia uma visão fundamentalista do Islão por parte de todas as pessoas que vieram à rua, mas o que as unia era sim a desigualdade económica e a repressão política de um regime que percecionavam como corrupto e ineficaz a dar respostas às necessidades do país. É nesta altura que Ayatollah Khomeini regressa do exílio, afirma o seu poder como ponto de fixação das massas, expondo a sua aversão à tirania do líder do país – na sua lente, o poder do rei era inerentemente anti islamista e a tradição xiita era a de combater esse mesmo poder.


Como reação, a polícia disparou contra manifestantes, matando mesmo alguns. Estas consequências violentas estimularam inúmeros e mais fortes protestos. Ainda, no seio das mobilizações, encontrava-se um pesado criticismo ao Ocidente. Uma mulher que participou nestas disse que «os estilos de vida americanos foram impostos como um ideal, o objetivo final – americanismo era o modelo, que a cultura popular americana (livros, filmes, revistas, etc.)» e que «tinham inundado o nosso país como uma cheia e que se questionavam se haveria espaço para a nossa própria cultura».


A primeira parte da Revolução foi relativamente pacífica, no entanto, o crescendo de protestos e repressão por parte do regime culminou no colapso da monarquia autocrática. A Revolução termina vitoriosa em fevereiro de 1979 com a declaração de neutralidade por parte do exército e com a retirada do seu apoio ao primeiro-ministro nomeado pelo Xá, que tinha saído do país duas semanas antes.


É, portanto, neste caldo que nasce a atual República Islâmica do Irão – tem como base o ideário de Khomeini de o que um governo islâmico deve ser, um princípio que ele intitulou como Velayat-e faqih. Este estatui que um estudioso de direito islâmico – a lei Xaria – teria a autoridade final, uma vez que é o que melhor conhece a lei e a justiça; ou seja, haveria uma legislatura, um presidente e um primeiro-ministro, mas qualquer das suas decisões poderia ser derrubada pelo governante supremo que, até à sua morte, foi Ayatollah Khomeini.


Se perspetivarmos a democracia como a mera realização de eleições, então o Irão vive sob um regime democrático, feita a ressalva das várias acusações de fraude eleitoral e limitações dos iranianos seculares de se organizarem politicamente. No entanto, a autoridade máxima, escrita na Constituição, não é a vontade do povo, mas sim a de Deus que, como anteriormente mencionado, é representado pelo supremo líder religioso. Uma das primeiras coisas que Khomeini fez foi criar os Guardas da Revolução e Hezbollah, a primeira para defender a Revolução Islâmica no país e a segunda para a expandir. Ainda, sob a nova Constituição, Khomeini era responsável por nomear os chefes das forças armadas, das estações de televisão, etc. – estruturalmente o governo do Irão era semelhante ao de outros governos, mas acima de tudo e de todos estava sempre o faqīh, que dispunha livremente do poder e tinha a responsabilidade para intervir diretamente em nome do Islão.


Entendidos creem que, para pessoas no Ocidente tentarem perceber o Irão, é preciso desembaraçarem os vários aspetos da Revolução. À luz disto, não se deve ignorar o que atualmente se passa no país. Elencam-se 3 notícias de várias que poderiam servir de exemplo:


A 13 de setembro de 2022, uma jovem curda, Mahsa Amini, foi detida pela polícia da moralidade por estar a usar o «hijab indevidamente», tendo, três dias depois, aparecido morta enquanto se encontrava sob a custódia das forças policias. O aumento das tensões encadeou uma série de protestos contra o regime.


A 4 de dezembro de 2023, o número de pessoas condenadas à morte e executadas em outubro e novembro do mesmo ano duplicou em relação a agosto e setembro do mesmo.

A 6 de dezembro de 2023, foram revelados os testemunhos de adultos e crianças detidas nos protestos “Mulher, Vida, Liberdade”, que foram violadas e agredidas pelas forças de segurança iranianas.


Apresentados todos estes factos, vive ou não o Irão numa democracia?


Francisca Bastos

Departamento Sociedade


Sugestão: visualização do filme Persepolis realizado por Marjane Satrapi e Vincent Paronnaud.

 
 
 

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