Na sexta-feira, 18 de outubro, foi unanimemente rejeitada a proposta de referendo apresentada pelo partido Chega a respeito da introdução de quotas para a entrada de imigrantes no país. As perguntas do referendo teriam o seguinte conteúdo: “Concorda que anualmente a Assembleia da República defina um limite máximo para concessão de autorizações de residência a cidadãos estrangeiros?” e “Concorda que seja implementado em Portugal um sistema de quotas de imigração, revisto anualmente, orientado segundo os interesses económicos globais do país e das necessidades do mercado de trabalho?”.
No momento da apresentação da proposta de referendo, o presidente do partido declarou que esta é uma condição necessária para debater o Orçamento de Estado para 2025. A deputada Vanessa Barata defende que "o aumento insustentável das chegadas irregulares de migrantes registado nos últimos anos justifica que se pense fora da caixa" e se passe "a palavra ao povo". O presidente do Chega, por seu turno, garante que o partido não visa um referendo “relacionado com perceções ou narrativas”, mas antes questionar “que política migratória” querem os portugueses para o futuro.
A proposta é alvo de censura pela maior parte dos partidos, como se revelou nas votações decorridas na Assembleia da República, onde PSD, PS, IL, BE, PCP, Livre, CDS-PP e PAN se opuseram à proposta, tendo apenas o Chega votado a favor. No fim da votação, os partidos batem palmas. Triunfo!
Entre as críticas, Paula Cardoso, deputada do PSD, argumenta que “este referendo não resolverá como por milagre os problemas dos imigrantes", sendo as quotas uma "clara violação aos direitos fundamentais e humanos” e ainda que "não é digno do Estado de Direito Democrático tratar pessoas como se de mercadorias se tratasse. [...] A solução não é colocar as pessoas numa espécie de lista de Schindler, onde se diz 'tu és útil ficas, ou não és útil vais'. Isto é o fim da linha do humanismo, da sensibilidade, da moderação, da razoabilidade". No mesmo sentido, mas de uma forma mais polémica, Mariana Mortágua, coordenadora do BE, comenta: "Não se pode esperar nada de quem desfila com neonazis cadastrados". Outros partidos ainda questionam a constitucionalidade da proposta.
Marcelo Rebelo de Sousa acabou por revelar a sua posição na resposta a uma pergunta colocada na Universidade de Verão do PSD, apontando a incoerência entre os discursos acerca da imigração, a sua realidade e os efetivos números. Alerta ainda para o facto de ser “fundamental, ao falar-se de imigração (...) saber do que estamos a falar”, pelo que atualmente representam os imigrantes em Portugal quase 1 milhão de pessoas, das cerca de 11 milhões em território nacional. Posteriormente, todavia, recusou tomar qualquer posição antes da pronúncia do Tribunal Constitucional sobre a matéria.
Com efeito, é relevante e legítimo ter presente a opinião dos cidadãos acerca da receção de imigrantes em Portugal, neste caso, através do mecanismo de democracia semidireta que é o referendo. De facto, a soberania reside e deve residir no povo, mas esta soberania é delineada por limites constitucionais de liberdade, de uma livre economia de mercado e de abertura do Estado português dentro do cenário mundial. Nesse sentido, é a proposta das quotas anuais “segundo os interesses económicos globais do país e das necessidades do mercado de trabalho” que poderia pôr em causa, possivelmente, valores já consagrados em Portugal. Levanta-se a questão de saber se, no plano jurídico-político, o Estado goza de legitimidade para determinar as necessidades do mercado e restringir quantitativamente o acesso de imigrantes ao país, o que implicaria um fortíssimo intervencionismo da sua parte.
Este pequeno sucedido na passada sexta-feira também coloca o tema da imigração em perspetiva e levanta inúmeras questões. A complexidade da matéria envolve fatores psicológicos, económicos, culturais e sociológicos que escaparão a qualquer análise. O que se sabe é que é uma realidade traduzida por uma complexidade desafiadora, quer àqueles que aqui chegam, os imigrantes, quer àqueles que aqui os acolhem, os residentes. O fenómeno sucede de forma crescente, tornando-se cada vez mais presente no quotidiano português. Segundo dados da OCDE, Portugal é o 10º país em que o peso da imigração mais aumentou face ao valor de 2012.
No plano da educação, entre 2018/19 e 2023/24, houve um aumento de mais de 160% de imigrantes no ensino básico e secundário, segundo os dados revelados pelo ministro da Educação, Ciência e Inovação (10/09/2024). Atualmente, 14% dos alunos do ensino básico e secundário são estrangeiros, sendo que 25 a 30% destes novos alunos não falam português. Com efeito, e como afirma o ministro, “A integração dessas pessoas passa pela educação e começa nos filhos desses imigrantes.”
A coesão e a integração parecem ser a resposta para a criação de uma sociedade menos politicamente recortada e suscetível a extremismos (que leva à ascensão de movimentos de direita e antieuropeístas manifestados atualmente na Europa). Não podemos fechar os olhos para o novo tecido social português, que traz diversos benefícios para o funcionamento da nossa economia e para o combate ao envelhecimento populacional, ainda que com isso traga uma série de adversidades.
Luiza Toniolo
Departamento Sociedade
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