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Foto do escritorBeatriz Morgado

Os políticos afinal levam trabalho para casa: mas são documentos confidenciais

Para contrariar a crença popular de que os funcionários públicos trabalham tão pouco que não têm a necessidade de levar trabalho para casa, temos, a título exemplificativo, os vários casos de descobertas de documentos com informações classificadas na posse de políticos norte-americanos, nomeadamente o presidente Joe Biden e o ex-presidente Donald Trump.


O Presidente norte-americano Joe Biden© EPA/MICHAEL REYNOLDS

De modo a compreender a dimensão gravosa desta questão, é importante ter presente a seguinte linha cronológica. No dia 2 de novembro de 2022 foram encontrados 10 documentos classificados, que datam à legislatura em que Joe Biden fora vice-presidente de Barack Obama, no interior de um armário trancado no Penn Biden Center, em Washington DC, local que Biden utilizava como escritório desde 2017 até à data das eleições presidenciais de 2020. Todavia, esta informação apenas terá sido divulgada ao público dia 9 de janeiro de 2023. Passados apenas 3 dias desta revelação foram, de novo, encontrados 6 documentos revestidos do mesmo teor confidencial na residência de Joe Biden em Wilmington, Delaware, tendo o primeiro sido encontrado dia 12 de janeiro e os outros cinco apenas 2 dias depois, dia 14 de janeiro, apesar de Richard Sauber, o advogado representante da Casa Branca, ter afirmado que as buscas a esta propriedade teriam cessado no dia anterior à última descoberta.


Ora, esta situação torna-se suscetível de ainda mais críticas, se atentarmos a data da descoberta dos documentos no Penn Biden Center, e a relacionarmos com a data das eleições intercalares americanas, que ocorreram no dia 8 de novembro de 2022, tendo em conta o facto de que a informação só foi divulgada quase dois meses depois.


No entanto, como já foi brevemente referido, o caso do presidente Biden não é, de todo, um caso isolado no paradigma político americano, já que o ex-presidente Donald Trump também demonstra ter tido o mesmo hábito, mas este especialmente digno de uma condição de workaholic, tendo em conta que foram encontrados 184 documentos classificados na sua propriedade em Mar-a-lago, em agosto do ano passado, sendo que 67 destes tinham conotação confidencial, 92 tinham classificação secreta e os restantes 25 tinham teor ultrassecreto, segundo a declaração oficial do Departamento da Justiça.


Se bem que a reação destas duas figuras às respetivas investigações foi notoriamente distinta, sendo que Biden teve uma atitude de (pelo menos aparente) cooperação com as autoridades, enquanto que Trump demonstrou uma certa relutância em colaborar com a investigação em curso e negou que tinha o dever de devolver os documentos a que teve acesso durante o seu mandato aos arquivos nacionais depois do término do mesmo, é legítimo afirmar que existe um problema generalizado quanto ao uso impróprio de documentos de teor sensível e confidencial pela parte dos políticos norte-americanos, o que pode ter efeitos nocivos naquilo que é a forma que o povo perceciona quem o governa, assim como todo o sistema estadual.


Não obstante, a taxa de aprovação da presidência de Biden depois das descobertas não parece ter sofrido alterações significativas, sendo que, aquando janeiro de 2023, a taxa de aprovação da população em geral apenas caiu 2 pontos percentuais, de 43 para 41%, em comparação com o mês homólogo, sendo, aliás, mais alta que aquela obtida em julho de 2022 (36%). A nível partidário, também não se verificou nenhum sofrimento na taxa de aprovação do atual presidente norte-americano, que se manteve nos 9% relativamente aos republicanos e até aumentou cerca de 1 ponto percentual no caso dos democratas, estando, em janeiro de 2023, nos 77%, em comparação aos 76% registados no mês homólogo.


É claro que só o tempo o dirá; porém, considero deveras improvável que esta série de escândalos tenha qualquer tipo de efeito significativo nas probabilidades de reeleição de Joe Biden e Kamala Harris na corrida à Casa Branca de 2024, já que, por muito que uma parte considerável (39%) do povo americano não tenha gostado da forma como Biden lidou com as descobertas de documentos classificados na sua posse, tal observação não se refletiu naquilo que é a apreciação do desempenho geral do presidente.


Contudo, por muito que esta situação não tenha tido efeito na taxa de aprovação de Biden, é inegável que estes casos reiterados de conduta imprópria pela parte de figuras altas do Estado americano são suscetíveis de alimentar e contribuir para o crescimento de muitos vícios próprios do povo americano, no que toca à habitual desconfiança para com os entes públicos. É claro que a perspetiva cética quanto às intenções do Estado não é restrita aos cidadãos norte-americanos; porém, é um facto que existe um sentimento comum de desconfiança quanto à intervenção estadual característico deste país, o que se tornou evidente no culto do negacionismo à volta da pandemia da COVID-19, assim como o total desrespeito pelos meios democráticos naquilo que foi a reação ao resultado das eleições em 2020. Verificamos aqui ainda sequelas de um red scare que influencia a perceção que o povo tem dos que o governam, encarando sempre o Estado como um Leviatã pronto a atacar mal tenha a oportunidade para tal, o que faz com que estas descobertas de documentos classificados possam funcionar como lenha para a fogueira no que toca a um culto de rejeição do poder vertical, que se manifesta através de insurreições, protestos, entre outros. Poderá ainda ser usado como arma de arremesso entre as diferentes fações num país dividido ao meio, estando cada lado incessantemente à procura de motivos para submeter o outro à condição de 2ª categoria.


Beatriz Morgado

Departamento Sociedade


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