Para ser grande, sê inteiro
- Martina Pereira
- 11 de set. de 2023
- 4 min de leitura
No passado dia 26 de agosto, ficámos a saber que quase cinquenta mil estudantes ficaram colocados numa das suas opções na primeira fase do concurso nacional de acesso ao Ensino Superior 2023/2024. Ficámos igualmente a saber que a FDUP continua a ter as notas mais elevadas de acesso das Faculdades de Direito do país: Direito lidera com 181.4 e Criminologia com 174.4. São números, em toda a sua medida, verdadeiramente impressionantes.
Penso que todos nós recordamos vividamente o momento em que recebemos o mítico e-mail de colocação. Pelo que me toca, nem parece que já passaram três anos e que estou agora na reta final da longuíssima e árdua maratona que tem sido a Licenciatura.
À semelhança do que se lê numa das primeiras edições do Jornal Tribuna exposta no corredor do piso 1 da Casa Amarela, só nos cumpre interrogar: quem será o próximo inquilino? Ensina Lavoisier que nada se cria, nada se perde, tudo se transforma: se alguns de nós se encontram a uma esquina de cruzar a meta, outros tantos começam a corrida ao som do disparo rompante de um e-mail. Assim foi e será: enquanto novas gerações encontram na FDUP uma nova Casa, as mais antigas rezam para que os novos cuidem tão bem dela como eles um dia cuidaram, que cresçam nela tanto como outrora eles cresceram, que a vivam com a mesma intensidade com que eles um dia a viveram. E esse é mesmo o melhor conselho que qualquer finalista pode dar a um caloiro: que viva a FDUP! Que se entusiasme pelo que aqui se faz e produz. Que se envolva nas ideias que aqui nascem.
Não sei quem será o próximo inquilino dos nossos anfiteatros, dos nossos corredores ou das cadeiras desmontadas do bar, mas se pudesse falar com ele, dir-lhe-ia, de Estudante para Estudante: vive a FDUP [vai às aulas, compra uma caneta de tinta permanente para escrever nos post-its da legislação, não faltes às Serenatas], mas não te percas nela.

You can take 'em if you want 'em, these are just / Secrets from a girl, who's seen it all, como canta a Lorde.
É isso mesmo: vive o Curso, vive a faculdade, embarca na experiência, mas não te percas nela. Não deixes que te consuma e te reduza a um átomo estudantil – isto é, não queiras que a tua vida passe a girar em torno de um Curso, de uma Faculdade, de uma experiência, e tenta antes que tudo isso seja parte de ti, mas não o teu inteiro ser. Estamos sempre a ouvir que somos mais do que um número (e que somos o que comemos, o que pode ser até contraditório), mas somos também mais do que um curso. E talvez chegar a essa conclusão seja um exercício aparentemente fácil mas pouco praticado, até pelos jurássicos inquilinos do número 223 da Rua dos Bragas.
Por isso é que digo várias vezes que o Jornal Tribuna foi (tem sido!) o complemento perfeito da formação jurídica que decidi prosseguir. Este foi um dos poucos becos de sanidade que encontrei na FDUP e que me permitiu sempre perceber que somos todos mais do que o Curso que escolhemos e que Direito (ou Criminologia) não é o limite (talvez nem seja o começo).
E como isto, digo-te, não te percas nos labirintos jurídicos que vais encontrar pelo caminho. Vais ouvir muita gente dizer-te que “quem só sabe de Direito nem de Direito sabe”. Se calhar vais achar que é exagero, que não é bem assim, que um ótimo jurista se faz é de leis. Mais tarde vais perceber que não, tal como eu percebi.
O fundador do Tribuna, Filipe Gaspar, disse um dia que “Nós não andamos aqui a fazer turismo de sala para sala. Nós somos pessoas.”. Por vezes precisamos deste lembrete mental: nós somos pessoas. Bem sei que a Biologia dirá que somos essencialmente constituídos por água – e eu não vou desafiar a Ciência ou coisa que valha. Mas todos sabemos que – ciências à parte – as pessoas são resultado dos livros que leem, das viagens que fazem, dos sujeitos que conhecem, da música que ouvem, dos bilhetes de cinema que compraram, dos sabores que lhes estimulam o paladar, das experiências em que decidem embarcar. E limitar todas estas potencialidades por um curso? De nenhum fruto queiras só metade…
Para ser grande, sê inteiro, não era o que mandava Pessoa? E com boa razão!
Em dezembro de 1997, a Faculdade de Direito da Universidade do Porto leu e conheceu, pela primeira vez, o Jornal Tribuna. Vinte e cinco anos volvidos, quarenta e quatro edições depois, este continua a ser um espaço que se pauta pelo rigor, seriedade, mas também pela inovação e criatividade: este é um espaço que nos provoca para pensar. E não duvido que o Jornal Tribuna nos ajude a ser um bocadinho mais inteiros.
“Um curto espaço de tempo / Vais preenchê-lo com o frio da morte morrida / Ou o calor da viva vivida?” («Grão da Mesma Mó», Sérgio Godinho, 2018)
Aos nossos novos inquilinos, welcome to the real world, it sucks, you're gonna love it (Friends, temporada 1, episódio 1)!
Aos nossos jurássicos, bem-vindos a mais uma temporada de “noite de insónia, pesadelos, paranóia” («Escola», Luís Severo, 2017).
Martina Pereira
Diretora
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