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Foto do escritorBeatriz Morgado

Oscar Wilde: uma lufada de ar fresco na Inglaterra fin de siècle

Não é novidade alguma, para qualquer pessoa que tenha virado uma página que seja das obras de Oscar Wilde, que os valores da sociedade vitoriana o aborreciam terrivelmente.


Conhecido por muitos pelo seu célebre e único romance, O Retrato de Dorian Gray - que serve, no seu desfecho, como um cautionary tale para aqueles que vivem na procura constante da beleza e do prazer das coisas -, é deveras curioso que tal não reflete, nem um pouco, a filosofia esteticista que este defendeu durante toda a sua vida, como se de uma renovação dos valores hedonistas se tratasse, apesar de estas ideias estarem presentes em grande parte da obra. “There is no such thing as a moral or an immoral book. Books are well written or badly written. That is all.” – esta afirmação de Wilde no prefácio de Dorian Gray é, talvez, a que melhor incorpora o espírito esteticista próprio do mesmo: a arte, incluindo a literatura, não tem, nem deve ter, moral ou um determinado propósito, devendo apenas procurar ser bela, isto é, ser verdadeiramente inútil, sem temáticas sociais latentes. 


Esta ideologia algo excêntrica, que se refletia na forma como Wilde se apresentava ao mundo, chocava a sociedade vitoriana dos fins do século XIX; porém, o seu estilo exagerado e extravagante, que fugia às normas da masculinidade, não é o único símbolo de progresso que lhe é atribuível.


Wilde, 1882


Nascido em outubro de 1854, em Dublin, Oscar Fingal O’Flahertie Wilde era um dos vários descendentes de William e Jane Wilde, sendo a última uma conceituada poeta irlandesa, que, escrevendo sob o pseudónimo Speranza, trouxe as temáticas da emancipação das mulheres e de ideias separatistas para a vida de Oscar desde muito cedo. Esta influência feminista influenciou o seu trabalho enquanto jornalista, sendo que, antes de subir à ribalta como o genial dramaturgo, romancista, escritor e poeta que hoje conhecemos, Wilde foi editor da revista Woman´s World (que antes da sua chefia era chamada A Lady´s World: Magazine of Fashion and Society, mudança esta que já demonstra uma mente deveras progressista naquilo que toca ao valor intelectual da mulher), em que publicou artigos sobre o sufrágio feminino e defendeu a ideia de que a desigualdade entre os sexos leva a um apodrecimento dos tecidos sociais


A relação de afetividade que mantinha com a sua mãe não produziu apenas ideias feministas, sendo ainda parcialmente responsável pelas ideias inovadoras que este tinha sobre a educação de uma criança. Tenho a ousadia de afirmar que a visão de Wilde no que toca aos deveres parentais é, talvez, a que mais surpreende, considerando a sociedade oitocentista severa em que cresceu, em que o valor da disciplina pela via do castigo e da rigidez era a técnica educativa dominante (para muitos, hoje, ainda o é). Wilde vê a educação da perspetiva da criança educada: esta visão torna-se evidente nos seus contos infantojuvenis, em que o foco da narrativa passa pela conceção da criança de um bom pai, deixando de lado a conceção do pai de uma boa criança. Deste modo, este considera que demonstrar carinho, calma e tolerância para com uma criança, não só a educa, como também educa os seus pais, naquilo que é uma educação moral. A criança aparece na literatura de Wilde como quem ensina o adulto a tornar-se uma pessoa melhor (como acontece, por exemplo, no conto infantil O Gigante Egoísta, em que o Gigante, inicialmente cruel, demonstra carinho para com um triste rapaz no seu jardim, sendo que, mais tarde, tal criança lhe aparece como Jesus Cristo, que lhe dá as boas-vindas ao paraíso, tal como o Gigante o acolheu no seu jardim). Esta inversão de papéis familiares destoa muitíssimo daquilo que era a tradição literária da época vitoriana, em que a maioria das histórias infantis se debruçavam sobre as consequências negativas que advêm do desrespeito e rebeldia pueris.


Aliás, a inversão dos papéis literários convencionais é uma constante em toda a sua obra, em que, por muitas vezes, o Mal toma o lugar do Bem: em Lord Arthur Savile’s Crime, Lord Arthur recebe a notícia, através da previsão de um leitor de palmas, de que cometerá um homicídio. Determinado a fazer cumprir a profecia antes do seu casamento, para não correr o risco de causar dano à sua família, este tenta, por várias vezes, cometer um assassinato, porém, sem sucesso, até que se depara com o leitor de palmas debruçado sobre o Tamisa - Savile empurra-o, matando-o, e vive feliz para sempre no seu matrimónio. Já em The Canterville Ghost, é o fantasma que é revelado como o herói que merece compaixão, enquanto a família americana burguesa que este tenta assombrar é a verdadeira vilã.


É claro que esta perspetiva moderna sobre o papel da parentalidade também se traduziu para a própria vida de Wilde enquanto pai: a sua devoção aos seus filhos foi uma constante em toda a sua vida e intensificou-se com a pena de prisão de dois anos a que foi condenado, em 1895, pela prática de “atos indecentes com outro homem”; tal deu origem a que a sua mulher, Constance Holland, proibisse Wilde de ter qualquer contacto com os seus dois filhos, aquela que foi a sua maior desgraça. Em De Profundis, uma longa carta escrita na solitária para o seu amante Alfred “Bosie” Douglas,  Wilde afirma que inveja os prisioneiros que caminham consigo no pátio da prisão, pois está certo de que os seus filhos os esperam carinhosamente lá fora, enquanto ele se encontrará sempre em infinito sofrimento


Também em De Profundis, Wilde debruça-se sobre os fins das penas e o sistema prisional severo característico da Inglaterra vitoriana, invocando preocupações de reinserção social - “A sociedade, que se arroga o direito de infligir ao indivíduo os mais medonhos castigos, comete também o supremo pecado da negligência ao não perceber as consequências de seus atos. Depois que o homem cumpre a sua sentença, ela o abandona, isto é, ela o deixa entregue à própria sorte no exato momento em que seria seu dever maior zelar por ele.”.


Este foi um homem à frente do seu tempo: desafiava a moralidade oitocentista nas suas obras e na sua vida, o que encurtou o tempo em que o mundo pôde desfrutar do seu génio mordaz incomparável, tendo falecido a 1900, exilado em Paris, devido a doença contraída durante os seus duros anos preso, sujeito a más condições de saúde e trabalhos forçados – “My wallpaper and I are fighting a duel to the death. One or the other of us must go”. E assim se foi. Gosto de pensar que Wilde ganhou. 


Beatriz Morgado

Departamento Cultural

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